Quem foi Saddam Hussein? (28 de abril de 1937 – 30 de dezembro de 2006)

Antes de tornar-se o homem mais poderoso do partido Ba’ath, Saddam Hussein alertou que faria do Iraque um estado stalinista. Fiel à sua palavra, adotou técnicas de serviço secreto que remetiam de fato a práticas do regime soviético, além de métodos tribais com os quais cresceu. Eliminou famílias inteiras com base em um infame provérbio: “Não mate Abdullah, livre-se de toda sua família, pois um único parente poderá nos matar”.

Hasan Ahmed al-Bakr, primeiro-ministro na época, eliminou adversários políticos e ideológicos e fortaleceu o domínio do Ba’ath com ajuda do elaborado aparato de segurança de Saddam Hussein. O ba’athismo – ou “renascença” – era então uma ideologia inspirada pelo nacionalismo pan-árabe de Gamal Abdul Nasser, alimentada por um sentimento anticolonial e influente no âmago das políticas partidárias. O Iraque foi governado por um monarca ligado ao Reino Unido por três décadas, enfim deposto pelo movimento Ba’ath, em 1958.

Saddam tinha quarenta e poucos anos quando al-Bakr renunciou, em 1979; então, assumiu o controle do partido. Sob a mão de ferro de Saddam, o governo iraquiano sancionou tortura, estupro, desaparecimentos forçados e execuções arbitrárias generalizadas. Mesmo sua família não saiu impune. Em 1995, duas de suas filhas e seus maridos fugiram à Jordânia para conceder informações sobre programas secretos de desenvolvimento de armas, conduzidos por Saddam. Convencidos a retornar, sob suposto perdão presidencial, ambos os homens foram fuzilados por ordem do sogro.

Em março de 1988, vinte aeronaves sobrevoaram Halabja, cidade curda no norte do Iraque, e despejaram armas químicas no local, resultando em 5.000 mortos, além de sobreviventes com problemas crônicos de saúde. O incidente tornou-se conhecido como “Sexta-feira Sangrenta”, parte de uma campanha abrangente liderada por Saddam que implementou execuções sumárias, aprisionamento arbitrário, demolições de aldeias, casas, escolas e mesquitas, cujo alvo era então o povo curdo.

Na Palestina, porém, Saddam comprou seus aliados. Durante a Segunda Intifada, palestinos na Cidade de Gaza reuniram-se em um salão público para receber cheques do ditador iraquiano. Para as famílias dos mártires em combate, lia-se o valor de US$25.000. Aqueles que perderam parentes vítimas das operações militares de Israel receberam US$10.000. Para os feridos em batalha e pessoas cuja casa foi demolida, US$1.000 e US$5.000, respectivamente. No total, segundo relatos, Saddam desembolsou US$35 milhões durante a Intifada.

No Iraque, Saddam alegou erradicar o analfabetismo, o desemprego e a miséria no país. Declarou melhorar a infraestrutura, desenvolver a indústria e implementar o sistema de saúde, além de levar água e luz às regiões mais remotas do território iraquiano.

Durante seu período como presidente, Saddam comandou duas guerras majoritárias. Em 1980, o Iraque invadiu o Irã, sob o pretexto do ditador de proteger os estados árabes do expansionismo persa. Ambos os lados sofreram enormes baixas civis e a mortalidade foi estimada entre 500 mil e 1.5 milhão de pessoas. Ainda assim, nem Saddam, tampouco o Aiatolá Khomeini, líder supremo iraniano, foram depostos.

A mãe de todas as batalhas”, como ficou conhecida a Guerra do Golfo, pretendia solucionar então uma disputa de petróleo com o Kuwait. Entretanto, embora o Ocidente tenha apoiado efetivamente Saddam contra o Irã, não demonstrou a mesma determinação diante da invasão do Kuwait e Saddam converteu-se de aliado incômodo a verdadeiro inimigo. Os países-membros do Conselho de Segurança da ONU emitiram sanções econômicas contra o Iraque e uma coalizão liderada pelos Estados Unidos foi enviada para expulsar as tropas iraquianas do Kuwait.

Caso uma palavra resumisse o Iraque, era petróleo. Em 1972, Saddam nacionalizou a indústria petrolífera e expulsou quatro das maiores corporações ocidentais do país. Em quantidade, as reservas iraquianas perdiam apenas para a Arábia Saudita no Oriente Médio e costumam ser citadas como a verdadeira razão por trás da invasão anglo-americana de 2003.

Em 2002, o então Presidente dos Estados Unidos George W. Bush declarou que seu país estava vulnerável após os atentados de 11 de setembro. Prosseguiu ao alegar que Saddam apoiava de fato grupos terroristas e que desenvolveu e possuía armas de destruição em massa. Suas acusações mostraram-se incorretas. Em março de 2003, Bush emitiu um ultimato a Saddam, com 48 horas para que renunciasse e saísse do Iraque.

Meses após a invasão, Saddam foi descoberto pelo exército americano, escondido em uma vala. Foi julgado e condenado à morte por enforcamento, em 2006, evento transmitido mundialmente, graças a uma câmera trêmula de celular. O público assistiu quando um tecido foi posto em volta do pescoço do ditador iraquiano, então levado à forca.

Dizem que foram as últimas palavras de Saddam Hussein: “Allahu Akbar [Deus é Grande], a nação islâmica será vitoriosa. A Palestina é árabe”.

Contudo, observadores relatam que a retórica secular do falecido ditador passou a adotar cada vez mais ideologias fundamentalistas e referências religiosas ao curso de seu governo. Saddam costumava aplicar versões do Alcorão para conceder certa autoridade a suas ações. Desta forma, descreveu a limpeza étnica contra os curdos como “campanha anfal”, em referência à sura al-Anfal (“espólios de guerra”). Saddam também inseriu a frase Allahu Akbar na bandeira nacional e circulou fotografias de si mesmo orando em mesquitas.

Após a invasão do Iraque, em 2003, a Autoridade Provisória de Coalizão – composta por Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Polônia – baniu o partido Ba’ath. O que houve então com a renascença pan-árabe e anticolonial, depois da queda de seu líder? Muitos dizem que membros desempregados do partido passaram a compor o mais alto escalão do Estado Islâmico (Daesh), sobretudo, oficiais que trabalharam para a rede fascistoide de inteligência de Saddam Hussein. O Daesh, que dominou as notícias sobre o Iraque, em meados de 2015 até sua derrota, em parte é filho do do cruel regime ba’athista com a controversa intervenção estrangeira.

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