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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Por cidades livres do apartheid

Urna eletrônica [foto internet]
Urna eletrônica [foto internet]

Terminadas as eleições municipais de 2020 no Brasil, a proposta a parlamentares e prefeitos que se afirmam solidários à causa palestina é que se engajem na batalha por garantir que suas cidades se transformem em “zonas livres de apartheid israelense”.

A iniciativa tem como modelo bem-sucedido uma campanha liderada pela Rede de Solidariedade contra a Ocupação da Palestina (Rescop), em 2016, no Estado Espanhol. Segundo publicado no site do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) a Israel, inspirada “em parte na campanha semelhante realizada durante a luta contra o apartheid na África do Sul, nos anos 1980”, a ação teve como resultado a aprovação de moções de apoio ao BDS em mais de 50 cidades, entre elas Sevilha, Córdoba e Santiago de Compostela. Hoje são mais de 100 espaços no Estado Espanhol que se declaram livres de apartheid, incluindo cafés, restaurantes e cinemas, entre outros.

O objetivo, conforme o BDS, é “criar ‘ilhas de consciência política´ e romper laços locais com o regime de ocupação, de colonização e apartheid de Israel, assim como com empresas e instituições internacionais cúmplices das violações do direito internacional por Israel”. A campanha, também de acordo com o BDS, é apoiada “por movimentos sociais, grupos comerciais, escolas, órgãos de comunicação social e instituições públicas do Estado Espanhol”.

Ao se declararem “zonas livres de apartheid”, continua, “as autoridades municipais concordam em boicotar empresas cúmplices das violações do direito internacional e dos direitos dos palestinos, assim como em romper os laços com o regime israelense e as suas instituições cúmplices. Também apoiam os esforços de conscientização locais e comprometem-se com políticas conscientes baseadas nos direitos humanos do povo palestino”.

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A ação ganhou força na Europa e conselhos municipais em países como Irlanda, Noruega, Espanha, Suécia, França, Reino Unido, Itália, Bélgica e, na Oceania, Austrália aprovaram resoluções em favor do BDS. Também organizações, estabelecimentos comerciais e centros culturais aderiram, em vários destinos europeus, como Grécia, Itália, Catalunha e Espanha. E na América Latina, o Chile tem obtido algumas conquistas afins no Parlamento.

Na batalha por alcançar esse resultado nas cidades brasileiras, positivo é que o bolsonarismo – grande propagador do chamado “sionismo cristão” – foi o grande derrotado nestas eleições municipais. Por outro lado, partidos de “centro”, que garantiram a maioria das Prefeituras nas capitais brasileiras, não têm tradição na solidariedade à Palestina e enxergam nas tecnologias israelenses oportunidades – deixando de lado a ocupação e o apartheid, e ignorando inclusive as comunidades árabes-palestinas nesses municípios.

Caso de Bruno Covas, reeleito prefeito de São Paulo, que declarou, em almoço organizado pela Federação Israelita de São Paulo no dia 17 de abril de 2019, conforme publicado no site da Confederação Israelita do Brasil: Israel é um grande centro de tecnologia, e a cidade de São Paulo quer ser cada vez mais conhecida como um grande hub tecnológico. Há muita troca de experiência a ser feita entre Israel e a nossa cidade.

Além da pressão para que não se efetivem tais parcerias, a mobilização deve focar sobretudo representantes da esquerda. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por exemplo, tem resolução congressual em favor do BDS. Nas capitais, elegeu um prefeito – Edmilson Rodrigues, em Belém (PA) – e ampliou cadeiras nas Câmaras Municipais em 50%. É preciso agora explicar aos seus representantes a campanha e cobrar coerência.

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O desafio não é pequeno, como se demonstrou durante a campanha eleitoral. Diante dos avanços e efetividade do BDS, sionistas “de esquerda” partiram para o ataque, na busca por desacreditar o movimento – o que também vem sendo feito mundo afora.

Palestina não é moeda de troca

O BDS Brasil enviou aos candidatos de partidos de esquerda uma carta-compromisso ainda antes da realização do primeiro turno, em 15 de novembro último. Dezoito candidatos a prefeito do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), cinco do PSOL e um do Partido dos Trabalhadores (PT) enviaram sua adesão.

A carta explicava as demandas do BDS – fim da ocupação, igualdade de direitos e retorno dos milhões de refugiados as suas terras – e reivindicava um “termo de compromisso de solidariedade ao povo palestino que sofre há décadas o mais brutal regime de apartheid, limpeza étnica e políticas colonialistas em seu território”.

Apontava que um governo comprometido com demandas populares e direitos humanos não poderia ser conivente com isso. E mais: os reflexos dessa conivência sobre os munícipes, em especial na repressão, criminalização de movimentos e genocídio da população jovem, pobre, negra e periférica. Ao pedir um posicionamento, destacava em especial que subscrevessem a carta comprometendo-se com embargo militar em sua cidade.

Após a publicação da carta, findo o primeiro turno, uma campanha pesada de ataques ao BDS foi desferida por sionistas “de esquerda”, dizendo que assinaturas dos candidatos em São Paulo – Guilherme Boulos e Jilmar Tatto – eram fake news. Lamentavelmente ambos retiraram, sob pressão, as adesões, devidamente enviadas antes ao movimento.

Uma das alegações absurdas dos sionistas “de esquerda” recuperava antiga chantagem a todo aquele que se apresentasse como crítico à ocupação israelense – a qual tem sido utilizada na tentativa de criminalizar o BDS e intimidar apoiadores: a afirmação de que trata-se de antissemitismo. Nada mais falso.

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Seria o mesmo que dizer que um apoiador do boicote ao apartheid na África do Sul seria racista. A analogia é perfeitamente válida no caso palestino. Sionismo é um movimento político – condená-lo não tem nada a ver com discriminação contra judeus, contra semitas (entre os quais, árabes).

Sionistas “de esquerda” falam em paz e diálogo, mas não abrem mão da defesa do Estado racista de Israel. Tanto que atacam até mesmo a demanda por embargo militar, objeto central na carta-compromisso. Historicamente, como denunciam inclusive judeus antissionistas, foi a ala esquerda (trabalhista) que arquitetou e promoveu a limpeza étnica na Palestina, até os anos 1970. São, nas palavras de uma delas, Tikva Honig-Parnass, “falsos profetas da paz”.

Por trás de fala suave e atrativa, querem impor sua “solução” e as formas de solidariedade, não ouvir os palestinos. Nenhuma diferença da “direita” sionista também na visão e postura colonizadora.

Dizem que o BDS produz preconceitos, mas é exatamente o inverso. O movimento é contrário a toda forma de opressão e discriminação. Luta para pôr fim à segregação, colonização e ocupação.

Findas as eleições, na tarefa de construir zonas livres de apartheid nas cidades brasileiras, é preciso fortalecer a mobilização por BDS e denunciar essas artimanhas. Para que nenhum político volte a cair no canto da sereia. Ou ceder à chantagem, seja por votos, pressão (que virá) ou qualquer outro interesse.

A Palestina não é moeda de troca. É questão de justiça. E nessas situações, vale ecoar as palavras do educador Paulo Freire – o qual se recusou a normalizar o apartheid israelense muito antes do lançamento da campanha por BDS: “Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? ‘Lavar as mãos’ em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.” Que façam valer seus ensinamentos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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