Como fica o impeachment de Bolsonaro?

Jair Bolsonaro e Arthur Lira [Foto Reprodução]

Não é possível saber até quando resiste o compromisso do deputado Arthur Lira, para eleger-se presidente da Câmara Federal, de manter fechada a porta para a entrada de algum dos sessenta e cinco  pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro – e outros possíveis que virão nos dois anos de seu mandato – para votação na Câmara.

O movimento pró-impeachment, que cresce na sociedade, parece sofrer um revés nas expectativas que vinham sendo direcionadas às eleições em Brasília, mas não significa que contasse com grande boa vontade do candidato concorrente. Trata-se de um movimento da sociedade esgotada com a desastrosa política do Planalto e um Congresso que lhe vira as costas.

O antecessor, Rodrigo Maia, praticamente sentou-se sobre os pedidos, sendo que poderia  tê-los tirado do limbo para, no mínimo, opor resistência institucional à tremenda irresponsabilidade do governo no tratamento dispensado ao avanço da pandemia e a negação da sua importância.

Com a aproximação das eleições para o comando do Congresso, a pandemia precisou concorrer com a disputa pela permanência no poder. Maia tentou via judicial o direito a emplacar um novo mandato. Perdeu e procurou viabilizar, via costuras de apoios  à direita e à esquerda à candidatura do deputado Baleia Rossi, sua imagem de articulador da resistência às vontades do Planalto, um cacife com o qual poderia contar para lançar seu nome às eleições presidenciais em 2022. Saiu enfraquecido.

Bolsonaro, por sua vez, gastou todas as fichas do toma-lá-da-cá para manter os pedidos de impeachment bem trancafiados e devolver seus projetos privatizantes e de costumes à agenda pública, uma arena em que poderá dialogar com segmentos estratégicos para seu projeto de reeleição: o setor financeiro, com a venda da Eletrobras e dos Correios; o agronegócio, com a regularização fundiária  e o eleitorado evangélico, que quer mudanças nas leis voltadas à educação, à saúde, à familia, procurando impor valores conservadores ao funcionamento da sociedade.

LEIA: Sionismo cristão no Brasil é discutido em Israel

Entre os projetos dessa pauta adormecidos no Congresso, estão a escola sem partido e a flexibilização do porte de armas.

Mais do que entendimento político, as movimentações do governo em apoio a Lira têm sido apontadas pela oposição como um negócio caríssimo, a ser pago ao chamado Centrão pelo povo brasileiro, e que se choca com outros compromissos do governo, como o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos.

Rodrigo Maia avaliou em R$ 20 bilhões as emendas extraorçamentárias prometidas aos parlamentares apoiadores de Lira. Além disso, o próprio ocupante do Planalto acenou com a reabertura dos Ministérios da Cultura, da Pesca e do Esporte, o que seria um modo de acomodar correligionários do centrão com novos cargos, ao lado de alguns remanejamentos, como a entrega do Ministério da Cidadania aos ao Partido Republicanos.

O destino de Bolsonaro, porém, não depende apenas do jogo das instituições, mas do jogo de pressões da sociedade sobre estas. E neste sentido, o aparente escudo de proteção de Bolsonaro no Parlamento, representado por Arthur Lira na Câmara e por Rodrigo Pacheco, no Senado, tem várias frestas e vazamentos.

A política econômica com a qual os comandos do Planalto e do Congresso se comprometeram não dialoga com a realidade brasileira.

Em 2020 o governo foi pressionado pela sociedade e  Congresso a liberar parcelas de ajuda emergencial que sustentaram, inclusive, uma melhora na imagem de Bolsonaro – que conseguiu capitalizar apoio com a popularidade da medida. Porém, o auxílio acabou e a medida não foi acompanhada de uma política séria para conter a pandemia e viabilizar a vacinação.  O resultado é um contingente inimaginável da população de cerca de 25 milhões de pessoas caindo abaixo da linha da extrema pobreza – o que significa literalmente não ter o que comer – enquanto a pandemia avança, ganha mutações mais virulentas e mata mais pessoas no pior momento desde que o coronavírus chegou ao Brasil. A falta de oxigênio em Manaus ainda espera uma resposta da justiça sobre a responsabilidade do governo federal, que sabia mas não se movimentou para evitar a tragédia.

LEIA: Bolsonaro pede a Israel cilindros de oxigênio, mas não obtém resposta

Eleito, o  novo presidente da Câmara fala em apoiar algum programa social para socorro à pandemia, ao mesmo tempo em que se compromete com o respeito ao teto de gastos, que não permite ampliar o investimento social. O Ministério da Economia pressiona pela busca de recursos que não passem pelo aumento da dívida pública e mira os salários dos servidores públicos para pagar a conta, um segmento influente na cena eleitoral e nada dócil à perda de direitos e reajustes. As privatizações se deparam com outros setores barulhentos, que vão dos sindicatos a uma sociedade civil que vai ficando cada vez mais  preocupada com a perda de soberania energética, tecnológica e científica.

Bolsonaro tem uma comunicação estratégica que identifica e alcança, baseada em dados digitais da população,  pessoas mais vulneráveis ao seu discurso agressivo, debochado e negacionista. De certa forma, sempre que uma manifestação preconceituosa do presidente choca segmentos mais democráticos, essas mesmas reações abrem caminho para as mensagens do presidente alcançarem seu eleitorado, geralmente  conservador e desinformado – mas que não fica imune a escândalos artificialmente provocados.

No entanto, grande parte desse eleitorado mais suscetível às artimanhas da comunicação orquestradas no Planalto, tem prioridades incontornáveis: sobreviver, trabalhar para sustentar a família, proteger-se de um vírus potencialmente letal, ter socorro médico em caso de contaminação.  E estas demandas se chocam com a política de descaso com que o governo tratou a pandemia, desdenhou da vacina, e travou brigas sem sentido contra as políticas de saúde públicas orientadas pela OMC. O resultado é o início de uma vacinação a conta-gotas, não coordenada, e cuja fatura será de mais mortes que deveriam ser evitadas.

Bolsonaro emprestou a Lira o apoio expressivo da Bancada da Bíblia, de onde veio uma centena de votos de deputados evangélicos que cobram uma agenda conservadora, que o novo presidente da Câmara está ignorando nos primeiros discursos. Não se trata apenas de pressionar por leis restritivas no país, com a censura aos professores, ou liberais frente à violência, como a convivência amigável entre a fé e o comércio de armas, que vão encontrando resistência crescente na população. Mas se trata de um eleitorado que carrega ainda a decepção pela não transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Bolsonaro contava com o apoio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, derrotado por Joe Biden, para cumprir a promessa.

LEIA: Bolsonaro e o espelho retorcido de Trump

Ao que tudo indica, o ano de 2021 será de tensões pelo cumprimento de promessas impossíveis ou incoerentes, enquanto a pressão pelo impeachment aumenta entre setores da esquerda, principalmente, mas também da direita.  Sem mencionar os problemas da família Bolsonaro com a justiça e a irritação exibida no Supremo Tribunal Federal contra a negação da ciência e a politização da vacina por Bolsonaro. Falando ao lado do presidente da República, e claramente dirigindo-se a ele, o presidente do STF, Luis Fux,  afirmou que a racionalidade vencerá o obscurantismo.

As última quinzena de fevereiro foi marcada por protestos quase que diários convocados pelas principais frentes que articulam partidos e movimentos sociais, como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo,  e outras entidades de grande alcance nacional, como a Comissão Justiça e Paz, a Frente Brasil por Democracia e pela Vida, os movimentos de base, como os Sem Terra e os Sem Teto. As manifestações se alternaram entre carreatas em diversas capitais, panelaços e ações virtuais, como o painel Fora Genocida, transmitido em três idiomas, durante o Fórum Social Mundial no dia 28.  Também foram realizados  protestos do Vem Pra Rua e o MBL, grupos de direita que apoiaram o atual presidente no passado.

A Bolsonaro restará abrir os cofres e os cargos para conter o Congresso e abusar do seu marketing nas redes para continuar animando um público cativo. À espera de um Brasil menos tolerante com as liberdades democráticas, seu eleitorado ainda lhe devota as avaliações de ótimo ou bom, ainda que vá pagando o preço nas UTIs superlotadas. Mas são avaliações que, no entanto vão minguando nas pesquisas.  O caminho para o impeachment ou reeleição de Bolsonaro, nos próximos dois anos, passa por um teste que colocará de um lado o poder do  marketing e do fisiologismo e de outro o sentimento de um país desesperado e enlutado pelos erros de sua política.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Sair da versão mobile