Muhammad al-Durrah e as crianças filhas da Palestina ocupada

O assassinato de Muhammad al-Durrah ocorreu na Faixa de Gaza em 30 de setembro de 2000, no segundo dia da Segunda Intifada, durante tumultos generalizados nos territórios palestinos.

Se a ocupação da Palestina por Israel precisasse ser resumida em uma imagem, certamente esta seria apropriada. Mesmo assim, é impossível não perguntar: o que os soldados que mataram Muhammad al-Durrah não quiseram ver da humanidade de uma criança encolhida e aterrorizada, agarrada ao pai desesperado que tentava em vão protegê-la pedindo: não atirem?

A passagem dos 20 anos da segunda intifada, iniciada em 28 de setembro com a invasão de Al Aqsa por Ariel Sharon, obriga a pensar em porque as violações de locais religiosos muçulmanos são recorrentes em Israel. Profanam o que é sagrado para o outro povo, ao qual busca subjugar, com a certeza da resistência e do uso da força de combatê-la. O protesto explode, a repressão se impõe, a ocupação avança. Às vezes enfrentando resistência surpreendente, como na segunda Intifada, Mas o assassinato do menino Muhammad al-Durrah, aos 12 anos de idade, no dia 30 de setembro daquele ano, obriga a encarar respostas ainda mais desconcertantes para a desumanidade da ocupação.

Não foi acidente.  A câmara de Talal Abu Rahma, cinegrafista palestino freelancer para a France 2, gravou a sequência de pavor de pai e filho, agachados, grudados na parede, encontados em uma pilastra, sem ter onde se esconder dos tiros. E por isso mesmo perfeitamente visíveis, à câmara e aos atiradores.

Porém, quatro tiros mataram o menino e outras feriram gravemente seu pai. A imagem final é de Mohammad estirado sobre o colo do pai. No vídeo, o homem ferido, sem forças para abraçar o corpo do filho, ainda tenta algum movimento com a cabeça, que pende. A sequência percorreu a mídia mundial, a foto foi capa de grandes jornais. Cada olho que a viu percebeu o sagrado, a vida da criança, sendo profanado e destruído. Entendeu a humanidade de um pai pedindo pela vida de seu filho. Menos os olhos dos soldados cumprindo mais um ritual de infanticídio que vai consumindo a imagem de autodefesa vendida pela ocupação.

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A sequência de imagens extraídas do vídeo gravado pelo cinegrafista Talal Abu Rahma, do desespero à morte de Muhammad, em 30 de setembro de 2000

O então  diretor da inteligência militar de Israel,  Amos Malka,  estimou que somente nos primeiros dias de protestos, o Exército de Israel chegou a disparar cerca de 1.3 milhões de balas de fogo. Quatro delas contra Muhammad. E outras contra vidas em situações não gravadas em vídeo como ele.

O jornalista francês Georges Malbrunot, na reportagem sobre a Segunda Intifada, Das Pedras aos Fuzis,  mostrou a morte de crianças como o desencadeador da busca palestina pela militarização dos levantes. Ele reproduz palavras de dirigentes palestinos da Segunda Intifada: “204 palestinos são mortos por soldados israelenses entre 28 de setembro e 2 de dezembro, dos quais 73 menores de 17 anos e 24 membros dos serviços de segurança? Não podíamos perder dez crianças por dia, o custo humano era pesado demais. Devíamos passar a outra estratégia?

A morte cruel de crianças tem efeitos inimagináveis sobre a vida de quem as perde. E provoca traumas duradouros para as crianças que testemunham, se vêem ameaçadas e sobrevivem. De certa forma, são crimes que não apenas incitam a inevitável reação popular, sempre tratada com mais repressão e violência por parte do estado, além da impunidade dos responsáveis. Os assassinos de Muhammad jamais foram apresentados ou julgados.

Esses crimes também mantêm os conflitos e os pretextos para a repressão continuada como uma situação duradoura, crescente e normalizada do estado ocupante.

Ao final de 2004, perto do fim da segunda intifada, o governo de Israel divulgou que 7.366 palestinos eram mantidos em suas prisões, sendo que 386 destes eram crianças.  Como uma informação natural sobre sua política de restrição da liberdade.

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Meninos palestinos brincam na praia, segundos antes de uma bomba cair sobre eles

Inimagináveis devem ser os traumas das crianças que sobreviveram à operação Margem Protetora, uma ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza. O fato desencadeador foi o sequestro e assassinato de três adolescentes israelenses por palestinos em meados de junho de 2014, seguido inicialmente de uma operação de busca, que deixou algumas dezenas de mortos. Em vingança pelos três rapazes, extremistas judeus raptaram e queimaram vivo o menino palestino, Muhamed Abu Khdeir.

A partir daí, o ciclo provocação da revolta – protestos populares – repressão redobrada se instalou com a operação Margem Protetora, que deixou  nítida a inclusão de crianças entre os alvos, como na foto dos três meninos que brincavam na praia segundos antes de uma bomba certeira cair sobre eles.  Uma quarta criança escapou.

“A ofensiva teve um impacto catastrófico e trágico nas crianças. Se levarmos em conta o que estes números representam para a população de Gaza, é como se tivessem morrido 200 mil crianças nos Estados Unidos”, comparou Pernille Ironside.

Isso porque, em cerca de dois meses da ataques a Gaza, Israel deixou um rastro de 408 crianças mortas e outras 2,5 mil feridas, conforme os levantamentos da Unicef. As crianças representaram 31% das mortes entre civis no conflito. Mais de 70% dos 251 meninos e 157 meninas tinham menos de 12 anos.

O saldo para os ficaram, segundo a agência naquele momento, era de 370 mil menores precisando urgentemente de ajuda psicológica.

“Levemos em conta que uma criança que tem sete anos já passou por três ofensivas, a de 2008-2009, a de 2012 e a de agora. Imaginem o impacto que isso pode ter tanto nas crianças menores como nas quais já entendem o que isso significa”, afirmou  após os ataques à Gaza de 2014 afirmou Pernille Ironside, chefe do Unicef em Gaza.

A Operação Margem Protetora marcou uma geração hoje adolescente e adulta, que precisa lidar com a presença cotidiana da armas da ocupação que traumatizaram para sempre sua infância.  Talvez no limite da capacidade para suportar uma próxima provocação.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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