“Primeiro perdi minha casa em Aleppo e depois perdi minha casa em Beirute.”
Enquanto o Líbano enfrenta o agravamento da crise econômica, a covid-19 e as consequências da explosão catastrófica de agosto no porto de Beirute, Yasmin Kayali acredita que a situação no país nunca foi tão precária.
“Antes da explosão, aproximadamente 60% da população refugiada vivia abaixo da linha de pobreza extrema”, diz ela. “Agora, depois do incidente, são cerca de 90% […] Todos perderam seus empregos e, portanto, não têm nenhuma fonte de renda. Além disso, há grandes partes da comunidade que até perderam as suas casas.”
Cofundadora da Basmeh & Zeitooneh, uma organização que defende e auxilia os refugiados sírios no Líbano, Turquia e Iraque, Yasmin trabalhou na ajuda de emergência, disponibilizando refeições quentes e assistência a pessoas para reconstrução de suas vidas devastadas pela explosão. Muitos desses indivíduos eram refugiados e viviam em abrigos próximos ao porto.
Causada por um estoque autônomo de nitrato de amônio – equivalente a 1,1 quilotonelada de TNT – a explosão de 4 de agosto devastou Beirute, matando mais de 200 pessoas e deixando cerca de 300 mil desabrigadas. Quatro meses depois, os tremores ainda se fazem sentir na cidade.
“É surreal”, diz Lara, moradora da cidade e cuja família é originária da Palestina. “Para aqueles de nós que estavam vivos durante a guerra civil, temos agora uma compreensão muito mais clara de como deve ter sido.”
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Já entre os mais pobres da sociedade, as comunidades da Síria e da Palestina foram duramente atingidas pelas múltiplas crises que afligem o Líbano. Após a explosão, um relatório publicado pelo Centro de Acesso para os Direitos Humanos em Beirute concluiu que refugiados sírios foram discriminados na distribuição de ajuda.
O relatório, que pesquisou 47 famílias sírias – todas afetadas pela explosão e selecionadas aleatoriamente – descobriu que 29 delas foram discriminadas com base em sua nacionalidade. Além disso, “foi recusada assistência alimentar a 25 participantes […], a nove participantes foi recusada assistência em dinheiro e a oito participantes foi negada assistência médica”.
Um porta-voz do Centro de Acesso disse ao Monitor do Oriente Médio que a explosão “ampliou a tristeza dos refugiados”.
“Muito poucos refugiados estão oficialmente empregados, e a maioria está se voltando para o trabalho diário, mas a deterioração da economia libanesa e as repercussões da pandemia de covid-19 levaram à perda de um grande segmento dos empregos que eram essencialmente disponível para eles.”
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Além disso, os refugiados são cada vez mais considerados bodes expiatórios como a causa dos males do Líbano. Políticos, como Gebran Bassil, que lidera o Movimento Patriótico Livre, um partido cristão nacionalista, regularmente culpam os refugiados pelos problemas sociais e pedem que eles sejam deportados – apesar do fato de não haver para onde ir.
As tensões podem ser acentuadas na relação entre os refugiados e as comunidades de acolhimento. “O Líbano teve uma população de refugiados desde quando? 1948?, questionou Lara. “Fazemos parte da economia, fazemos parte do tecido libanês. Os libaneses estão acostumados conosco.” Mas as cisões estão começando a aparecer. “Por causa dos sírios, você não tem empregos”, diz Yasmin. “Por causa dos sírios, você não tem eletricidade – é o que dizem os políticos.”
Essas tensões latentes podem se transformar em violência. Na semana passada, as mídias locais e sociais relataram a morte de um libanês supostamente pelas mãos de um refugiado sírio na cidade de Bcharre, no norte do país. As casas de refugiados sírios foram, então, supostamente incendiadas, e a população síria da cidade foi expulsa e, em seguida, os militares foram enviados.
Os refugiados são sempre explorados politicamente para justificar o fracasso das autoridades libaneses em ter uma formulação de políticas e um plano de implementação adequados para o bem da comunidade libanesa
disse o Centro de Acolhida em resposta ao incidente em Bcharre.
O ressentimento da comunidade de refugiados preocupa Yasmin, que não volta à Síria há nove anos. “Beirute se tornou minha casa”, disse ela. “Dez anos depois, construímos memórias, construímos famílias aqui.”
“Estamos com o coração partido por Beirute e sua destruição, assim como estávamos por nossas cidades na Síria.”
Todavia, com o pouco progresso político, parece que os membros mais vulneráveis da sociedade libanesa continuarão a depender de si próprios e de organizações de ajuda para sobreviverem. O primeiro-ministro nomeado, Saad Hariri, está lutando para formar um governo. Parceiros internacionais, liderados pelo presidente francês, Emmanuel Macron, disseram que o Líbano não receberá auxílios substanciais até que a corrupção seja tratada por meio de reformas.
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Como muitos no Líbano, Lara não espera nenhuma ajuda oficial. “O governo entrou em colapso há muito tempo. O governo simplesmente não está interessado […] eles não estão interessados o suficiente para fazer nada; eles não farão nada.”
Yasmin diz que a ajuda para o Líbano precisa ir além de “socorro e aviões de comida”.
“Investir em programas de subsistência, investir em programas agrícolas, programas de educação […] vamos lidar com os efeitos negativos de tudo isso por anos.”
O Líbano e a explosão não são mais assuntos atraentes; não estão mais nas manchetes. Mas eu gostaria que as pessoas continuassem falando sobre o Líbano – as necessidades estão aumentando dia após dia.”
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.