Em 20 de janeiro, Joe Biden tomará posse como 46° Presidente dos Estados Unidos. Será o fim de quatro anos de uma política internacional adotada por Donald Trump que efetivamente aborreceu aliados, enfureceu antigos amigos e, por vezes, beneficiou adversários. Contudo, remendar tais ações em um país tão amargamente dividido terá custos e dificuldades – sobretudo, em termos domésticos.
A equipe de política internacional do futuro presidente democrata já está reunida, à espera de confirmação do Congresso. Segue um relato sobre o que Biden não fará no Oriente Médio e Norte da África:
A começar pelo Marrocos, em direção leste, até chegar ao Afeganistão, Biden enfrenta a iminência de diversas decisões importantes a tomar, nenhuma das quais é simples.
A súbita decisão de Trump em reconhecer a soberania marroquina sobre toda a região disputada do Saara Ocidental indignou a Argélia e seu aliado, a República Democrática Árabe Saaraui, que reivindica o território para um futuro estado.
Décadas de mediação das Nações Unidas sobre a disputa fracassaram até então. Isso significa que, aos olhos da lei internacional, ainda trata-se de um território disputado. Portanto, a medida dos Estados Unidos pouco muda a conjuntura na prática, tampouco serve a interesses próprios, salvo desacreditar ainda mais o país como mediador razoável. Biden não reverterá a medida, mas também não avançará neste caminho. A mudança política de Trump foi condicionada a promover a normalização entre Marrocos e Israel. Nada a esperar aqui.
O próximo ponto crítico é a Líbia, onde o presidente americano de saída deixou muito a desejar, sem exercer qualquer papel significativo após seu predecessor efetivamente ajudar a destruir o país, a partir de 2011. Trump emitiu mensagens dúbias aos antagonistas locais. Quando o general líbio Khalifa Haftar deu início à sua guerra, em abril de 2019, contra o governo reconhecido pela ONU em Trípoli, Trump lhe telefonou para agradecer esforços na guerra contra o “terrorismo”. Em seguida, toda a conversa sobre a Líbia foi deixada ao embaixador americano Richard Norland, resumida a alertas sobre o aumento da presença russa no país, mas nada mais.
LEIA: Onde o Iraque se enquadra na política do novo governo dos EUA?
Aqui também, espere somente a retórica de Biden. Ele é conhecido por opor-se, a princípio, à intervenção militar de seu antigo chefe Barack Obama, em 2011. Segundo relatos, ao questionar meramente o que aconteceria com a Líbia, uma vez deposto o regime de Muammar Gaddafi, ninguém o respondeu. Entretanto, ainda hoje, com a Líbia em ruínas, Biden não possui resposta para sua pergunta.
Na próxima porta, está o Egito, aliado estratégico dos Estados Unidos para o Norte de África e Oriente Médio. O Presidente Donald Trump certa vez descreveu sua contraparte egípcia, o general Abdel Fattah el-Sisi, como seu “ditador favorito” e jamais ergueu um dedo contra as denúncias de violações graves de direitos humanos. Biden subirá o tom, mas nada mais. Ele pode, como punição pelos abusos humanitários, seguir o caminho de Obama, ao reter uma pequena parte dos recursos americanos enviados ao Egito anualmente, estimados em US$1.5 bilhão. Contudo, a medida não forçará o Cairo a mudar sua política doméstica, tampouco representará a diretriz preferencial dos Estados Unidos.
Então temos Israel, onde Trump deu grandes saltos em favor da ocupação, em franco detrimento do povo palestino. O presidente republicano chantageou diversos países árabes – incluindo o distante Sudão – a normalizar laços com Israel, reconheceu Jerusalém como capital do estado sionista e transferiu a embaixada dos Estados Unidos para a cidade. Biden não reverterá qualquer uma destas decisões, mas poderá dar sinais positivos à Autoridade Palestina ao reabrir o escritório da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Washington e retomar o envio de recursos humanitários a organizações filiadas às Nações Unidas, que concedem assistência essencial aos refugiados palestinos. Nenhuma das eventuais ações, porém, será capaz de beneficiar efetivamente a maioria dos palestinos, que sofrem com a brutal ocupação israelense. Sobretudo, o bloqueio contra Gaza, que já supera uma década, permanecerá em vigor.
Na Síria, os Estados Unidos dificilmente detêm ferramentas para alterar a situação em campo, salvo maior recuo. Contingentes menores de tropas americanas deverão permanecer no noroeste do país, onde o Daesh (Estado Islâmico) supostamente tenta recuperar-se. O reconhecimento de Trump da soberania israelense sobre os territórios ocupados das Colinas de Golã também não será revogado.
O Presidente Biden não assumirá medidas drásticas em termos militares para, por exemplo, combater novamente a emergência do Daesh; caso o faça, será tarde demais. Não obstante, buscará maior parceria regional com outros países, como Turquia e Rússia, agentes majoritários na questão síria. Pressionar o regime de Bashar al-Assad com novas sanções será sempre o plano de ação preferencial e menos controverso, embora a expropriação de petróleo sírio deva continuar.
LEIA: Trump, o presidente banido
Na Arábia Saudita, forte aliado histórico dos Estados Unidos, Biden deverá manter-se na retórica, salvo eventuais broncas, caso o autoritário príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman, cometa outra atrocidade – similar ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, radicado em Washington, em outubro de 2018. Apesar da promessa de Biden de que os Estados Unidos “jamais abandonarão seus princípios novamente, para comprar petróleo e vender armas”, é exatamente o que seu governo deverá fazer. Biden depende dos corruptos sauditas para pressionar o Irã. Os governantes da monarquia islâmica ponderam sobre a normalização com Israel e o futuro presidente democrata não poderá dar-se ao luxo de ignorar seus receios sobre as políticas de Teerã.
O Iraque prevalece como questão crítica à política internacional. A redução da presença americana no país deverá prosseguir a passos lentos, incapaz de reduzir a pressão política e popular, diante dos reiterados apelos pela saída completa das tropas estrangeiras em solo iraquiano. O Irã continuará a dificultar a vida dos Estados Unidos no Iraque e provavelmente usará a conjuntura como vantagem para renegociar o acordo nuclear com Biden – promessa de campanha do candidato democrata.
Para além do Levante e das águas do Golfo, está o próprio Irã. Biden prometeu retomar o acordo nuclear revogado unilateralmente por Trump. Contudo, será uma decisão controversa perante dois dos maiores aliados americanos, Arábia Saudita e Israel, que repudiam veementemente a medida. As sanções contra o Irã não serão suspensas de imediato, ao menos sem concessões do regime em Teerã. Não espere muito, ao menos antes de 2022.
No Oriente Médio expandido, ao incluir o Afeganistão, podemos presumir que Biden mantenha a chamada política de “America First” (“América em Primeiro Lugar”) ao retirar mais tropas ainda presentes no país. A ideia aqui é reconcentrar a estratégia militar dos Estados Unidos, ao reduzir seu escopo de atuação para combater a Al-Qaeda e o Daesh na região. Entretanto, o contato com o Taliban, outro legado de Trump, não deverá ser interrompido, senão com intervalos maiores e pouca substância. Ao longo do governo Biden, o grupo manterá o curso atual, ao tomar o Afeganistão pouco a pouco.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.