Quando aviões de guerra dos Estados Unidos bombardearam a cidade de Kobe, no Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945, quase destruindo toda a cidade, muitos residentes buscaram refúgio e santuário em um lugar improvável: a Mesquita de Kobe, mais antigo local de culto islâmico preservado no país asiático.
Os registros mais antigos da presença islâmica do Japão datam do século XVIII, com menções e representações do Islã e muçulmanos em diversos livros históricos japoneses.
Contudo, foi apenas no século XIX que ocorreu de fato o primeiro contato diplomático entre representantes islâmicos e o Japão. O sultão otomano Abdulhamid II enviou uma fragata de sua Marinha Imperial a uma viagem de ‘boa vontade’ à nação do Extremo Oriente, em 1889. Ao retornar, uma violenta tempestade desintegrou o navio, que naufragou na costa do Município de Wakayama, resultando em centenas de mortos. Apenas 96 membros da tripulação sobreviveram ao naufrágio e foram levados a Kobe antes de serem repatriados a Istambul, a bordo de duas corvetas japonesas. A tragédia, lembrada ainda hoje, trouxe simpatia dos japoneses aos turcos e estabeleceu os alicerces para a amizade entre ambos os povos.
Na década de 1930, imigrantes e refugiados tártaros muçulmanos, que fugiam da Revolução Russa, pós-Primeira Guerra Mundial, tornaram-se o maior grupo étnico islâmico no Japão e construíram a Mesquita de Tóquio, na capital japonesa, em 1938, mais tarde demolida e reconstruída sob direção e apoio da Turquia.
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Entretanto, a Mesquita de Tóquio não foi a primeira a ser estabelecida no Japão. Segundo os registros remanescentes, o primeiro local de culto islâmico no país foi de fato construído na cidade de Osaka, em 1905, para acolher soldados muçulmanos que escaparam das prisões russas durante a Guerra Russo-Japonesa. A estrutura, porém, não sobreviveu. Outra mesquita foi instalada em Nagoya, em 1931, mas foi destruída por um incêndio durante a Segunda Guerra Mundial e a cidade permaneceu sem mesquita por quase 50 anos.
A primeira mesquita construída no Japão que continua a servir a comunidade islâmica local é então a Mesquita de Kobe.
Os ‘milagres’ da Mesquita de Kobe
Na primeira década do século XX, Kobe representava um grande centro comercial no Japão e uma das primeiras cidades onde estrangeiros e empresários poderiam residir. Em 1928, a crescente população islâmica da cidade portuária, composta em maioria de comerciantes turcos e indianos, começou a coletar doações para construir sua primeira mesquita. Com a permissão do Imperador do Japão, a Mesquita de Kobe foi inaugurada oficialmente em outubro de 1935, quando passou a atrair fiéis de toda a região de Kansai para congregação e oração, nos anos porvir.
A Mesquita de Kobe não é tão impressionante ou grandiosa, em tamanho ou arquitetura, quanto sua contraparte na capital. A Mesquita de Tóquio é a maior do Japão e sua reconstrução recebeu apoio ativo do governo japonês, dignitários e diplomatas que participaram da inauguração, no ano 2000. Entretanto, a importância histórica de Kobe destaca-se como elemento único e extraordinário da história recente do país.
Em 1943, a construção foi confiscada pela Marinha do Japão e tornou-se uma das poucas estruturas a sobreviver aos bombardeios dos Estados Unidos contra a cidade de Kobe. Após a guerra, permaneceu intacta, sem qualquer dano estrutural.
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Suas fundações de concreto reforçado também permitiram à Mesquita de Kobe que resistisse ao Grande Terremoto de Hanshin-Awaj, em 1995, que resultou em 6.434 mortos. A sobrevivência da mesquita perante ambos os desastres, humano e natural, além das mortais enchentes de Kobe, em 1938, concederam ao edifício islâmico o título de ‘mesquita milagrosa’, como costumam descrever os residentes locais.
A Mesquita de Kobe situa-se no distrito estrangeiro de Kitano-Cho e repousa no coração de uma das áreas turísticas mais movimentadas e populares da cidade, a apenas dez minutos de caminhada da estação de trens de Kobe-Sannomiya.
Projetada pelo arquiteto tcheco Jan Josef Svagr, que mudou-se ao Japão em 1923, conhecido como criador de diversas igrejas, catedrais e monastérios em seu país, a Mesquita de Kobe apresenta uma arquitetura indo-islâmica característica, adornada com padrões geométricos detalhados. Possui três andares de altura e um grande domo no topo, com duas torres de minaretes tradicionalmente utilizadas para proclamar o chamado à oração.
O interior é influenciado pelo estilo turco e apresenta um modesto púlpito e mihrab, com inscrições douradas e paredes de mármore branco. Um reluzente candelabro pendura-se no teto do salão principal. Janelas com vitrais em cor âmbar enfeitam os arredores do local.
No primeiro andar, um salão de orações menor, adjacente ao recinto principal, é utilizado pelas mulheres muçulmanas. Um outro salão de orações situa-se no segundo andar.
A Mesquita de Kobe permanece aberta o ano todo e funciona até hoje como local de culto. As cinco orações diárias são realizadas para a comunidade islâmica de Kobe, proporcionalmente pequena, além de fiéis que viajam de cidades próximas para as comemorações e feriados religiosos, como o Eid. A mesquita também realiza casamentos e outras cerimônias.
Turistas não-muçulmanos são sempre bem-vindos na Mesquita de Kobe. Grupos maiores podem marcar com antecipação uma visita ao local, sob orientação de vestir roupas modestas, como sinal de respeito.
Hoje, há cerca de duzentas mesquitas e musallahs (salões islâmicos provisórios) em todo o Japão. A população de japoneses muçulmanos é estimada entre 70.000 e 120.000 fiéis, dos quais aproximadamente 10% são cidadãos nativos.
Caso aconteça de viver ou visitar esta longínqua parte do mundo e queira conhecer um pouco sobre a história do Islã na Terra do Sol Nascente, a Mesquita de Kobe é um excelente lugar para começar.