O conflito renovado entre Armênia e Azerbaijão sobre o território disputado de Nagorno-Karabakh tem potencial para atrair potências regionais, como Irã, Rússia e Turquia; portanto, para tornar-se uma guerra por procuração no sul do Cáucaso. O conflito já avança em direção a uma guerra declarada, à medida que os combates intensificam-se, cidades são bombardeadas, mortos se acumulam e acusações são feitas de uso de bombas de fragmentação.
Assim como a maioria das disputas de fronteira contemporâneas, esta é tanto complexa quanto multifacetada, com raízes no legado do imperialismo e no colapso da União Soviética. Ambos os países ganharam sua independência em 1918, do Império Czarista da Rússia, para serem incorporados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) dois anos depois. No momento, tensões étnicas e religiosas já haviam eclodido entre armênios e azeris, conforme reivindicavam Nagorno-Karabakh – território situado entre fronteiras azeris, contudo habitado em maioria por armênios. As hostilidades entraram em hiato após o estabelecimento do Oblast Autônomo de Nagorno-Karabakh, em 1923, pela então república soviética do Azerbaijão. Após o fim da União Soviética, a guerra despertou novamente. Residentes armênios preferiam a reunificação com a Armênia histórica e o Azerbaijão desejava garantir soberania sobre as terras. Os conflitos continuaram até cessar-fogo de 1994, quando instaurou-se de fato a República de Artsakh, estado não-reconhecido internacionalmente, dentro das fronteiras azeris.
Esta paz ligeiramente duradoura chegou a um fim súbito, devido a uma breve guerra em 2016, que deixou ao menos duzentos mortos, amplamente vista como instigada pelo Azerbaijão como consequência lógica da falta de progresso nas conversas de paz, sob auspícios do Grupo de Minsk da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), co-presidida por França, Rússia e Estados Unidos. Foi durante este conflito que o Azerbaijão destacou a longeva assimetria com a Armênia e seu exército superior, historicamente. A Rússia tornou-se então o principal benfeitor dos esforços azeris para salvar as aparências, ao restaurar sua influência geopolítica e posição como mediadora primária no Cáucaso, às custas de países ocidentais. Embora Moscou reconheça oficialmente as reivindicações territoriais do Azerbaijão, possui um pacto de defesa com a aliada tradicional Armênia – que não se aplica às terras em disputa – e mantém êxito em suprir armas a ambos os lados.
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Um pico na economia do petróleo, entre 2010 e 2015, coincidiu com forte orçamento militar para o Azerbaijão, com a maioria de seus equipamentos adquiridos da Rússia. Israel, não obstante, tornou-se o segundo maior parceiro no comércio de armas. Em 2016, no mesmo ano do conflito, o governo azeri gastou quase US$5 bilhões em armas israelenses, incluindo sistemas de radar e drones de guerra.
O Azerbaijão instituiu laços com Israel logo após a independência pós-Guerra Fria, em 1991. Está entre um punhado de países de maioria islâmica que possui relações com Tel Aviv. De fato, Azerbaijão e Turquia são os únicos estados majoritariamente islâmicos, não-árabes, nesta posição. Contudo, o eixo “Turquia-Azerbaijão” possui impacto significativo na relação azeri-israelense, à medida que os três compartilham perspectivas similares em termos geopolíticos e sobre ameaças de segurança. Entretanto, relações entre Israel e Turquia deterioraram-se no decorrer da última década, de modo que o estado da ocupação passou a privilegiar laços o Azerbaijão rico em petróleo. A maioria do petróleo adquirido por Israel provém dos campos azeris no Mar Cáspio, embora sua recente normalização com Emirados Árabes Unidos e Bahrein possa significar diversificação na oferta, por exemplo, caso o conflito no Cáucaso saía do controle.
É interessante notar que, historicamente, o Azerbaijão possui um forte movimento sionista, com sua capital Baku tornando-se “um dos grandes centros” do nacionalismo judaico, em 1891. O movimento tornou-se particularmente ativo durante a fugaz república independente pré-soviética, quando um representante sionista chegou ao parlamento.
Observadores casuais podem surpreender-se ao saber que, embora tenha laços com Armênia e Azerbaijão, o Irã de fato tende a favorecer o vizinho cristão ortodoxo, em detrimento da república de maioria islâmica xiita (embora estado secular).
Não obstante, o Irã possui laços históricos e religiosos com o Azerbaijão. A dinastia Safávida (1531-1736) estabeleceu sua base em Ardabil, então território azeri do Irã. De fato, os azeris são segundo maior grupo étnico no território iraniano, após os persas, de modo que há mais azeris no Irã do que no próprio Azerbaijão. Contudo, o apoio iraniano à Armênia é melhor analisado sob luz da aliança de Baku com Tel Aviv e Ancara.
O Azerbaijão não é apenas uma fonte de energia inestimável para Israel, mas também concede valiosas informações sobre atividades militares no norte do Irã. Portanto, Teerã não confia no Azerbaijão, sentimento de suspeita recíproco pois Baku preocupa-se com a crescente influência ideológica iraniana entre sua população xiita. A maioria dos presos políticos no Azerbaijão, segundo relatos, estão atrás das grades por delitos relacionados à religião e comemorações da Ashura (feriado xiita) são monitoradas rigorosamente pelo estado azeri.
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O Irã deve então tratar da questão com cautela, a fim de não alienar sua grande população azeri, que já conduziu manifestações e marchas em apoio ao Azerbaijão. Há receios de que sentimentos nacionalistas possam entornar-se através da fronteira e incitar o separatismo azeri na república islâmica. Porém, azeri-iranianos são em maioria leais ao estado do Aiatolá Ali Khamenei, também de ascendência azeri. A chegada de mercenários sírios, com apoio da Turquia, ao Azerbaijão também representa uma preocupação de segurança genuína para Teerã, pela proximidade de fronteira, em particular dado que facções consideradas radicais pelo Irã dominam hoje a oposição ao governo sírio, em Idlib.
Diferente do Azerbaijão, a Armênia – aliada do Irã – possui laços “subdesenvolvidos” com Israel e apenas abriu uma embaixada em Tel Aviv em setembro último. Os armênios já convocaram o retorno de seu embaixador devido ao fornecimento contínuo de Israel de “armamentos ultramodernos” ao Azerbaijão, ao descrever este comércio como “inaceitável”. Mesmo em meio ao conflito, voos civis de carga do Azerbaijão são mantidos entre Baku, Turquia e Israel – todavia, suspeitas indicam que carregam equipamento militar para ser utilizado em Nagorno-Karabakh. Ironicamente, Israel é notório por recusar-se oficialmente a reconhecer o Genocídio Armênio, assunto altamente sensível à Turquia.
Apesar do arsenal avançado à disposição do Azerbaijão, incluindo drones turcos bastante efetivos na Síria e na Líbia, seus soldados detém pouco treinamento e motivação. Dado o apoio de mercenários também mal equipados da Síria, não surpreendem as alegações armênias de grandes baixas entre forças azeris, com abundância online de imagens gráficas de soldados azeris caídos no campo de batalha. A rede NetBlocks reportou um apagão nas redes sociais e meios de comunicação no Azerbaijão, após declaração de lei marcial, a fim de “prevenir provocações de larga escala” pelo inimigo.
A perspectiva armênia, no entanto, refere-se ao conflito como ameaça existencial. O Primeiro-Ministro Nikol Pashinyan acusou a Turquia e o Azerbaijão de “dar continuidade ao genocídio armênio”. A recusa da Turquia sobre um cessar-fogo, neste momento, e a insistência do Azerbaijão em tentar avançar na linha de confronto, capturando diversas aldeias de forças armênias, tornou o recuo armênio do conflito e eventuais concessões “quase impossíveis”. O terreno montanhoso e as localidades mais elevadas favorecem a Armênia; o inverno deverá restringir severamente o progresso azeri.
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Não é preciso reiterar que o histórico problemático entre Turquia e Armênia e a falta de laços diplomáticos, além do fato do Azerbaijão ser uma nação étnica turcomana, significa que Ancara preserva apoio absoluto a Baku. Mesmo o chefe do partido de oposição turca IYI anunciou seu apoio às políticas do governo do Presidente Recep Tayyip Erdogan referentes ao Azerbaijão, ao expressar esperanças de fortalecimento nas relações com nações turcomanas, em lugar da Irmandade Muçulmana, nos países árabes.
O Azerbaijão é, portanto, crucial para o panturquismo histórico e para conectar a Turquia ao restante dos países de origem turcomana, na Ásia Central. A Armênia, contudo, está no caminho. Não obstante, em termos práticos e realistas, a Turquia também depende de importações de gás natural do Azerbaijão, que aumentaram a 23% no primeiro semestre deste ano, embora tais índices possam mudar caso Ancara consiga explorar efetivamente os campos recém descobertos no Mediterrâneo Oriental.
De modo bastante similar às intenções da Rússia de fortalecer sua presença no Cáucaso, a Turquia preserva uma política externa assertiva sobre a região e além. Segundo Erdogan, o apoio da Turquia a Baku é parte da busca pelo seu “merecido lugar na ordem mundial”. No jogo de soma zero, na disputa de poder, tampouco Irã, Turquia ou Rússia deverão contentar-se em permitir o domínio do Cáucaso a qualquer um dos outros proponentes. No passado, Rússia, Império Otomano e Dinastia Safávida colidiram uns contra os outros sobre a hegemonia regional; seus equivalentes modernos repetirão tais confrontos, mesmo que executados por procuração, caso a situação em campo se deteriore. Qualquer apoio ao povo azeri, seja com base em laços religiosos, étnicos ou políticos, todavia, não necessariamente garantirá apoio a seu governo pró-Israel.
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