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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Relembrando o Massacre de Bentalha

Uma mulher desesperada, que mais tarde foi chamada de 'Madonna de Bentalha' é consolada por um parente no hospital Zmirli após ter perdido toda a sua família, em 23 de setembro de 1997 [Hocine Zaourar/ AFP via Getty Images]
Uma mulher desesperada, que mais tarde foi chamada de 'Madonna de Bentalha' é consolada por um parente no hospital Zmirli após ter perdido toda a sua família, em 23 de setembro de 1997 [Hocine Zaourar/ AFP via Getty Images]

Onde: cidade de Bentalha, cerca de 15 quilômetros ao sul de Argel, Argélia

Quando: Durante a noite de 22 a 23 de setembro de 1997

O que aconteceu

Bastou uma noite para massacrar mais de 400 pessoas. Embora fontes oficiais afirmem que apenas 100 pessoas foram mortas. Em 22 de setembro de 1997, ao cair da noite, entre 50 a 100 homens armados vestidos com túnicas afegãs, usando barbas longas, com os rostos às vezes escondidos sob balaclavas, invadiram Haï El-Djilali e Haï Boudoumi Bentalha, dois bairros de Bentalha, um subúrbio remoto de Argel com uma população de dois mil a três mil habitantes. Das 22h30 às 16h00 da manhã seguinte, armados com facas, facões, machados e armas de fogo, atacaram casas. Quando a carnificina começou, a cidade mergulhou na escuridão porque os atacantes cortaram a eletricidade. Os gritos das vítimas, homens, mulheres e crianças, e os sons de bombas explodindo podiam ser ouvidos a quilômetros de distância. Os sobreviventes descreveram como os algozes decapitaram, queimaram, executaram, estriparam …

Poucas semanas antes deste massacre em Bentalha, em 28 de agosto de 1997, na cidade de Raïs, quase 300 pessoas foram massacradas pelo Grupo Islâmico Armado da Argélia (GIA). A planície de Mitidja – foi apelidada de “triângulo da morte” no meio da Década da Morte: assassinatos, bloqueios falsos, explosões e sequestros eram recorrentes. Foi também palco dos massacres de civis que marcaram 1997-1998.

Esses massacres ocorreram em um contexto dramático para a Argélia. Desde o golpe de Estado de janeiro de 1992, para impedir a vitória eleitoral da Frente de Salvação Islâmica (FIS) nas eleições legislativas, a Argélia mergulhou em uma guerra civil que colocou o exército nacional contra várias milícias islâmicas, como o GIA e o Exército de Salvação Islâmico (AIS). O conflito terminou com a vitória das forças governamentais, com a rendição do AIS e a derrota do GIA em 2002. Em dez anos, entre 60.000 e 150.000 pessoas foram mortas, milhares desapareceram, um milhão de pessoas foram deslocadas, dezenas de milhares foram forçadas ao exílio e os danos custaram ao país mais de US$ 20 bilhões.

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O que aconteceu depois

Uma foto ilustraria esse massacre para a memória coletiva do mundo. A “Madonna de Bentalha” é uma mulher encostada a uma parede do hospital de Zemirli, com o rosto dominado pela dor. A imagem rendeu a Hocine Zaourar, da Agence France Presse, o prêmio World Press Photo.

Mas as perguntas permanecem sobre o que aconteceu naquela noite. Embora este não tenha sido o primeiro nem o mais mortífero massacre, atingiu um nível de barbárie nunca visto antes.

Segundo testemunhas, os terroristas voltaram aos pomares que circundavam a cidade sem serem incomodados pelo exército, estacionado na entrada de Bentalha. Apesar dos gritos e alertas dos poucos habitantes que conseguiram fugir, os soldados, que estavam a serviço no dia seguinte ao massacre, explicaram que não podiam intervir sem ordem dos seus superiores e que o terreno estava coberto de minas e portanto não puderam passar por falta de iluminação. Segundo testemunhas, esses soldados tomaram posições a poucas dezenas de metros de distância com armaduras e ambulâncias, sem intervir e até impedindo que vizinhos viessem em socorro.

As forças de segurança se recusaram a fornecer armas de autodefesa para alguns dos habitantes acusados ​​de proteger e alimentar as forças islâmicas. Em Benthala, os grupos armados haviam de fato se estabelecido nos pomares, no que alguns descrevem como uma manipulação direta da violência islâmica pelo serviço secreto argelino.

Não houve prisões, nem julgamento digno desse nome. A questão permanece sobre quem matou quem.

Em 2005 a Carta para a Paz e a Reconciliação Nacional foi aprovada na Argélia. Dois artigos da ordem de implementação da Carta passam a proíbir qualquer processo e condenam as famílias das vítimas a renunciar a qualquer desejo de justiça. O artigo 45 estipula que “nenhum processo pode ser instaurado, individual ou coletivamente, contra elementos das forças de defesa e segurança da República, todas as componentes combinadas (…). Qualquer denúncia ou reclamação deve ser declarada inadmissível pela autoridade judiciária competente. ” Enquanto o artigo 46 afirma que “é punível com pena de prisão de três a cinco anos e multa de 250 mil a 500 mil dinares, quem, por suas declarações, escritos ou qualquer outro ato, usar ou explorar as feridas da tragédia nacional para prejudicar as instituições da República Democrática Popular da Argélia, enfraquecer o Estado, prejudicar a honradez dos funcionários que o serviram com dignidade ou manchar a imagem da Argélia internacionalmente. ” Após essa votação, mais de seis mil  islâmicos desceram do maquis – zona rural onde se protegeram – e voltaram para suas casas. Essa lei também resultou na libertação de mais de 1.500 islâmicos condenados por terrorismo.

Apesar da aprovação da Carta de Reconciliação Nacional, as testemunhas desta tragédia tentam sobreviver e esquecer os seus algozes. Na ausência de atendimento psicológico adequado, os sobreviventes sofrem muitos efeitos colaterais, muitos agora vivem com problemas de saúde mental de longo prazo depois de ver os corpos mutilados de seus parentes.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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