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Entrevista com o analista Sami Al-Arian, especialista em assuntos islâmicos e política internacional
Professor Dr. Sami Al-Arian (Arquivo pessoal)
Professor Dr. Sami Al-Arian (Arquivo pessoal)

Os Estados Unidos da América aguardam uma transição presidencial, alegre para os democratas, mas triste para os republicanos. Depois que o candidato democrata Joe Biden conquistou 290 cadeiras (mais de 75 milhões e 700 mil votos), em comparação com 214 cadeiras (quase 71 milhões e 200 mil votos) do atual candidato à reeleição pelo Partido Republicano, Donald Trump, até o momento desta reportagem, os estados da Carolina do Norte, Alasca e Geórgia ainda aguardam o término da contagem dos votos.

Não há dúvida de que as comunidades árabe e islâmica desempenharam um papel importante nessas eleições, pois seu número chega a mais de 3,5 milhões, segundo uma estatística divulgada em 2017, o que representa mais de 1,1% da população dos Estados Unidos. Foi isto que fez Biden flertar com árabes e muçulmanos em mais de uma ocasião durante sua campanha eleitoral, especialmente durante seu debate com Trump, quando ele disse (Insha’Allah) zombando das promessas eleitorais de Trump. A frase (Insha’Allah) que todos os árabes e muçulmanos em todo o mundo dizem diariamente foi uma mensagem que Biden quis transmitir aos árabes e muçulmanos para elegê-lo.

Nesta entrevista, o diretor do Centro de Assuntos Globais e do Islã (CIGA, na sigla em inglês) e professor de Relações Públicas na Universidade Sabahaddin Zaim, em Istambul, Sami Al-Arian, descreve os possíveis cenários que decorrerão da  vitória de Biden nas eleições, além do futuro da comunidade árabe e muçulmana, na qual um número expressivo de eleitores  contribuiu para a vitória nessas eleições.

Como o sr. avalia a condução do processo eleitoral nos Estados Unidos da América?

O processo eleitoral correu normalmente, todos os americanos votaram em 3 etapas, alguns pelo correio e alguns pessoalmente na véspera das eleições, e outros no dia 3 de novembro. Os democratas estavam ansiosos para completar a votação pelo correio antes do dia da eleição, e os republicanos estavam ansiosos para votar pessoalmente no dia da eleição e, em minha opinião, não houve obstáculo para nenhum americano exercer seu direito de voto, exceto por doença. Depois de contar os votos, ficou claro para nós que Biden venceu Trump por mais votos do que Trump venceu Hillary Clinton em 2016. De depois de Trump ter descrito Clinton, em todas as oportunidades, como um fracasso, ele será o maior perdedor com essa grande diferença entre ele e Biden no resultado.

Quais são os cenários esperados para os próximos dias, depois que os processos de contagem de votos estiverem praticamente encerrados?

Na minha opinião existem vários cenários, o primeiro dos quais é Trump recorrer aos tribunais para protestar contra os resultados eleitorais. Todos os resultados devem ser decididos antes de 14 de dezembro e ele terá que apresentar provas nesses tribunais. Por enquanto, não há evidências de fraude ou engano, e vejo que este caminho, o caminho dos tribunais, não pode afetar todos os estados. Pode ter sucesso em um estado, mas não em todos.

Além disso, um dos cenários é o de que vários apoiadores de Trump se manifestem contra os resultados nos próximos dias, mas não espero uma guerra civil, como alguns esperam. Não haverá apoiadores Biden enfrentando as manifestações para provocá-los. E qualquer um que usar de violência não será tolerado pela segurança. A segurança é decisiva e dura nessas questões.

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O cenário mais próximo é de que alguns líderes do Partido Republicano tentem persuadir Trump a admitir a derrota e aceitar o status quo, porque os Estados Unidos atualmente não estão suportando a polarização, especialmente à luz desta pandemia.

Há um cenário que eu não espero, mas alguns republicanos estão clamando por isso, que é que as eleições de 3 de novembro não foram eleições para quem será o presidente dos Estados Unidos, mas sim eleições para quem vai eleger o presidente, e esses serão nomeados em 14 de dezembro para elegê-lo pelos parlamentos estaduais. Se houver um estado que queira declarar imprudentemente que o que aconteceu é fraude, e assim ele nomeia outros delegados para eleger o presidente, então eu acho que isso vai levar a um grande problema constitucional no estado que quiser fazer este ato. Espero que nesse caso haja manifestações em massa e poderão chegar a incidentes violentos, mas na minha opinião é um cenário descartado.

Você espera que Trump aceite sua derrota e ceda a Biden rapidamente? Ou é possível esperar até janeiro de 2021 pelo fim de todos os procedimentos eleitorais?

Não espero que Trump desista facilmente, mas há fatos que ele deve obedecer no final, o que pode levar semanas. A natureza da personalidade de Trump é que ele é arrogante e sempre diz que perdeu por falsificação, fraude e jogo sujo, como descreve, mas haverá um novo presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro, que é Biden, quer ele queira, ou não, e Trump não será capaz de impedir isso. Acho que, caso ele não coopere com o processo de transferência de poder, isso complicará algumas questões, mas no final, Trump não permanecerá na Casa Branca.

Depois que um bom número de muçulmanos venceu essas eleições ao parlamento, que valor essa vitória representa, para a sociedade americana primeiro, e para os muçulmanos e árabes dentro da América, em segundo lugar?

Na minha opinião, a vitória de vários muçulmanos e mulheres muçulmanas é algo muito positivo. Há algumas delas que venceram para o Congresso pela segunda vez consecutiva, com um número muito grande e expressivo de votos. Isso as ajuda a ser mais fortes no futuro e prova que conquistaram a confiança dos eleitores americanos durante o primeiro mandato. Talvez esta vitória dê uma oportunidade para árabes e muçulmanos na América serem mais politicamente ativos e mais respeitados, por terem alguém para falar em seu nome e defendê-los diante daqueles que os combatem.

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Como você acha que a comunidade árabe e islâmica contribuiu para os resultados das eleições americanas?

Na minha opinião, mais de 80% dos árabes e muçulmanos votaram a favor de Biden, não por serem apaixonados por Biden, mas contra Trump. Então, Trump lutou contra muçulmanos e os prejudicou e aos seus interesses dentro e fora dos Estados Unidos. Houve uma grande influência dos árabes e muçulmanos nos Estados indecisos onde Biden ganhou, tais como em Michigan, Geórgia e Pensilvânia e, portanto, ajudaram muito na ascensão de Biden à presidência.

 E você espera que Biden cumprirá suas promessas a esses eleitores?

Na verdade, Biden não fez promessas detalhadas aos árabes e muçulmanos, mas prometeu cancelar o embargo imposto por Trump a uma série de países árabes e islâmicos. Na minha opinião, cumprirá essa promessa, porque não vai custar muito a ele. E sua segunda promessa foi que nomearia um grande número de árabes e muçulmanos em sua administração e também acredito que ele o fará. Mas não em posições grandes e sensíveis, e eu ficaria francamente surpreso se ele o fizesse, e a questão aqui é quem ele vai nomear! Porque é claro que há uma divisão dentro da comunidade árabe e muçulmana. Há alguns oportunistas que querem subir politicamente nas costas da comunidade muçulmana, e alguns deles têm relações suspeitas com o lobby sionista. Foram eles que entraram e se apoderaram de espaço durante a campanha de Biden, e tememos que sejam eles os que receberão as nomeações importantes em sua administração, enquanto a outra parte da comunidade, que se recusa a cooperar com as instituições sionistas, for marginalizada.

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Você espera uma mudança na posição dos EUA em relação à questão palestina após as eleições?

Qualquer mudança na questão palestina, na minha opinião, será marginal. Vejo que ele reabrirá o escritório da Organização para a Libertação da Palestina em Washington, restaurará as relações com a Autoridade Palestina, restaurará a ajuda à Agência Palestina de Assistência e Obras (UNRWA) e pressionará Israel a não anexar – se este não o fizer antes de Biden se tornar oficialmente Presidente dos Estados Unidos. Ele também retornará à arena a questão da solução de dois estados e, é claro, enfrentará dificuldades para devolver apoio financeiro à Autoridade Palestina, porque o Congresso é quem legaliza o desembolso da ajuda, mas ele poderá ajudar indiretamente.

Não acho que Biden vai realocar a embaixada dos Estados Unidos de Jerusalém, ou retirar o reconhecimento da anexação de Golã por Israel, e não acredito que Ele estará fechado com o negócio do século, mas seus efeitos terríveis permanecerão.

Sobre a questão iraniana, acredito que haverá um verdadeiro diálogo para restaurar o acordo nuclear e não para encontrar aliados, cujo resultado seria uma guerra devastadora na região.

Biden estará com Abbas na conferência internacional de paz?

Acho que esta será uma das ameaças que Biden poderia usar contra Netanyahu ou o novo primeiro-ministro israelense, seja ele quem for, com o objetivo de devolvê-lo à mesa de negociações e, portanto, não espero que ele realmente o faça. Na minha opinião, a solução de dois estados acabou, e o trabalho de Biden será uma reconfiguração da natureza da relação entre a Autoridade Palestina e Israel, a depender da ideia de restaurar a autoridade com maiores poderes, mas não haverá soberania real sobre a terra palestina.

O que é bonito, na verdade, é que Trump perde essas eleições, porque foi uma maldição para o mundo como um todo. Imagino que haverá muitas mudanças, e a mais importante que queremos ver é que os Estados Unidos não deem apoio a regimes ditatoriais e regimes fascistas, que não se importam com os direitos humanos, especialmente nas regiões árabes e islâmicas. Consequentemente, deve haver uma pressão real para restaurar os caminhos democráticos que foram iniciados pela Primavera Árabe. Na minha opinião, há esperança, mas não grande. Mas há esperança de que a pressão sobre este governo possa corrigir o curso agora, ao passo que essa esperança não estava presente nos dias de Trump.

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