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A invasão do capitólio e o futuro da “democracia americana”

20 de janeiro de 2021, às 08h00

Os apoiadores do presidente Donald Trump se reúnem do lado de fora do edifício do Capitólio em Washington DC, Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. [ Tayfun Coşkun – Agência Anadolu]

No dia 6 de janeiro, centenas de apoiadores de Donald Trump invadiram o congresso americano para impedir a certificação da vitória eleitoral do partido democrata. Cinco pessoas morreram e várias ficaram feridas.

Muitos entenderam essa invasão como uma ameaça à “democracia americana” por grupos neofascistas trumpistas. Mas esse episódio revela muito mais sobre a importante crise do regime político do país e a decadência do próprio sistema capitalista e imperialista.

Não há dúvidas de que ainda hoje o imperialismo americano mantém sua hegemonia econômica, política e militar. Mas sua derrota militar no Vietnã em 1974 e os fracassos militares no Afeganistão e no Iraque demonstraram que a força militar é importante mas insuficiente para garantir sua hegemonia.

Por outro lado as crises econômicas internacionais – particularmente a “grande recessão” de 2007-2008 que teve seu centro nos Estados Unidos, e a crise decorrente da pandemia do coronavírus – demonstraram a incapacidade do sistema capitalista de oferecer bons empregos, moradia popular ou um sistema de saúde eficiente para toda a população colocando um ponto de interrogação no “sonho americano”.

Esta situação gera movimentos em direções opostas dentro da sociedade americana.

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Por um lado, a maioria da juventude americana nos centros urbanos rejeita o status quo: o racismo, o machismo e a homofobia, e até mesmo prefere o socialismo ao capitalismo, ainda que esse socialismo signifique principalmente uma visão humanista e uma forma de justiça social.

Por outro lado setores pequeno-burgueses (fazendeiros médios, pequenos comerciantes e uma ampla gama de pequenos proprietários do setor de serviços) se unem a grupos racistas, neonazistas e fundamentalistas cristãos para fazer voltar atrás a roda da história, retomando o “Destino Manifesto” segundo o qual os americanos seriam os escolhidos por Deus para comandar o mundo. É neste setor minoritário da população que Donald Trump e os grandes grupos econômicos ligados a ele se apoiam para impôr o fim de direitos sociais dos oprimidos (trabalhadores, negros, latinos, mulheres, imigrantes, …) e de liberdades democráticas duramente conquistados pelo povo trabalhador americano mesmo que para isso seja necessário invadir o capitólio e impor um segundo mandato para Trump na marra.

Quem quer manter a ordem?

O sistema bipartidário americano não trabalha para garantir os interesses operários e populares. Ao contrário, os dois partidos estão a serviço dos maiores grupos econômicos do mundo. São os bancos, o agronegócio, o complexo industrial-militar, as petrolíferas, as empreiteiras e um longo etc… que conformam 1% da população ou menos. Eles estão a serviço da manutenção dessa ordem social e dessa “democracia” liberal injustas.

Para defender esses interesses dos grandes capitalistas, o partido republicano usa um discurso ultra-conservador ao passo que o partido democrata prega a favor de direitos sociais. Mas ao final ambos partidos estão unidos na defesa do sistema capitalista e da hegemonia americana.

Para dar um exemplo da política do partido democrata, basta ver sua atuação na onda de protestos contra o racismo e a violência policial em maio e junho de 2020. O partido democrata se opôs à principal reivindicação do movimento (Defund the Police – cortar as verbas da polícia) e defendeu a ampliação de verbas. Além disso, a prefeita democrata de Chicago demitiu o sindicalista e condutor de ônibus Erek Slater por organizar os motoristas para apoiar as mobilizações do Black Lives Matter.

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No entanto ambos os partidos são afetados pela crise da hegemonia americana e da economia capitalista.

O partido republicano foi tomado pelo trumpismo o que lhe distancia ainda mais da maioria do povo americano. Desde 2008 os republicanos não ganham as eleições presidenciais no voto popular. Dependem da abstenção eleitoral (40% a 60% dos total de eleitores, em geral integrantes da classe trabalhadora e da população negra descrentes no sistema eleitoral americano), da supressão eleitoral (obstáculos para registro eleitoral, encarceramento em massa, 12 milhões de imigrantes sem papéis), e de manobras para a definição de distritos eleitorais (gerrymandering em inglês) para ganhar as eleições no colégio eleitoral. Se o trumpismo prevalecer, o partido republicano vai se confundir cada vez mais com a turba que invadiu o capitólio.

Já o partido democrata terá muita dificuldade para explicar para a maioria da juventude e da classe trabalhadora que, apesar de contar com a maioria na Câmara e no Senado, não tomará as medidas necessárias para atender as reivindicações populares:  bons empregos, moradia popular, um sistema de saúde universal, a legalização dos imigrantes, a defesa intransigente do meio-ambiente; tampouco tomará medidas para acabar com a farra do sistema financeiro, com a ocupação do Afeganistão e do Iraque, com a venda de armas para a Arabia Saudita que promove uma guerra criminosa contra o Iêmen, com o vergonhoso apoio ao apartheid israelense, entre outras.

Quem defenderá os direitos democráticos e sociais?        

As classes populares e o movimento operário americano arrancaram seus atuais direitos democráticos e sociais em grandes lutas: a revolução americana pela independência frente aos ingleses, a guerra civil que eliminou a escravidão e criou o único momento da história do país no qual a população negra gozou de direitos – a chamada reconstrução que durou 12 anos, as greves operárias dos anos 1930s da qual emergiu o novo sindicalismo americano, o movimento dos direitos civis nos anos 1950-60s, os protestos feministas dos anos 1970s, as multitudinárias marchas de imigrantes de 2006, entre outros.

Durante o governo Trump, a classe trabalhadora e setores oprimidos também protagonizaram grandes mobilizações.

No dia seguinte à sua posse, em 21 de janeiro de 2017, 5 milhões de mulheres marcharam em 400 cidades em todo o país para se opôr a Donald Trump e suas políticas imperialistas e contrárias aos direitos sociais.

Houve grandes greves de professores em vários estados em 2018 e 2019, além da greve de 48 mil operários da montadora GM em 50 fábricas que durou um mês.

Por fim, a gigantesca onda de protestos contra o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis em maio e junho do ano passado, junto com a pandemia, selou a derrota eleitoral de Donald Trump.

Não há nada que indique que essa tradição operária e popular combativa não vá se expressar durante o governo Biden. Ao contrário, a crise econômica, sanitária e ecológica deve levar o povo às ruas.

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É por isso que Biden, a exemplo de todos os governos anteriores, deve fortalecer a polícia, a CIA, o FBI, a NSA, e também manter a miríade de grupos de extrema direita como uma reserva técnica a ser utilizada para combater levantes populares e os direitos sociais. Isso não exclui que esses grupos e o trumpismo não possam promover ações tais como a invasão do capitólio ou a explosão de um prédio federal como em Oklahoma em 2005 pelo direitista Timothy McVeigh.

A única solução verdadeira para acabar com os grupos de extrema direita e garantir os direitos democráticos e sociais é promover uma revolução social que leve a classe trabalhadora ao poder. Desta forma a “democracia” liberal americana que promove a opressão e a injustiça social dentro e fora do país será substituída pela democracia operária e popular que nunca mais promoverá políticas imperialistas contra os povos de todo o mundo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.