Uma conhecida advogada e ativista de direitos humanos foi abatida a tiros em Benghazi, na Líbia, no último dia 10 de novembro. Hanan Al-Barassi, conhecida como “Vovó de Burqa”, foi assassinada em torno das 14 horas locais em uma das ruas mais movimentadas da cidade. Segundo a diretoria de segurança de Benghazi, um grupo de “homens mascarados não-identificados” tentou primeiro sequestrar Al-Barassi, ao arrastá-la à força de uma loja, então a executou a tiros.
Além disso, ainda em 10 de novembro, a filha única de Al-Barrasi, estudante de direito em uma universidade local, sobreviveu a uma aparente tentativa de sequestro, também conduzida por dois atiradores mascarados, que tentaram forçá-la a parar o carro nos subúrbios de Benghazi. A estudante conseguiu fugir.
Sequestros e desaparecimentos forçados são bastante comuns no país norte-africano. Mohamed Baiyou, Ministro de Informações do Governo de União Nacional, reconhecido pela ONU, com sede em Trípoli, foi sequestrado em outubro. Baiyou foi libertado em 10 de novembro e ninguém foi identificado como responsável, apesar do fato dos sequestradores serem aparentemente conhecidos.
Benghazi, como toda a região de Burqa, está sob controle do chamado Exército Nacional da Líbia (ENL), braço armado do governo paralelo sediado na cidade, não reconhecido por qualquer outro país ou pela ONU.
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Al-Barassi era célebre por suas duras críticas à corrupção, violação de direitos humanos, abuso de poder e nepotismo na Líbia, que denunciava especialmente por meio de seus vídeos amadores compartilhados no YouTube. Os vídeos reiteram sua crítica contundente à situação no leste da Líbia, controlada pelo general renegado Khalifa Haftar, líder máximo do ENL.
Na véspera de seu assassinato, a advogada postou um vídeo criticando Haftar e seus dois filhos, ao idenficá-los por nome e sobrenome. Al-Barrasi falou diretamente a Haftar, ao afirmar que o povo da Líbia não quer “um negócio de família” nos assuntos públicos. A família de Haftar é bastante temida no leste da Líbia e desfruta de grande influência na vida cotidiana da população local.
Até então, ninguém assumiu responsabilidade pelo assassinato de Al-Barassi, mas muitas pessoas acreditam que a advogada e ativista foi executada justamente por aquele vídeo. Dedos em riste indicam responsabilidade do filho de Haftar, Saddam, ao invés do próprio comandante militar.
O Ministro do Interior no leste Líbia, Ibrahim Abu Shnaf, anunciou no Facebook ter ordenado todas as agências de segurança a trabalhar duro para capturar os criminosos e levá-los à justiça. Contudo, pouco se espera a seguir.
Em 12 de novembro, a diretoria de segurança em Benghazi publicou a suposta imagem de um dos suspeitos e apelou ao público para ajudar a identificá-lo. Muitos usuários das redes sociais, contudo, levantaram dúvidas sobre a imagem obscura e questionaram a própria seriedade das forças de segurança em Benghazi. Outros usuários foram além, ao acusar as agências de segurança e o ENL de tentar acobertar o crime.
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Este último assassinato ocorre no contexto dos encontros do Fóum Político da Líbia, realizados em Túnis, sob os auspícios da Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL). A delegação da ONU rapidamente condenou o assassinato, ao afirmar que a morte de Al-Barassi “ilustra as ameaças enfrentadas pelas mulheres líbias que ousam ter voz.”
É fato que sua execução não é o único exemplo de violência letal contra ativistas mulheres na Líbia. As mulheres enfrentam uma luta contra a corrente em um país caótico e sem leis, dominado por milícias armadas espalhadas por todo o território nacional.
Em 16 de julho de 2019, Siham Sergiwa, uma das muitas parlamentares líbias críticas à conjuntura, foi sequestrada de sua casa em Benghazi. Sergiwa desapareceu após participar de um programa de entrevistas na televisão, no qual questionou os ataques do ENL a Trípoli. Em abril daquele ano, as forças de Haftar lançaram uma ofensiva militar contundente contra a capital líbia, mas foram derrotadas em junho último.
Salwa Bugaighis, outra advogada e ativista de Benghazi, foi baleada e morta em sua casa, logo após votar nas eleições parlamentar de 25 de junho de 2014. Ninguém foi sequer indiciado por seu assassinato. Um mês depois, outra ex-parlamentar, Fariha Barkawi, foi executada em sua cidade natal de Derna, nordeste de Benghazi. Novamente, ninguém foi acusado.
Entretanto, o caso de Al-Barassi é único, de certa forma, pois ela jamais assumiu qualquer cargo público em sua carreira, tampouco trabalhava para qualquer partido político. Em seus muitos vídeos postados no YouTube, a maioria gravados enquanto dirigia, Al-Barassi defendia uma Líbia unida, pacífica e estável.
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De fato, apoiou logo no início a intervenção da OTAN no país norte-africano, em 2011, que ajudou rebeldes locais a depor o governo de Muammar Gaddafi. Nos últimos anos, contudo, mostrou pesar pela intervenção, ao ponto de solicitar julgamento sobre si própria por tal apoio. Em um de seus vídeos, Al-Barassi afirmou que Gaddafi jamais seria capaz de ferir uma mulher; ao contrário, costumava apoiá-las.
Um amigo de Al-Barassi, que – compreensivelmente – pediu para permanecer anônimo, relatou-me tentar advertí-la sobre os riscos, dois dias antes do assassinato, ao pedir à ativista que mantivesse discrição por algum tempo. Chegou a oferecer sua casa como refúgio em outra cidade, até que a situação se acalmasse em Benghazi. Al-Barassi, porém, recusou: “Caso queiram me matar, já não me importo mais”.
Ibrahim Abu Shnaf agora encontra-se em uma posição bastante difícil em termos morais e éticos, como Ministro do Interior no leste da Líbia. O promotor, certa vez respeitado e ilustre, sempre orgulhou-se de possuir uma consciência própria, antes de filiar-se à autoridade comandada por Haftar. Siham Sergiwa foi sequestrada durante sua gestão e Al-Barassi foi agora executada. O ministro, entretanto, não renunciou, o que seria razoável para alguém com o seu histórico. “Esperamos justiça dele”, declarou o amigo de Al-Barassi, “mas parece que ele é igual aos outros.”
Mesmo após todos esses assassinatos e sequestros, sequer um único oficial renunciou ou foi demitido. Sem ninguém para indiciar, parece que a impunidade persevera naquela parte da Líbia. A arbitrariedade torna-se rapidamente uma norma aceita.
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