O Centro de Cuidado às Crianças com Câncer do Líbano (CCCL) fornece tratamento gratuito para crianças de todo o Oriente Médio, independente de nacionalidade, religião ou etnia. Diante da enorme explosão em Beirute, no início de agosto, entrevistei Sahar Wasir, coordenadora de comunicação e marketing para a organização humanitária.
“Temos crianças da Síria, Palestina e algumas delas do Golfo, de Dubai e Abu Dhabi”, relatou Wasir. “Temos até alguns pacientes que vieram da África para tratamento no Líbano”. A entidade não discrimina de qualquer maneira. “Não solicitamos qualquer status financeiro ou religião, apenas ajudamos quem precisa.”
Até recentemente, o CCCL tratava aproximadamente 300 crianças por ano; contudo, diante da explosão em Beirute, prometeu conceder tratamento grátis a qualquer paciente com câncer menor de dezoito anos, que esteja no Líbano, pelos próximos seis meses. Esta decisão certamente aumentará o número de pacientes, mas trata-se de uma consideração secundária ao grupo. “O câncer não espera”, destacou Wasir. “Os pacientes não podem esperar pelo fim da crise econômica ou da pandemia para retomar seu tratamento; embora difícil, neste momento do Líbano, temos de achar um jeito de continuar a fornecer cuidados.”
A explosão resultou em cerca de 200 mortes, mais de 6.500 feridos e ao menos 300.000 desabrigados em Beirute. Houve também dano material generalizado, a até 24 km de distância do epicentro da explosão. Janelas e varandas por toda a cidade foram destruídas, assim como escolas, lojas, bares e restaurantes, em particular, em Geitawi, Gemmayze e Mar Mikhael, distritos localizados no centro e na região leste da capital libanesa.
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Hospitais na área também foram danificados. Médicos trataram vítimas da explosão à luz de tochas, em estacionamentos, logo após o desastre. Muitos dos hospitais da região agora funcionam em capacidade limitada, enfatizou Wasir, o que costuma significar que o tratamento oncológico está suspenso. “Muitos dos hospitais em Beirute estavam tratando pacientes de oncologia, incluindo muitas crianças, antes da explosão; infelizmente, muitos desses hospitais foram danificados, então o tratamento teve de ser interrompido.”
Wasir reiterou que a promessa de seis meses do CCCL tem como principal público alvo crianças cujo acesso ao tratamento de câncer foi interrompido, em hospitais severamente danificados pela explosão. A organização já atendia pacientes nos Hospitais de Geitawi, St. George e Karantina, no leste de Beirute, área mais atingida pela catástrofe.
O CCCL, porém, não escapou ileso da explosão de 4 de agosto. Wasir soa preocupada ao tratar das somas massivas ainda necessárias para financiar reparos essenciais, além de cobrir os seis meses de tratamento a mais pacientes do que de costume. Edifícios precisam ser reparados, equipamentos médicos precisam ser consertados ou substituídos tanto em casos de internação quanto pronto-socorro. As clínicas de emergência, felizmente, estavam vazias no momento da explosão, pois sofreram os piores danos. Sete de dezenove leitos de internação, não obstante, foram destruídos.
O CCCL tem sede no Centro Médico da Universidade Americana de Beirute. Desde a explosão, mudou-se para outro prédio, mas o custo de reparos e novos equipamentos permanece. “Mesmo sem tais custos imprevistos”, declarou Wasir, “o orçamento anual do centro girava em torno de US$15 milhões, em um momento no qual os médicos tratavam apenas 300 pacientes.” Tais custos devem aumentar dramaticamente. Cada tratamento, para cada criança com câncer, demanda US$55.000 por anos e anos; segundo Wasir, pacientes costumam precisar de ao menos três anos de cuidados.
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Além disso, o CCCL entrou no ano fiscal vigente com um déficit de US$2.5 milhões, após meses de queda nas doações domésticas, como resultado da grave crise econômica no Líbano. “Entretanto, a lacuna de financiamento foi preenchida rapidamente após a entidade solicitar doações, em janeiro. Após a explosão, contudo, preocupações financeiras ressurgiram, diante da expansão da demanda.”
Wasir acredita que o CCCL pode gerenciar a crise e está orgulhosa de que nenhum paciente foi obrigado a interromper ou adiar seu tratamento, apesar de meses de declínio fiscal, da pandemia de coronavírus e da explosão em Beirute. De fato, mesmo diante de tamanhos obstáculos, o centro manteve uma taxa de cura impressionante de 80% entre todos os seus pacientes e mais de 92% para leucemia, um dos tipos de câncer mais comuns no Líbano e Oriente Médio.
A organização humanitária espera que o compromisso de cuidados gratuitos possa continuar no próximo ano e além, facilitado por um acordo entre hospitais locais para melhorar a coordenação e comunicação sobre casos de câncer, com a possibilidade de compartilhar tratamento. “Nós nos reunimos com alguns hospitais e concordamos em manter maior contato sobre casos de câncer, para que todos possam receber o melhor cuidado possível.”
O Centro de Cuidado às Crianças com Câncer do Líbano, observou Wasir, tenta há algum tempo chegar à sua meta de expansão, estabelecida há mais de dezoito anos. Ironicamente, foi a explosão de agosto que aparentemente concedeu o estímulo necessário para ir adiante, com ainda maior determinação. “Aquele foi o momento no qual decidimos que tínhamos de agir mais rápido para ajudar todas as crianças que precisam de tratamento”, concluiu Wasir.
“Nenhuma criança deveria morrer na alvorada da vida” é o lema dos fundadores do centro humanitário. O CCCL e sua dedicada equipe têm este lema como alicerce às suas preocupações perante as crianças do Líbano e de todo o Oriente Médio.
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