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Israel submete crianças palestinas a abusos físicos e psicológicos

30 de outubro de 2020, às 10h00

Guardas de fronteira de Israel detêm um menino palestino durante protesto em frente ao chamado Portão do Leão, principal entrada ao complexo de Al-Aqsa, contra medidas de segurança abusivas recém-implementadas, como câmeras e detectores de metal, na Cidade Velha de Jerusalém, 17 de julho de 2017 [Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images]

“Destruíram minha porta da frente, invadiram meu quarto, cobriram meu rosto com uma sacola e me levaram embora”, relata Abdullah. “Disseram a meu pai que eu voltaria no dia seguinte”. Entretanto, Abdullah só retornou à sua casa no ano seguinte e foi detido outras seis vezes.

Não é algo incomum na Palestina ocupada, onde crianças prisioneiras tornaram-se parte da própria narrativa palestina. Centenas de menores de idade, tão jovens como até 12 anos de idade, são detidos e indiciados pelo sistema de justiça militar de Israel, ano após ano.

A acusação mais comum é atirar pedras, ato considerado pelo Exército de Israel como “delito de segurança”. Quem é julgado culpado pode permanecer na cadeia por até 20 anos, a depender da idade da criança.

Israel é o único país do mundo que processa crianças rotineiramente em cortes militares, sem qualquer salvaguarda básica para um julgamento justo. Além disso, crianças palestinas detidas por Israel enfrentam abusos e tortura sistemáticos, efetivamente legitimizados pelo judiciário e pelo governo do estado sionista.

O sofrimento destes jovens é bem documentado. A escala do problema foi registrada pela ong Save the Children, em relatório recente.

Atualmente, há ao menos 200 crianças palestinas detidas nas prisões de Ofer, Damon e Megiddo, em Israel. Entre os presos, crianças com deficiência física e mental.

LEIA: Eles tentaram me congelar até a morte’ – Relatos de tortura e resistência nas prisões israelenses

Damon e Megiddo são notoriamente superlotadas e as crianças detidas são mantidas em aglomeração e condições insalubres. Há pouco ou nenhum acesso a cuidados de saúde.

Ativistas reiteram que as descobertas da Save the Children demonstram que as crianças em custódia são tratadas pior do que animais, ao descrever o tratamento como “chocante” e denunciar os abusos e agressões. A realidade é que, caso animais fossem tratados assim, haveria um amplo escândalo em nível nacional e internacional.

Prisioneiras mulheres também são submetidas a tratamentos hediondos. Entrevistas com ex-prisioneiras, conduzidas pela Save the Children, revelam que as meninas são aparentemente mais vezes detidas nos postos de controle israelenses, enquanto a maioria dos meninos é preso em suas próprias casas. É particularmente comum que jovens palestinos tornem-se alvos quando próximos de assentamentos ilegais israelenses.

Embora a maioria das punições seja executada nas prisões israelenses, segundo o relatório, mais da metade das crianças entrevistadas denunciou que o abuso costuma começar mesmo antes de qualquer inquérito, período no qual as crianças são humilhadas e torturadas com até maior intensidade. Nos testemunhos coletados, crianças reportaram o uso de algemas e vendas para os olhos, além de abuso físico e verbal, durante o ato de prisão ou transporte. Além disso, muitas são presas durante a noite e privadas do sono antes dos interrogatórios.

Issa* tinha 15 anos quando foi presa. “Enquanto era interrogada”, relatou, “eles não paravam de gritar comigo e colocaram uma arma na mesa, na minha frente, para me apavorar. Eles disseram palavras ruins, realmente horríveis. Não quero nem pensar no que me disseram. A prisão é um lugar horrendo. Eles disparam alarmes à meia-noite, às três e seis horas da manhã, para que você jamais durma por muito tempo. Caso não acorde com os alarmes, eles entram e te espancam. Fui agredida com varas de madeira diversas vezes. Ainda tenho dores nas costas por causa de uma surra particularmente violenta”.

Outra vítima foi presa aos 14 anos. O testemunho de Fatima descreve como foi agredida por forças de segurança de Israel, ao ser detida em um posto de controle militar, a caminho de sua escola. “Revistaram minha mochila e falaram comigo em hebraico, idioma que não compreendo. Então me algemaram, me jogaram no chão e pisaram nas minhas costas”.

Forças israelenses agridem crianças palestinas [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Forças israelenses agridem crianças palestinas [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Aqueles que saem sem danos físicos duradouros costumam, ainda assim, carregar consigo graves cicatrizes psicológicas. Quase metade das crianças entrevistadas corroborou ser incapaz de retornar a uma vida normal. Segundo o relatório, 80% dos entrevistados afirmou ter mudado devido às experiências nas cadeias. Conforme os relatos, sentem com maior força o impacto da prisão justamente quando tentam retornar às suas vidas e famílias.

Tais crianças vulneráveis demonstram claramente grave estresse e angústia. Não se trata apenas do trauma sobre o que aconteceu a elas dentro das prisões, mas também o que têm de enfrentar ainda antes da captura. A brutal ocupação israelense da Cisjordânia, o bloqueio à Faixa de Gaza, a negação sistemática dos direitos legítimos dos palestinos, tudo isso criou uma crise bastante grave e complexa que afetou a saúde física e psicológica do povo palestino como um todo. Problemas emocionais são comuns.

Sobretudo, desde o momento da prisão – frequentemente no meio da noite – até apresentarem-se à corte, as crianças palestinas enfrentam uma série de violações de seus direitos, incluindo agressões físicas e verbais, coerção e deliberada ausência de seus pais ou advogados durante os interrogatórios. Não obstante, quando eventualmente deixam a prisão, a ocupação de Israel mantém-se uma parte brutal e contínua de suas vidas.

Violações de direitos humanos e condições precárias nas prisões decorrem em significativo impacto psicológico às crianças e suas famílias. A síndrome de estresse pós-traumático é bastante comum. “Como pessoa, mudei”, afirma Mahmoud, detido aos 17 anos. “Minha raiva aumentou e não consigo tolerar nada.”

Menores eventualmente libertados das cadeias relatam ainda dificuldades para confiar nas pessoas e construir qualquer relacionamento significativo em sua “vida pós-detenção”. De fato, demonstram pouco tato social e tendem a isolar-se do mundo externo, devido a inseguranças e temores dos “outros”. Os efeitos do aprisionamento também resultam em constante sentimento de desconfiança, à medida que muitas crianças abandonam a escola ou lutam para sustentar o simples convívio com suas famílias.

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A Autoridade Palestina é reiteradamente criticada por sua falta de ações para auxiliar o retorno das crianças às suas casas, uma vez libertadas das cadeias de Israel. A organização Save the Children sugere em seu relatório que a Autoridade Palestina deveria facilitar a reintegração de ex-detentos a suas comunidades e ao sistema educacional, com ações simples, como mudar a política de não permitir que crianças continuem o ano letivo após ausentes por um certo número de dias. A ong também exorta a Autoridade Palestina a apoiar programas de conscientização para ajudar as crianças a entender seus direitos em todos os estágios do processo de prisão, incluindo o direito de permanecer em silêncio, assistência legal e ensino. Tais elementos deveriam ser integrados ao currículo escolar, reitera a Save the Children.

A comunidade internacional deve assumir ações efetivas e impor pressão a Israel para dar fim aos abusos contra crianças palestinas. A lei internacional é clara sobre o que pode ou não ser feito a crianças detidas. Contudo, assim como em muitos outros aspectos da vida, Israel trata a lei com grave desprezo.

A Convenção Internacional de Direitos da Criança, de 1989, afirma que o aprisionamento de menores deve ser “medida de último recurso e pelo menor e mais apropriado período de tempo”. Israel ratificou a convenção em 1991. Desde então, porém, é continuamente criticado pela ONU por não implementar os termos consentidos. Decerto, a hora é agora para que acabe qualquer chance do estado sionista de continuar a agir impunemente.

*Todos os nomes utilizados foram alterados para proteger a identidade das vítimas

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.