Em breve, um suspiro coletivo tomará de alívio todo o povo palestino, quando o vergonhoso Presidente dos Estados Unidos Donald Trump enfim deixar a Casa Branca, nesta quarta-feira (20). Nenhuma nação sofreu mais pelas mãos da política internacional de Washington sob este homem. Contudo, é possível que alguns dos mais insanos pronunciamentos de Trump, como reconhecer Jerusalém como capital do estado sionista e transferir a embaixada americana à cidade santa, não passe de uma farsa elaborada?
Ao invés de tomar a palavra de Trump como verdade – como se possível! –, preferi verificar a realidade dos fatos sobre a embaixada. No momento da escrita, o Departamento de Estado dos Estados Unidos sob Mike Pompeo, homem forte do presidente republicano, sequer emitiu um convite para apresentar, ou mesmo financiar, o projeto da embaixada, muito menos encontrou um lote de terra apropriado para o que seria, sem dúvida, um complexo pretensioso.
Outro aventureiro político é o premiê israelense Benjamin Netanyahu, cujo julgamento por fraude e outras acusações foi adiado mais outra vez. Como Trump, não é afeito à verdade. No dia em que o presidente americano sofreu seu segundo impeachment em dois anos, Netanyahu proclamou em alto e bom som que estava concedendo uma preciosa porção de terra em Jerusalém para a construção da embaixada americana. Era hora de devolver um favor ao homem descrito pelo primeiro-ministro sionista como “o melhor amigo que Israel ja teve”, ao menos na Casa Branca.
A decisão das redes sociais, incluindo seu amado Twitter, de banir Trump e contas relacionadas nos poupou de ler mensagens sobre o “PRESENTE DE BIBI”, em seu usual estilo de caixa alta. Como esperado, nesta semana, o comitê de planejamento da prefeitura sionista de Jerusalém pressionou pela aprovação imediata de não menos que dois complexos diplomáticos aos Estados Unidos. O que não foi dito, entretanto, é que o Departamento de Estado em Washington já rejeitou ambas as localidades como inadequadas – simplesmente pequenas demais para acomodar os cerca de mil funcionários e diplomatas que trabalham na fortaleza de Tel Aviv.
Então qual é a verdade sobre a embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém? Quão sérios eram os anúncios de Trump? Na verdade, nada mais que uma farsa? Pois bem, tentar obter certeza sobre os fatos presentes é como firmar um prego na areia. O muro na fronteira com o México, outro sonho impossível de Trump, também jamais se materializou.
O comitê de planejamento israelense, que bizarramente sentou-se em segredo em menos de 24 horas desde a convocação, aprovou uma extensão ao complexo de Jerusalém, mas ainda pequeno demais. A mesma reunião às escuras também concedeu luz verde a um plano para construir um complexo de 6.000 m² perto da rodovia de Hebron (Al-Khalil), no assentamento de Talpiot. A área recai sob o perímetro de Jerusalém ocupada, dentro das fronteiras israelenses impostas em 1948 – na ocasião da Nakba, ou catástrofe palestina –, e oferece uma vista panorâmica sem igual sobre a Cidade Velha e as colinas ao redor.
Contactei o Departamento de Estado dos Estados Unidos para solicitar maiores detalhes; desde então, aguardo resposta. Sejamos justos, a maioria dos oficiais de mídia do governo Trump abandonou o barco ou perdeu o fio da meada. O gabinete de Netanyahu, não obstante, recusou-se a responder às dúvidas da imprensa, sugerindo que seu “generoso presente” às vésperas da saída de Trump não passou de outra jogada de marketing sem sentido algum. De fato, um pouco como as “Colinas de Trump”, assentamento ilegal em Golã nomeado em honra do presidente americano.
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Lembram-se disso? Todos vimos o circo armado, em março de 2019, quando o governo israelense conduziu uma cerimônia midiática nas colinas de Golã, território ocupado pertencente à Síria, para inaugurar o chamado Ramat Trump ou “Colinas de Trump”, lugar hoje um tanto infeliz. A placa em relevo dourado perdeu seu brilho, disseram, e algumas de suas letras foram roubadas ou vandalizadas, as bandeiras cruzadas de Israel e Estados Unidos já parecem demodê.
Israel tomou à força as colinas de Golã da Síria em 1967, durante a chamada Guerra dos Seis Dias, e anexou o território em 1981. A maioria da comunidade internacional recusa-se a reconhecer Golã como parte de Israel e considera a área como território ocupado, conforme a lei internacional. Embora seja ilegal anexar terras capturadas em guerra, já se passaram 55 anos desde que Israel construi seu primeiro assentamento ilegal em Golã e mais de 20.000 colonos judeus ocupam o território. Apesar dos anúncios terminantemente ilegais de Trump sobre reconhecer a anexação israelense desta e outras áreas, ninguém jamais se mudou para as “Colinas de Trump”, sobretudo porque não existe.
O local onde Netanyahu posou ao lado de uma enorme placa com o nome do presidente americano em letras douradas, tanto em hebraico quanto inglês, cuja cerimônia celebrava o novo desenvolvimento, agora é coberto de gramas altas até a cintura. Nenhum metro de terra foi escavado, sequer um tijolo foi levado até lá.
Então, para além do mundo imaginário de Trump e Netanyahu, há algum fato concreto na construção da embaixada americana em Jerusalém ou no reconhecimento da soberania israelense sobre Golã? Sabemos que políticos costumam limitar-se em termos de transparência, mas uma mentira tão descarada é absurdo. Trump e Netanyahu competem na mentira? Os múltiplos indiciamentos criminais contra o premiê israelense e os esforços do presidente americano para evadir-se de qualquer responsabilidade pela invasão ao Capitólio colocam ambos pescoço a pescoço na corrida contra a verdade.
Um pequeno alento em tudo isso é que há muitas pessoas ao redor do mundo, incluindo palestinos, que não acreditaram, tampouco apoiaram a ambiguidade e as inúmeras mentiras propagadas por Washington e Tel Aviv durante a era Trump. Enquanto continua a luta por justiça e verdade, contudo, vale tomar em consideração aqueles ludibriados por Trump e manipulados ao aconchego com o corrupto Netanyahu. Um passo à frente, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos – todos alinhados no corredor da vergonha. Antes de exporem a si mesmos a maior repúdio internacional, talvez devessem observar com enorme atenção as letras miúdas dos chamados Acordos de Abraão, isto é, a normalização com a ocupação israelense. Valem sequer o papel nos quais foram escritos?
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