O Oriente Médio… e a ditadura das minorias

Refugiados iraquianos chegando à cidade de Al Qayyarah no Iraque, em 18 de outubro de 2016 [Agência Feriq Fereç / Anadolu]

No mundo todo, há uma preocupação constante com os direitos das minorias, sejam elas raciais, étnicas, religiosas, políticas ou pertencentes à  determinados grupos de comportamento. Faz parte do bom entendimento da cartilha dos direitos humanos zelar pelos direitos das minorias e preocupar-se em proporcionar aos seus integrantes as melhores condições de vida. No entanto, sabemos que no nosso mundo de hoje estamos muito longe deste ideal, uma vez que vivemos numa época de aumento da escalada das tensões políticas, religiosas, sociais e econômicas. Infelizmente, muitas das minorias, aqui e acolá, acabam sendo injustamente penalizadas, e viram alvo de perseguições de instituições e sociedades.

Este cenário de minorias oprimidas pelas maiorias não é o que prevalece no Oriente Médio, principalmente na região histórica do Crescente Fértil, palco de ferrenhas disputas da geopolítica global, com envolvimento direto das principais potências globais e regionais. Na região do Crescente Fértil, de uma forma mais precisa e específica, ocorre um paradoxal e estranhíssimo fenômeno, que é a opressão das maiorias pelas minorias. E a pergunta mais óbvia e esperada, diante de tal situação totalmente aberrante em termos de geopolítica, é: como isto pode ser possível? Como algo tão contrário às leis da natureza pode ter lugar em nossos dias?

De fato, no Oriente Médio, há uma maioria étnico-religiosa, que compõe a vasta maioria das populações dos países da região. Trata-se do grupo étnico-religioso dos muçulmanos sunitas árabes. Ou seja, são aqueles árabes que seguem o ramo sunita do Islam. Em todo o Norte da África, com exceção do Egito, o Islam sunita chega a ser praticamente a totalidade da população, sem a presença de minorias religiosas. No Egito, temos uma considerável minoria cristã copta. No Crescente Fértil, o quadro é muito mais variável, e as minorias religiosas tem uma presença mais exuberante e complexa junto à maioria sunita.

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Na Síria, há três grupos de minorias, com decisiva participação na guerra sanguinária que se trava no país há cerca de três décadas, a saber:

1) os alawitas, que são um grupo religioso minoritário, que pertence ao xiismo islâmico;

2) os drusos, que são um grupo religioso islâmico dissidente;

3) os diversos grupos de cristãos, entre católicos e ortodoxos. A maioria sunita na Síria constitui mais de três quartos da população. No entanto, e de uma forma paradoxal, o poder político, militar, e até econômico, está nas mãos da minoria alawita há pelo menos cinco décadas. Este grupo religioso minoritário tem governado o país com extrema opressão, matando, prendendo e perseguindo principalmente a maioria sunita, desde que assumiu o controle efetivo do país com o ditador Hafez Al-Assad, na década de 1970. A guerra civil síria, travada há cerca de uma década, com massacres e atrocidades contra a maioria sunita, tem como principais finalidades: oprimir os sunitas e impingir mudanças demográficas e genocídio da população sunita, e manter a minoria alawita no poder tirânico do país, tendo como presidente o ditador Bachar Al-Assad, líder sanguinário e genocida.

No Líbano, o cenário étnico-religioso é o mais complexo da região do Oriente Médio. A comunidade dos muçulmanos xiita é a segunda maior do país, sendo dos muçulmanos sunitas a maior de todas as comunidades religiosas. As maiores e mais importantes do Líbano (Beirute e Tripoli) são de maioria sunita. No entanto, os xiitas detém o poder de fato do estado libanês, constituindo um estado paralelo, mais poderoso que o estado libanês oficial. A organização paramilitar do Hezbolá detém o controle de fato do país, política, social e economicamente. Embora haja um acordo verbal (uma espécie de constituição paralela não-escrita) entre as comunidades étnico-religiosas que compõem a nação libanesa, que divide os principais cargos e postos do aparelho estatal libanês, o que prevalece, nas vias de fato hoje, é o poder militar econômico e político patrocinado por potências regionais e globais. Assim sendo, temos os xiitas no domínio absoluto do Líbano, através do poder outorgado pelo Irã, que dá apoio financeiro, militar e político à organização paramilitar do Hezbolá, praticamente um braço armado regional do estado persa dos aitolás.

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 No Iraque, o cenário étnico-religioso é bem semelhante àquele encontrado no Líbano e na Síria. No território da antiga Mesopotâmia, há muçulmanos sunitas e xiitas; há cristãos das mais variadas igrejas; há árabes, curdos, assírios e caldeus. Até recentemente, havia também uma comunidade judia no Iraque. Como grupo religioso, os xiitas são minoria em relação aos sunitas. Mas se desmembrarmos os sunitas em árabes e curdos, temos que que os xiitas árabes, como grupo étnico-religioso são maioria. Após a derrubada e execução de Saddam Hussein, o Iraque passou a ser dominado e governado pelas milícias xiitas ligadas ao Irã e patrocinadas pela República Islâmica fundada pelo Khomeini, que veio do subúrbio de Paris, num avião da Air France, para instaurar o governo dos aitolás. Nas mãos dos seguidores de Khomeini e seus asseclas, o Iraque de hoje é um dos estados mais corruptos do mundo, no qual faltam as bases da infra-estrutura e há uma carência gritante nos serviços básicos. Boa parte da riqueza petrolífera do Iraque drena para o vizinho persa. Deste modo, temos aqui um terceiro exemplo em que uma comunidade de minorias subjuga e oprime a maioria: os xiitas do Iraque oprimem a maioria sunita.

Talvez o exemplo mais gritante e ilustrativo da tirania das minorias seja do estado sionista de Israel. Sendo uma pequena mancha no mapa das nações árabe e islâmica, o estado de Israel é hoje uma potência regional que exerce domínio e influência de alcance muito maior do que poder-se-ia esperar de um estado tão pequeno em termos de território e população, e tão distante cultural e religiosamente de todos os seus vizinhos. Interessa a Israel fomentar e apoiar as minorias étnicas e religiosas no Oriente Médio. Os judeus são minoria, tanto no mundo quanto no Oriente Médio, e no entanto exercem poder opressor e tirânico contra muçulmanos e cristãos. De fato, o estado sionista de Israel, desde a sua fundação, não tem poupado esforços para desestabilizar a região e provocar conflitos, usando as minorias como alvo preferencial mais frágil, e portanto mais manipulável, para atender aos seus interesses expansionistas. Foi assim que Israel apoiou os maronitas no Líbano e na Guerra Civil que teve lugar neste pequeno país de 1975-1990; e foi assim que Israel aliou-se aos curdos (minoria étnica no mar árabe) no Curdistão iraquiano.

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 Para concluir, podemos dizer que é virtualmente impossível o Oriente Médio gozar de paz enquanto as potências mundiais e regionais continuarem usando as minorias como instrumento de manipulação e dominação para oprimir a maioria árabe sunita e, consequentemente, desestabilizar toda a região. A comunidade internacional precisa interromper o apoio que tem dado à minoria mundial judaica, que tem usado o estado de Israel para oprimir, cometer massacres e atrocidades e explorar as maiorias muçulmana e cristã.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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