Apenas uma década se passou desde a Primavera Árabe; parece muito mais

Protesto em apoio a Mohamed Bouazizi, símbolo da revolução tunisiana, em 15 de janeiro de 2011 [Antoine Walter/Flickr]

Dez anos se passaram desde a eclosão da Revolução de Jasmim, na Tunísia, após Mohamed Bouazizi, um jovem vendedor de rua, que passava por dificuldades, por fogo a si mesmo em protesto às injustiças cometidas pela polícia da ditadura de Zine el Abidine Ben Ali. O povo então insurgiu-se em solidariedade a Bouazizi, que logo tornou-se símbolo de um povo oprimido pelo regime brutal.

Ben Ali tentou conter a situação ao visitar Bouazizi no hospital e pedir desculpas. Fez um discurso público, com partes furtadas de uma antiga declaração do presidente francês Charles de Gaulle, de 1968, quando disse aos manifestantes: “Eu entendo vocês”. Ben Ali fingiu não saber que governava a Tunísia com uma terrível mão de ferro, quando tentou atenuá-la por um breve momento. Os manifestantes, porém, foram mais fortes do que Ali. O ditador e sua família fugiram do país.

Mohammed Bouazizi, vendedor de rua tunisiano que tornou-se símbolo da revolução [foto de arquivo]

Bouazizi morreu de seus ferimentos, mas as repercussões de sua imolação espalharam-se ao Egito, Líbia, Síria e Iêmen. Iriam mais longe, se não fosse por medidas contrarrevolucionárias que obstruíram o progresso. Onde quer que o povo se insurgisse contra a tirania, os ditadores mostravam-se estupefatos pelo sentimento profundo que existia contra eles. Os líderes acreditavam ter domado seu povo, por meio do medo. Pensavam que tinham feito tudo isso com a força de suas armas, sua imprensa, seu judiciário. Pensavam que o povo mantinha-se indefeso. Então, perguntavam: como se insurgem contra nós?

Os regimes cogitaram uma conspiração estrangeira, em particular, dos Estados Unidos. A imprensa sob seu domínio começou a propagar tais teorias e desatinou a falar criativamente sobre o caos, que supostamente pretendia dividir toda a região e criar um novo Oriente Médio. Os ditadores ignoraram o fato de que eram efetivamente escolhidos por Washington, não pela vontade do povo, como agentes por procuração para operar na região. Eram arrogantes e negligenciaram as demandas do povo por sua renúncia. “O povo quer a queda do regime”, ouvia-se por toda a região, à medida que os árabes tentavam respirar novamente e sentir o gosto da liberdade, dignidade, igualdade e justiça. “Pão, liberdade, justiça social, dignidade humana” era o cântico que ouvia-se na voz de todo o povo.

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A vontade popular era mais forte do que todas as armas e a imprensa imoral. Hosni Mubarak, do Egito, caiu dezoito dias depois do início das manifestações contra ele. Seguiu-se por Muammar Gaddafi, na Líbia, que escondeu-se de seu próprio povo em túneis de esgoto. Então, Ali Abdullah Saleh, no Iêmen, condenado a uma morte horrível. Bashar al Assad, o déspota sírio, teria caído em seguida, não fosse pela intervenção militar de última hora do Irã e da Rússia.

As revoluções da Primavera Árabe expuseram as fraquezas e fragilidades das ditaduras árabes, mas o lindo sonho da liberdade também tornou-se um hediondo pesadelo, como resultado da contrarrevolução na Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Temiam que as chamas de Bouazizi chegassem a seu povo; temiam perder seus tronos.

Desde os primeiros instantes de suas respectivas revoluções, Arábia Saudita e Emirados trabalharam duro para destruí-las. Juntaram-se a Israel, que também temia por sua existência, dado que a Palestina estava no âmago de todos os levantes. Os manifestantes árabes erguiam bandeiras palestinas e queimavam bandeiras sionistas.

Os Emirados Árabes Unidos foram escolhidos como centro da contrarrevolução, administrada prontamente pelo Mossad. A agência de espionagem de Israel conspirou para preservar o regime de Assad, que efetivamente protege o estado sionista. Mercenários foram enviados para lutar contra os revolucionários sírios e aterrorizar o povo, além de apoiar o genocida em Damasco, com lotes de armas e recursos financeiros. Israel agradeceu ainda a intervenção militar da Rússia, que assassinou civis sírios e destruiu cidades e aldeias, sem jamais ser responsabilizada.

Então, emergiu a verdadeira catástrofe, com o golpe militar no Egito, que depôs seu primeiro presidente civil eleito pelo povo. A contrarrevolução matou o experimento democrático quase em seu nascimento, para que não se espalhasse pelo mundo árabe – caso pudessem conter a liberdade egípcia, poderiam contê-la em toda a região. O movimento Tamarod foi fundado pelos Emirados Árabes Unidos, para reagir ao governo eleito de Mohammed Morsi. Embora alegasse legitimidade popular, pavimentou o caminho para o golpe de 2013.

A queda da revolução egípcia foi um indicativo do êxito da contrarrevolução, que avançou na devastação do Iêmen e da Líbia, levando ambos os países à guerra civil. Os Emirados Árabes Unidos passaram a financiar mercenários e comandantes paramilitares, como Khalifa Haftar, para assassinar o povo e torná-lo mais vulnerável à divisão de seus países. Tudo foi feito para distorcer a realidade em campo e acusar a “odiosa” Primavera Árabe por causar tais mazelas ao povo, ao invés da verdadeira tirania.

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Mesmo a Tunísia, que escapou do pior da contrarrevolução, ainda mantém-se exposta a complôs maquiavélicos. Ainda hoje, tentam a todo custo frustrar o experimento democrático e restaurar os destroços do regime, representado por algumas figuras e partidos remanescentes no país. A luta contra o presidente do parlamento, Rached Ghannouchi, é apenas um capítulo dos terríveis esquemas contra a Tunísia.

Quando revejo tais acontecimentos da última década, não sinto como se este tempo houvesse se passado. De fato, é como se um século fosse compilado em tão pouco tempo, com alguns bons dias logo substituídos por dias amargos que ainda vivemos.

Porém, é reconfortante pensar que, apesar de todas as tentativas conduzidas pela contrarrevolução para reverter à força todos os ganhos da Primavera Árabe, esperanças de democracia ainda sobrevivem no coração do povo e dos jovens, em particular, que anseiam por liberdade, dignidade e justiça. O ponto de referência permanece a Primavera Árabe, a ser recuperada daqueles que a roubaram do povo. As mesmas causas que levaram às revoluções de dez anos atrás ainda são a realidade da maioria dos árabes, que carece de liberdade política e econômica, além de direitos humanos fundamentais. Onde quer que a revolução seja bem-sucedida, repressão e opressão logo retornam. A luta, não obstante, continua.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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