Unidade contra a direita não significa aliança eleitoral

Juliano Medeiros presidente nacional do PSOL [Foto Ricardo Stuckert/PSOL]

Lutar contra a extrema direita é uma necessidade comum ao campo democrático que requer o esforço da unidade, defende o presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Juliano Medeiros.  Mas isso não quer dizer, para ele,  imposições de alianças na disputa política eleitoral.  Especialmente para um partido que nasceu contestando o que seriam alianças demais feitas nos períodos da administração petista, incluindo forças tradicionais do sistema político cerceadoras do próprio governo.

Mestre em História e doutor em ciências políticas pela Universidade de Brasília (UnB), Juliano coordenou por oito anos a liderança da bancada partido na Câmara dos Deputados. Escreve para sites e publicações sobre política nacional e internacional, publicou pela Boitempo Editorial o livro “ 5 mil dias – O Brasil na era do lulismo”.

Sua história na política começou ainda  na juventude, quando foi dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e participou ativamente de campanhas nacionais e internacionais, especialmente no apoio à causa Palestina.

Em entrevista ao Monitor do Oriente, Juliano Medeiros fala do momento de seu partido, que busca o impeachment do governo Bolsonaro e contesta a visão de país propagada pela diplomacia brasileira e o próprio presidente, como em seu recente discurso da ONU.  Na relação com Estados Unidos e Israel, o problema, aponta ele, é a subserviência.

O PSOL é o mais jovem partido claramente de esquerda, quais suas  principais diferenças  no campo da esquerda?

O PSOL nasce de uma experiência de resistência à dinâmica da política tradicional brasileira, enquanto os demais partidos da esquerda e da centro-esquerda governavam o Brasil com alianças com os partidos mais tradicionais do nosso sistema político e promoviam mudanças e transformações dentro dos limites estabelecidos pelo regime político. O PSOL surge como uma resistência a esse processo, reafirmando as bandeiras de uma esquerda combativa, independente, ética, anticapitalista, internacionalista e  para manter vivas as bandeiras de uma esquerda socialista e radical no Brasil.

Você se preocupa com a possível fragmentação das forças democráticas em momentos que só  poderiam ser enfrentados com unidade? Como isso é encarado pelo PSOL?

Nós temos trabalhado muito para garantir a unidade das forças democráticas e progressistas contra o avanço da extrema direita no Brasil, isso não significa o estabelecimento de alianças eleitorais ou alianças políticas mais permanentes necessariamente. É um reconhecimento por parte do PSOL de que nós sozinhos não somos capazes de promover a resistência necessária aos ataques que a democracia, os direitos sociais e a soberania no Brasil têm sofrido desde que o Bolsonaro tornou-se presidente. Temos trabalhado bastante pela unidade, em 2018 disputamos as eleições presidenciais muito fragmentadas, acredito que superamos essa condição de hiper fragmentação e hoje temos  mais condição e maior colaboração entre os partidos e forças democráticas na luta contra o bolsonarismo.

Bolsonaro defendeu as políticas ambientais do governo e para o enfrentamento à covid-19 na ONU, às quais o PSOL é crítico. Qual o efeito dessas posições do presidente para a imagem internacional do Brasil? E por que?

São trágicas, primeiro porque minimiza uma tragédia de dimensões continentais que é a devastação ambiental, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, a retomada de extração ilegal de madeira, ou seja, uma agenda de destruição da legislação ambiental brasileira que deveria ser objeto de denúncia internacional. Mesmo em relação ao Covid-19, os números do Brasil mostram que o governo federal sob nenhum ponto de vista agiu corretamente no combate à pandemia, primeiro negando a gravidade e depois travando uma queda de braços com governadores e prefeitos e por fim, a última etapa, um governo tentando promover um medicamento sem qualquer comprovação científica de eficácia contra o coronavírus. A narrativa que o Bolsonaro leva para a Assembleia Geral da ONU em relação à pandemia é absolutamente fantasiosa e busca eximi-lo das suas responsabilidades diante de mais de 4 milhões e meio de brasileiros infectados e mais de 140.000 vítimas fatais do vírus aqui no Brasil.

LEIA: No aniversário de 75 anos ONU, a torcida contra do Brasil

Bolsonaro também elogiou na ONU os acordos de normalização com o Estado de Israel, intermediado pelos EUA, com os Emirados Árabes Unidos e Bahrein. O que o  PSOL pensa desses acordos?

Esses acordos visam normalizar uma série de violações ao direito internacional cometidos pelo estado de Israel e que durante várias décadas foram objeto de rechaço por parte dos países árabes. Esses acordos passam a ser relevados por uma série de países, graças a intermediação do presidente Trump. O PSOL, portanto, não é apenas crítico aos acordos em si, mas rechaça fortemente a postura de subordinação do governo Bolsonaro à estratégia do governo Trump de soterrar definitivamente o direito internacional legitimando os crimes do Estado de Israel contra o povo palestino.

Mensagem deixada por dirigentes do PSOL em visita a Palestina em 2018 em frente ao muro construído por Israel “ PSOL com Palestina” [Foto arquivo pessoal]

O PSOL entrou com pedido de impeachment do presidente Bolsonaro, como está esse processo?

Entramos com um pedido coletivo com mais seis partidos de oposição, PT, PC do B, PCO, PCB, PSTU e UP com mais 400 entidades, sociedade civil entre sindicatos, movimentos sociais, entidades estudantis. Foi o pedido de impeachment mais amplo até agora e que reúne todos os crimes cometidos pelo Bolsonaro. Rodrigo Maia, que é presidente da Câmara é o responsável pela instauração do pedido de impeachment. São mais de cinquenta  pedidos sobre a sua mesa e ele até agora  se nega a instaurar qualquer um desses pedidos. Recentemente deu uma entrevista patética em que afirma que na verdade não vê nenhum crime cometido pelo Bolsonaro, o que é gravíssimo diante da quantidade interminável de crimes que ele cometeu.

No PSOL algumas lideranças, como o deputado Jean Wyles, são menos críticas a  Israel. Nesse caso, o deputado aceitou um convite, apesar da campanha internacional do BDS pedindo a ele que não participasse de eventos usados para transmitir uma falsa imagem democrática do país. Como o partido  lida com esses conflitos com posições tão importantes para o conjunto da esquerda?

O PSOL tem resolução congressual em favor dos direitos do povo palestino, denunciando os ataques do estado de Israel ao direito internacional, inclusive participa formalmente da campanha de Boicote Desinvestimentos e Sanções a Israel (BDS). A nossa postura é clara e contundente, o que existe são posições individuais de lideranças e filiados que expressam seu direito de divergir das posições partidárias, mas não há nenhuma ambiguidade na posição do PSOL em relação a esses temas

LEIA: BDS faz campanha para barrar compra de armas israelenses por São Paulo

E o  PSOL acredita que é possível um sionismo de esquerda?

O PSOL não tem uma resolução aprovada sobre esse tema em particular; havia até recentemente filiados do nosso partido que consideravam que sim,  que seria possível. Há muitos de nós, no entanto, que acham uma contradição. Existem as duas posições: certamente, há pessoas que acham que sim que é possível e há pessoas que acham que é uma contradição,  como é o meu caso.

Pessoalmente, qual a tua ligação com a causa Palestina?

Eu tenho uma militância internacionalista que vem desde o movimento estudantil, quando fui da União Nacional dos Estudantes (UNE). Participei de várias campanhas na Bolívia, na Colômbia, na Venezuela, então me inclui muito nos temas internacionais como um todo e desde cedo,  quando eu ainda era militante do Partido dos Trabalhadores  (PT) em Porto Alegre, tinha uma vinculação com o Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino. Tenho cerca de 20 anos dedicados a causa do povo palestino. Em 2018 estive na Palestina com o Guilherme Boulos numa série de agendas na Cisjordânia e também em Israel em solidariedade ao movimento de resistência palestino.

Juliano Medeiros na Palestina [Foto arquivo pessoal]

E como foi a experiência na Palestina?

Foi muito interessante, primeiro para ver de perto as diferentes formas de resistência que o povo palestino organiza, segundo, para verificar na prática toda a humilhação, opressão que é exercida pelo Estado de Israel contra as populações palestinas e terceiro, para contestar na prática as constantes violações ao direito internacional. Foram experiências muito marcantes, chocantes para que alguém que só conhecia essa realidade pelos livros pelas fotos.

 

Quais são as iniciativas do PSOL para apoiar a causa palestina?

Além da campanha BDS, da qual a gente já participa, o PSOL tem denunciado na Câmara dos Deputados os acordos militares entre o Estado de Israel e o Brasil. Não é possível que o Estado israelense utilize armamento de ponta para reprimir os palestinos e esse armamento depois de testado na prática pelo estado de Israel seja utilizado para reprimir as populações mais pobres do Brasil.

Denunciar o aprofundamento da cooperação militar entre os dois países em um momento em que Israel mais do que nunca se torna uma ameaça a segurança mundial, na medida em que desrespeita permanentemente o direito internacional e impõe ao povo palestino uma série de violências que são inaceitáveis.

LEIA: Contra a anexação, a solidariedade cria redes pela Palestina livre

Comitiva do PSOL em Ramallah, Pedro Charbel, Guilherme Boulos e Juliano Medeiros [Foto arquivo pessoal]

Sair da versão mobile