O cientista iraniano Mohsen Fakhrizadeh, morto na sexta-feira (27), levou uma vida de tamanho segredo que mesmo sua idade é desconhecida, mas muito de seu programa clandestino de desenvolvimento de armas nucleares tornou-se de fato notório.
As informações são da agência Reuters.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) afirmou suspeitar que Fakhrizadeh gerenciava operações secretas para inserir uma ogiva em um míssil balístico, ao processar urânio e testar explosivos poderosos adequados a uma arma nuclear.
O Irã insiste que jamais conduziu qualquer programa do tipo ou tenha ambições de fabricar a bomba. A AIEA e a comunidade de inteligência dos Estados Unidos, contudo, acreditam que o país de fato coordenou projetos atômicos militares, supostamente suspensos em 2003.
As suspeitas de que o Irã poderia retomar o programa atômico foram centrais para a assinatura do acordo de 2015, sob o qual Teerã concordou com potências globais a reduzir operações de desenvolvimento nuclear em troca da suspensão de sanções econômicas.
Israel, arqui-inimigo declarado do Irã, opôs-se veementemente ao acordo assinado pelo então Presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Seu sucessor Donald Trump revogou unilateralmente o tratado, em 2018.
Mohsen Fakhrizadeh morreu em um hospital devido a ferimentos graves, após um grupo de assassinos fuzilar seu veículo, reportou a mídia iraniana.
LEIA: Irã promete ‘dura vingança contra ‘assassinos de cientistas”
O assassinato de Fakhrizadeh é um golpe ao Irã, dado que o cientista era mantido guardado e protegido do público. Oficiais iranianos, no entanto, alegaram que há uma rede de cientistas qualificados para preencher sua posição de liderança.
Neste sábado (28), o Supremo Líder do Irã Ali Khamenei prometeu retaliar o assassinato do cientista e afirmou que oficiais devem manter “esforços técnicos e científicos do mártir Fakhrizadeh, em todos os campos nos quais estava engajado”.
O Irã voltou a intensificar seus esforços nucleares, após Washington revogar o acordo de 2015, excedendo limites determinados pelo pacto, em particular, sobre a produção de urânio enriquecido, que pode ser refinado a material bélico.
As reservas de Teerã, não obstante, são muito menores do que o estoque pré-2015.
Papel fundamental
Fakhrizadeh vivia nas sombras, mas a AIEA o identificou, em 2011, como possível chefe do Projeto Amad, supostamente estabelecido há cerca de vinte anos para supervisionar os principais aspectos do programa de armas atômicas do Irã.
O programa foi supostamente engavetado em 2003. A agência internacional, no entanto, alertou em relatório de 2011 que algum trabalho correlato foi mantido e que Fakhrizadeh conservou o “principal papel organizacional”, ao mencionar um membro do estado como fonte.
Em uma “análise final”, divulgada em 2015, a AIEA afirmou que os esforços relacionados às operações prévias aparentemente foram suspensos em 2009. Fakhrizadeh foi o único cientista iraniano citado neste documento.
Por anos, com auxílio de novos poderes de inspeção, a agência produziu uma série de relatórios demonstrando que o Irã respeitava os principais limites impostos pelo acordo nuclear, consentido com as potências globais.
O objetivo de tais limitações era obstruir a produção de uma eventual arma nuclear, caso fosse a meta do programa iraniano, ao estender o tempo necessário para produção de material atômico suficiente de dois ou três meses a um ano.
Após a posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, sob a promessa de revogar o acordo nuclear, Israel mobilizou uma campanha contra o Irã, ao alegar que Teerã mentia sobre a extensão de suas atividades nucleares anteriores ao pacto.
Em 2018, o Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu anunciou que seu país havia confiscado um enorme “arquivo” de documentos iranianos que mostravam maiores operações do que previamente conhecidas.
Israel compartilhou parte desse material com a AIEA e aliados. Segundo diplomatas, o arquivo parecia incluir informações adicionais sobre as atividades executadas durante o período de liderança de Fakhrizadeh, no início dos anos 2000.
“Lembrem-se desse nome, Fakhrizadeh”, declarou Netanyahu, ao apresentar o material ao público, em 2018.
Operação subterrânea
Desde então, a AIEA inspecionou diversos locais possivelmente ligados ao Projeto Amad, efetivamente preenchendo algumas lacunas de informação, mas sem conseguir revelar áreas de destaque para fabricação de armas.
Não está claro até então qual o tempo necessário para que o Irã construísse uma arma nuclear, caso quisesse.
Sua principal usina de enriquecimento atômico, em Natanz, foi construída abaixo da terra, aparentemente para resistir a eventuais bombardeios.
As operações de Natanz prosseguem com apenas uma fração de sua capacidade pré-2015, mas o Irã enriquece material atômico em outras instalações e seu estoque de urânio levemente enriquecido está aumentando.
O Irã também movimentou centrífugas especializadas, maquinário utilizado para enriquecer urânio, à usina subterrânea superprotegida.
Ariane Tabatabai, pesquisadora sobre Oriente Médio da instituição americana German Marshall Fund (GMF) e da Universidade de Columbia, reiterou que a morte de Fakhrizadeh representa um golpe ao Irã, assim como o assassinato do comandante militar iraniano Qasem Soleimani, em janeiro, executado por ataque a drone dos Estados Unidos.
LEIA: Emirados suspendem emissão de vistos a cidadãos de 13 países islâmicos
Contudo, Tabatabai argumentou que o trabalho do cientista falecido, ao criar a infraestrutura capaz de sustentar as atividades atômicas do Irã, significa que “sua morte não deverá alterar fundamentalmente o curso do programa nuclear iraniano.”
Oficiais iranianos estão de acordo.
“Ele criou uma rede de cientistas para continuar seu trabalho”, afirmou Fereydoon Abbasi, cientista nuclear iraniano e ex-chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato, em 2010.