Os treze anos de embargo impostos sobre o Irã pelo Conselho de Segurança da ONU expiraram no último domingo (18), conforme Resolução 2231 do Plano de Ação Conjunto Global, conhecido comumente como acordo nuclear de 2015. Isso significa que o Irã está livre para comprar e vender armas convencionais, uma vitória diplomática significativa sobre os Estados Unidos, que fracassaram em seus esforços para estender o embargo, há dois meses atrás, com oposição no Conselho de Segurança de China e Rússia, países notórios por serem os primeiros a comercializar com o Irã e beneficiar-se do fim das sanções.
Isso não impediu a Casa Branca de Donald Trump de restituir a chamada cláusula de snapback, ao retomar sanções unilateralmente, ao passo que ainda considera-se “parte” do acordo, apesar da decisão de retirar-se deste em 2018. Na ocasião, o Irã não teve escolha senão “violar” o pacto, que pretendia aliviar sanções em troca da contenção das ambições nucleares iranianas, representada pelo aumento no nível de enriquecimento de urânio.
Os signatários europeus do acordo nuclear – Grã-Bretanha, França e Alemanha – expressaram sua consternação pela retirada americana, mas reiteraram compromisso com o tratado, como “questão de respeito a acordos internacionais e de segurança internacional”.
“Mesmo caso instituído os termos de snapback, serão apenas balas de festim”, declarou o major-general iraniano Hossein Salami. “Iremos adiante e agiremos, caso nossos direitos não sejam respeitados conforme o acordo nuclear. Não temos medo de blefe, ameaças ou intimidações.”
A momentous day for the international community, which— in defiance of malign US efforts—has protected UNSC Res. 2231 and JCPOA.
Today's normalization of Iran’s defense cooperation with the world is a win for the cause of multilateralism and peace and security in our region. pic.twitter.com/sRO6ezu4OO
— Javad Zarif (@JZarif) October 17, 2020
Chanceler iraniano Javad Zarif celebra o fim do embargo militar ao seu país
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O Irã afinal é um estado-nação independente e desde 1979, quando tornou-se República Islâmica, teve de defender sua autonomia com grande custo tanto em termos humanos, quanto econômicos, por exemplo, com a invasão iraquiana sobre seu território, com apoio ocidental, ou com as severas sanções dos Estados Unidos. Ainda antes, não podemos esquecer do golpe de 1953, apoiado pela CIA, que buscou sabotar a democracia e as ambições do Irã de livrar-se da exploração estrangeira, ato que (pode-se dizer) preparou caminho para a revolução populista.
Os últimos fracassos dos Estados Unidos em punir o Irã por sua resistência aos ditames de Washington demonstraram mais uma vez que o Irã mantém independente e livre, alicerçado sobre uma amálgama de perseverança, contestação e autoconfiança – evidentemente, a um custo elevado.
“Os Estados Unidos não podem impor negociações, tampouco guerra, sobre nós”, destacou o Presidente do Irã Hassan Rouhani durante seu discurso online para a Assembleia Geral da ONU, em setembro. “A vida é dura sob sanções. Contudo, é ainda mais dura sem independência.”
Tais fatores são justamente o que o Ocidente e seus aliados e clientes na região não levam em consideração, ao observar como tratar o Irã, em particular dado que valores como honra e dignidade nacional efetivamente compõem uma mistura potente com o interesse próprio.
Nesta terça-feira (20), Saeed Khatibzadeh, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Irã, afirmou no Twitter: “Autoridade e dignidade significam que, pela primeira vez na história [do Conselho de Segurança], os embargos militares ilimitados contra um país foram suspensos definitivamente, sem interrupção dos programas de defesa nacional, incluindo desenvolvimento de mísseis, ou suspensão de seus objetivos políticos regionais e internacionais, mesmo por um instante.”
O custo da dignidade e liberdade, não obstante, é pago com sanções e isolamento forçado. A economia do Irã está em colapso, sem dúvida exacerbado pelo impacto da pandemia de coronavírus sobre o país, às custas de seus próprios objetivos de política internacional. Muitos observadores destacaram corretamente que o Irã não está em posição de conduzir uma “onda de gastos”, mesmo que possa voltar a comprar armas.
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De certo modo, tais limitações foram reconhecidas por nota da chancelaria iraniana, como reportado pela mídia estatal: “A doutrina de defesa do Irã baseia-se em seu povo e suas capacidades nativas … Armas não-convencionais, armas de destruição em massa e compras massivas de armas convencionais não têm lugar na doutrina de defesa do Irã”.
Além disso, segundo o Ministro da Defesa, Brigadeiro-General Amir Hatami, Teerã está mais preocupado em vender armas do que comprá-las. O militar observou que o Irã realizou progressos significativos no desenvolvimento de armamentos próprios, que aparentemente possuem demanda.
Entretanto, o Irã de fato está ansioso em adquirir o custoso sistema de defesa aérea S-400, da Rússia, dada a proliferação de jatos combatentes F-35 dos Estados Unidos no arsenal israelense, cuja compra também é pretendida por adversários árabes, como Catar e Emirados Árabes Unidos. Para além de suas opções realistas limitadas, a Rússia provavelmente será o fornecedor de armas escolhido por Teerã, segundo a Agência de Defesa e Inteligência dos Estados Unidos, que especulou no último ano que, na ocasião do fim do embargo, o Irã poderia tentar adquirir jatos SU-30, aeronaves de treinamento Yak-130 e tanques T-90, além do sistema russo S-400. Ainda assim, o governo em Moscou – embora alegadamente aberto a negociações com o Irã, uma vez expiradas as sanções – pode preferir não prejudicar a renovação do tratado de redução de armas com os Estados Unidos, que expira em fevereiro próximo.
A China – que ainda não materializou a venda de seus drones ao Irã – também pode demonstrar cautela em sua abordagem com Teerã, por um lado, e com os Estados Unidos e estados do Golfo, por outro. Dito isso, tanto Rússia quanto China anseiam por aumentar laços bilaterais, a fim de completar os 25 anos de sua Parceria Estratégica Abrangente, que hoje depende de novas negociações, capazes de resultar em investimentos de até US$400 bilhões da China na economia decadente do Irã, em troca de ofertas energéticas com desconto significativo. Evidentemente, tais avanços podem limitar novamente a independência iraniana e seu status como potência regional, especialmente caso a China condicione os acordos a uma conformidade entre as políticas regionais de ambas as partes. O resultado deste pacto permanece aberto, mas relatos recentes sugerem que o Irã deve deixar de importar mísseis norte-coreanos, notavelmente mísseis balísticos Hwasong-12, com alcance de 4.500 quilômetros, como prerrogativa do acordo chinês.
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Está claro que o Irã observou os efeitos sobre Iraque e Líbia de sua rendição eventual ao Ocidente, e do fim de suas respectivas ambições nucleares, diferentemente da Coreia do Norte, que até então evitou invasões ou ataques militares. O pragmatismo, portanto, informa o Irã a navegar com cautela conforme passa a tempestade de sanções dos últimos anos, cujo efeito não-deliberado decorreu em forçá-lo a tornar-se mais autossuficiente; logo, mais independente. A série de explosões no verão deste ano, em locais estratégicos iranianos, incluindo a usina nuclear de Natanz, descrita como “sabotagem” pela Organização de Energia Atômica do Irã, também levou a maiores segredos. Em setembro, a agência iraniana anunciou que uma nova instalação será construída para compensar os danos a Natanz, localizada no “coração das montanhas”.
Quase todos os anos, ao longo de quatro décadas, os mais veementes opositores ao governo iraniano mantiveram previsões da queda iminente do “regime dos Mullah”, que jamais materializou-se. Sim, a moeda iraniana bateu recordes de queda; o número de mortes pelo coronavírus também registraram recorde ainda ontem; não há como negar o impacto da campanha de “máxima pressão” exercida sobre o Irã, na forma de sanções que pretendem levar o país a ficar de joelhos. Contudo, o Irã continua de pé, em contundente desafio, como raro exemplo de estado independente no Oriente Médio, capaz de compor e seguir suas próprias políticas e seu próprio destino. Pode não ser um estado exemplar, mas continua a mostrar o que é preciso para manter-se um país islâmico independente, livre e identitário.
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