O direito internacional inclui o direito de uma pessoa, independentemente de sua nacionalidade, raça, cor e forma, a ser livre, do nascimento até a morte. E permite a defesa dessa liberdade quando ameaçada. Mas no caso da Palestina, essa resistência foi penalizada com um grande número de prisões, desaparecimentos e mortes.
Nesta entrevista, o diretor de relações públicas da organização Solidariedade – Fundação Internacional para a Solidariedade com Prisioneiros Palestinos , Khaled Fahd, fala sobre essa política de punitivismo à resistência que se dá na prisões de Israel, desde a ocupação das terras e lugares sagrados palestinos. Ele fala dos números, condições de detenção e resistência.
Em primeiro lugar, gostaríamos de conhecer o Sr. Khaled Fahd e a Fundação Internacional para a Solidariedade com os Prisioneiros – Solidariedade.
Inicialmente, gostaria de agradecer seus esforços em esclarecer a questão dos prisioneiros da ocupação israelense e por comunicá-la por meio do Monitor do Oriente Médio às diversas sociedades da América Latina.
Sou um refugiado palestino, nasci e ainda vivo no campo de Rashidieh no sul do Líbano, que é o campo mais próximo do norte da Palestina ocupada, e para quem não sabe o que é o campo, é como uma grande prisão cercada pelo exército libanês por meio de postos de controle. Não podemos entrar ou sair do campo, exceto depois de cruzar essas barreiras.
Essas condições, além de nos impedirem de trabalhar em mais de 72 profissões no Líbano, geraram em mim um carinho pela questão dos presos, porque esse preso é uma pessoa como eu, que tem negado o direito de viver com dignidade e de exercer livremente todos os seus outros direitos, e foi isso que nos motivou a entrar em contato com várias personalidades e instituições. Em 2013, lançamos o Dia do Prisioneiro Palestino, que ocorre no dia 17 de abril de cada ano, e a Fundação Solidariedade, para ser uma plataforma de defesa da causa dos presos.
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E o que faz essa organização?
A Fundação Solidariedade trabalha para internacionalizar a questão dos prisioneiros organizando uma série de atividades, eventos, conferências, exposições e protestos em vários países árabes e ocidentais, além de participar de muitas conferências e eventos internacionais que ajudam a divulgar a questão dos prisioneiros. Elaboramos um relatório anual, publicado em quatro idiomas diferentes, sobre as condições dos prisioneiros e as condições de sua detenção e que é lançado em março de cada ano, além de muitos trabalhos de pesquisa periódicos relacionados aos prisioneiros palestinos, como suas condições de saúde, greves de fome, etc.. Nosso último trabalho de pesquisa foi sobre o perigo do coronavírus para os prisioneiros. Participamos também das sessões do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, realizadas periodicamente desde setembro de 2014, com um discurso no qual enfocamos o número de prisioneiros, especialmente mulheres e crianças, as condições de sua detenção e a violação de seus direitos e, graças aos esforços de vários partidários da causa palestina, em setembro de 2018, conseguimos trazer a criança prisioneira Muhammad Sarhan e sua mãe, de Jerusalém ocupada a Genebra, e eles fizeram um discurso perante o Conselho de Direitos Humanos, no qual falaram sobre a detenção de crianças e suas condições nas prisões. Foi a primeira vez que uma criança, mantida em cativeiro pelas autoridades da ocupação, falou perante este Conselho.
Com base em seus levantamentos, o sr. pode nos dar dados sobre o número de presos e suas condições atuais?
As últimas estatísticas da Fundação Solidariedade apontam que há , o 4.800 palestinos, distribuídos em 23 prisões, centros de detenção e um centro de investigação. Entre eles, 4.150 são presos da Cisjordânia, 330 de Jerusalém ocupada, 279 da Faixa de Gaza e 65 dos territórios Território Palestino ocupado em 1948, além de 21 prisioneiros árabes, todos eles de nacionalidade jordaniana.
Entre os presos, há 2.800 presos que foram sentenciados, entre presos e funcionários administrativos, há 38 presas e 180 crianças menores de 18 anos, além de 7 deputados do Conselho Legislativo Palestino, 50 presos libertados com base no acordo de Wafaa Al-Ahrar, que a ocupação os sequestrou novamente, além de 13 jornalistas.
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Quais as condições desses presos e das prisões israelenses?
Esses presos sofrem de condições muito difíceis em todos os aspectos. Há 700 presos doentes, dos quais 27 são portadores de deficiência física e psicológica, 22 sofrem de câncer e 4 estão paralisados em cadeiras de rodas, e deve-se notar que há 16 presos que residem permanentemente no que é chamado Hospital Ramla. Eles são portadores das doenças mais perigosas.
Além disso, há 51 prisioneiros que chamamos de “os reitores dos prisioneiros”, e são aqueles cujo tempo de detenção ultrapassou 20 anos. Há 14 prisioneiros detidos há mais de 30 anos, o mais velho dos quais é Karim Yunis, das terras ocupadas em 48, e 26 prisioneiros foram detidos antes do acordo de Oslo de 1994. A ocupação recusou-se a libertá-los como parte do quarto lote do acordo para reativar as negociações no final de 2013, e todos eles estão presos há mais de um quarto de século.
Deve-se notar que 223 mártires dos prisioneiros morreram desde 1967, incluindo 73 prisioneiros que foram mortos como resultado de tortura, 68 prisioneiros como resultado de negligência médica, 75 prisioneiros como resultado de morte deliberada imediatamente após a detenção e 7 prisioneiros depois de serem feridos a balas enquanto estavam dentro dos centros de detenção.
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Você pode nos explicar as condições de detenção dos presos e como eles resistem a essas condições?
A ocupação começou a prender os filhos do nosso povo palestino desde o início da ocupação em 1948, e praticou todo tipo de brutalidade contra eles durante e após a prisão. Muitos deles não foram poupados da brutalidade da ocupação após a libertação também, e foi isso que levou os prisioneiros a criar um movimento que passou a ser chamado de movimento nacional cativo, com estrutura e organização, e que se tornou o movimento palestino de defesa dos direitos dos prisioneiros.
O mundo deve saber que a ocupação lida com os presos como um questão de segurança nacional, já que a detenção sempre acontece sem qualquer justificativa e sob pretextos de segurança e imaginários, como terrorismo, resistência, violência, etc., e aqui estamos falando de tratamento desumano e imoral, estamos falando de incursões nas casas de cidadãos regulares quase que diariamente.
Após a prisão, o prisioneiro é humilhado com toda sorte de insultos e palavrões, e alguns deles são arrastados na frente de sua esposa e filhos sem qualquer consideração ou respeito às casas ou ao lugar. E são arrastados brutal e sistematicamente, torturados até que confessem acusações inventadas e incorretas, para depois serem levados a tribunais ilegais, que podem decretar sentenças injustas e preconceituosas.
Você pode imaginar que existem alguns presos cujas sentenças chegaram a mais de 50 sentenças de prisão perpétua, sendo que a prisão perpétua no estado de ocupação é de 99 anos, ao contrário de todos os países que adotam 25 anos, e que o ano de prisão na ocupação é de 12 meses, enquanto em todos os países do mundo é de apenas 9 meses? Também saliento que o prisioneiro palestino está sendo privado de descanso, sono e comida o tempo todo, já que as autoridades de ocupação deliberadamente enviam comida estragada ao prisioneiro, e negam a ele seu direito de descansar e dormir, de maneiras perturbadoras, que, através desses métodos, visam atingir a dignidade dos prisioneiros e sua moral. Mas os prisioneiros se mantém, apesar de tudo, firmes e confiantes na luta por sua libertação.
Há resistência dentro das prisões?
O preso é praticamente impotente e não possui nada além de sua vontade, seu corpo e sua fé. Há uma estratégia adotada pelos presos desde 1967 na defesa de seus direitos, que são as greves individuais e coletivas, ou o que agora se tornou conhecido como a arma da tripa vazia, e essa estratégia provou em muitos casos que a vontade do prisioneiro tem muito mais poder do que as autoridades prisionais. O que a ocupação quer impor pela força não será alcançado enquanto a vontade dos prisioneiros for grande e sua força for mantida. Por exemplo, os prisioneiros combinaram, em uma ocasião, organizar uma greve de fome para forçar a ocupação a resolver coisas mínimas, como comprar p uma TV, e isso foi conseguido para eles.
E externamente, como povos latino-americanos podem contribuir para apoiar a causa dos presos?
Franca e objetivamente, a questão dos prisioneiros é uma batalha aberta entre a ocupação e todas as instituições e pessoas de consciência fora da Palestina. A ocupação tenta trazer à tona uma narrativa que é contrária à realidade e a verdade perante a sociedade ocidental, e retrata os prisioneiros como terroristas, como assassinos e criminosos, e aí vem o papel de todos os estados e todas as instituições fora da Palestina para destacar a verdadeira narrativa palestina, que mostra o sofrimento dos prisioneiros e a extensão do terrorismo da ocupação sofrida por eles. O mais importante é destacar a brutalidade e o terror da ocupação contra mulheres e crianças nas prisões da ocupação.
Nós, palestinos, devemos cooperar com todos os países da América Latina em nível de governos, instituições, parlamentos e povos, a fim de colocar o mundo todo diante da realidade deste ocupante usurpador e comunicar a todo o mundo que ele prendeu uma mulher palestina grávida e a forçou a dar à luz em uma cela, nascendo de seu ventre uma criança resistente, que não ficará satisfeita sem o fim da ocupação.