“Nossas vidas tornaram-se muito difíceis. Eles queimaram o Líbano. Queimaram nossa economia. Queimaram nosso próprio povo”, reflete em voz alta Merched Bou Mansour, indignado pelo que tornou-se seu país no espaço de um ano.
Todos os seus três filhos deixaram o Líbano entre 2019 e 2020, em busca de um futuro melhor no exterior.
Passou um ano desde que protestos contra o governo tomaram as ruas do Líbano, em 17 de outubro de 2019. Um ano de constante turbulência e crises, enquanto os libaneses mal podem respirar antes de ocorrer mais outra tragédia, destruindo qualquer esperança ou propósito, e deixando a maioria da população em estado de abandono.
Todas as conversas sobre esperança para o futuro do Líbano parecem perdidas, à medida que um número recorde de pessoas demonstra desespero para escapar do país.
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“Caso qualquer um tenha o mínimo de consciência, verá corpos à deriva no mar”. O irmão mais novo de Ali Al-Hosni afogou-se ao tentar escapar da pobreza em Trípoli em um barco de pesca bastante debilitado. Encontraram seu corpo cinco dias depois, na costa ao sul de Beirute, aproximadamente 100 km de distância de sua terra natal.
“O contrabandista o convenceu que outro barco acompanharia o trajeto para encontrá-los naquela área, caso continuasse adiante naquela direção. No dia seguinte, o barco ficou sem combustível”, conta Al-Hosni.
Prosseguiu: “Caso ocorresse isso em qualquer outro lugar senão o Líbano, tenho certeza, caso um cachorro se afogasse assim, todos os helicópteros do país estariam conduzindo buscas, além de mergulhadores e barcos. Porque uma única alma significa algo para eles. Aqui, estão matando nossas almas.”
A política no Líbano costuma ser caracterizada como dividida entre filiações sectárias, tribais ou étnicas. Entretanto, os eventos ao longo do último ano impactaram gravemente as perspectivas da população, à medida que demandas básicas não são cumpridas. A crise na economia, a inflação e o desemprego estão entre os principais problemas presentes no país, ao passo que a classe média torna-se cada vez mais pobre.
A recente revolução foi liderada pela juventude. A maioria dos jovens no Líbano desejam lutar contra a elite política sectária, no poder desde o fim da guerra civil, em 1990. Mas muitas pessoas sentem-se desencorajadas, conforme o país mantém-se imutável, ainda longe do sistema ideal. O povo libanês sente-se derrotado, sem opção senão pedir por vistos no exterior.
Voluntários que ajudaram a limpar as ruas da capital Beirute, após a explosão no porto, em agosto, relatam como a sociedade civil de fato apresentou-se para ajudar, em contraponto a um estado ausente.
“É como se houvesse um inseticida ou pesticida no ar, para matar a todos. Mas há um Deus que vê tudo. Ele cuidará do destino de cada pessoa e cuidará disso”. Ibtissam Hasrouty, de 50 anos, que perdeu seu marido na explosão, também perdeu todo o respeito por políticos e pelo estado libanês. Agarra-se agora à crença de que o carma decidirá seus destinos.
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A explosão no porto de Beirute, em 4 de agosto, devastou a cidade, matou quase 200 pessoas e feriu mais de 6.000 vítimas. O povo libanês enxerga a explosão como a última gota-d’água para deixar o país, de uma vez por todas. O governo sistematicamente corrupto conseguiu levar um povo resiliente ao desespero. Os levantes estão agora em um breve hiato, mas sobra pouca presença de espírito dentre os cidadãos do Líbano, conforme a fome e o coronavírus espreitam em cada esquina.
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