Na semana passada, o Ministério da Defesa da Rússia anunciou que as partes russa e egípcia se reunirão para preparar os exercícios navais conjuntos a serem realizados no Mar Negro sob o nome de “Ponte da Amizade 2020”. Em dezembro de 2019, Rússia e Egito realizaram exercícios navais no Mediterrâneo com o mesmo nome. A previsão é que os exercícios, cuja data ainda não foi anunciada, ocorram antes do final deste ano.
A Marinha egípcia participará pela primeira vez na história em manobras militares no Mar Negro. No entanto, a única passagem marítima do Egito para o Mar Negro passa pelos Dardanelos, o Mar de Mármara e o Bósforo, o que significa que os navios de guerra egípcios navegarão com todas as suas armas pela Turquia.
Istambul testemunhou um ato provocativo de um soldado russo em dezembro de 2015, quando o navio de desembarque russo César Konikov estava navegando do Mar Negro para o Mar de Mármara através do Bósforo. Um soldado russo carregando um lançador de míssil superfície-ar voltado para a costa estava a bordo do navio. É provável que tal provocação se repita enquanto os navios de guerra egípcios cruzarem o Bósforo.
Apoiadores do golpe do exército egípcio consideram a participação da Marinha egípcia em manobras militares no Mar Negro uma mensagem a Ancara, afirmando que se a Turquia intervir na Líbia, o Egito conduzirá manobras militares perto de suas fronteiras. Eles também chamaram a atenção para o fato de que os navios de guerra egípcios entrarão nas águas turcas e passarão pelo coração de Istambul.
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A mensagem que os apoiadores de El-Sisi afirmam ser dirigida à Turquia não tem sentido, e a participação da Marinha egípcia em manobras militares no Mar Negro nada mais é do que uma mera demonstração de imaturidade. O mesmo aconteceu com os Emirados Árabes Unidos durante sua participação em exercícios militares conjuntos com a Grécia no Mar Branco. Isso porque, por mais que essas manobras imitem as condições de guerra, elas não são guerras.
Navios de guerra egípcios agora podem participar de manobras militares no Mar Negro. Mas se estiverem em estado de guerra contra a Turquia, não terão permissão para navegar pelos estreitos Dardanelos e pelo Bósforo e não chegarão ao Mar Negro.
A participação da Marinha egípcia em manobras militares com a Rússia é uma mensagem dirigida principalmente à opinião pública egípcia, para encobrir o fracasso dos golpistas em enfrentar os perigos que ameaçam o país – como o caso da Barragem Renascença, da Etiópia. El-Sisi espera que a mídia da contra-revolução aproveite tudo relacionado a essas manobras para polir sua reputação e retratá-lo como um grande líder que conquistou uma vitória contra seus inimigos.
Se as manobras da Ponte da Amizade 2020 são uma mensagem dirigida à Turquia, então é uma mensagem russa, ao invés de egípcia. Certamente, sempre que Moscou quer pressionar Ancara, convoca um dos oponentes da Turquia à arena como uma forma de chantagem. Esse oponente às vezes já foi uma organização terrorista, o PKK ou um governo anti-turco, como o regime golpista de El-Sisi.
As relações turco-americanas estão tensas há muito tempo devido ao apoio dos EUA ao PKK na Síria e ao abraço de Fethullah Gülen, o líder do “estado paralelo” da Turquia que realizou a tentativa de golpe fracassada no verão de 2016 Além disso, Washington recusou-se a vender o sistema de mísseis Patriot à Turquia, apesar dos insistentes pedidos deste último para comprá-lo. Isso levou Ancara a buscar uma alternativa para atender sua necessidade urgente de defesa aérea, e encontrou suas necessidades atendidas com o sistema de mísseis russo S-400.
Além deste acordo, Turquia e Moscou chegaram a entendimentos sobre o dossiê sírio, seja nas cúpulas tripartidas em que o Irã participou, seja nas cúpulas bilaterais dos presidentes turco e russo. Alguns analistas interpretaram esses desenvolvimentos como evidências de uma aliança turco-russa, mas há muitos indícios, como as manobras da Ponte da Amizade 2020, que sugerem que essa aliança não existe senão na imaginação desses analistas.
Os arquivos regionais são altamente complexos e os países podem cooperar em um arquivo devido a suas posições semelhantes, mas os mesmos países ficarão em lados opostos de outro arquivo por causa de seus conflitos de interesse. É bem conhecido que a Turquia apoia a integridade territorial da Ucrânia e se recusa a reconhecer a anexação da Península da Crimeia pela Rússia.
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