Este mês o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, chamou o Tribunal Penal Internacional de antissemita por investigar os possíveis crimes de guerra israelense. A acusação de antissemitismo tem sido feita a todos aqueles que criticam o estado de ocupação de Israel. Semana passada, o jornalista Nathan J. Robinson publicou um artigo na Current Affairs contando que foi demitido do jornal The Guardian, acusado de antissemitismo, por ter feito uma postagem sarcástica no Twitter criticando a política americana de autorizar um grande financiamento de misseis israelenses em plena pandemia de covid-19.
Em entrevista ao Monitor do Oriente Médio, o professor de Relações Internacionais da PUC, Bruno Huberman, que é judeu e militante da causa palestina, afirma que o argumento do antissemitismo tem sido usado como uma forma de silenciar críticos de Israel. Ele esclarece que apesar de o antissemitismo ter sido a razão que levou à criação do Estado de Israel, não justifica a opressão ao povo palestino. “O sionismo surge como uma forma de solucionar a questão judaica na Europa – a perseguição, subjugação e opressão dos judeus – e se concretizou com o que antes era subjugado, subjugando um novo povo, por meio da colonização da Palestina. Embora estejam conectados, não se justificam. É uma forma de luta essencialista que não entende a luta por libertação como algo universal; da libertação humana contra as opressões, explorações e o colonialismo. Dessa forma, os judeus oprimidos se tornaram os opressores.”, afirma o especialista.
Huberman define o antissemitismo como uma forma de anticolonialismo, “é uma forma de luta contra o processo colonial” realizado pelo sionismo na palestina, enquanto o antissemitismo é o “racismo aos judeus que ocorreu particularmente na Europa, mas então se tornou um fenômeno global. Então, não é a mesma coisa; uma é a crítica e combate ao colonialismo israelense na Palestina. E o antissemitismo é a perseguição, subjugação, desvalorização e, inclusive, o genocídio dos judeus.”
O professor esclarece que ao criticar o estado de Israel, é importante não se aproximar de argumentos antissemitas, como por exemplo, os que colocam os judeus como parte de “uma conspiração que domina o mundo por meio dos bastidores”.
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Sobre a aproximação entre o estado de ocupação de Israel e os Estados Unidos, Huberman, destaca que isso começou após a guerra fria, quando “Israel se mostrou como a potência militar capaz de servir aos interesses dos Estados Unidos, principalmente no combate ao nacionalismo árabe”. O estado sionista se tornou como um parceiro ocidental na região, um “agente terceirizado que age pelos interesses do imperialismo”. A partir de então, os Estados Unidos passaram a oferecer uma ajuda militar bilionária aos Israelenses, para que ajam no Oriente Médio combatendo o nacionalismo árabe. Esses gastos americanos foram o motivo das críticas do jornalista Robinson, demitido sob acusações de espalhar fake news e ser antissemita.
“Manter o estado de Israel forte, hoje em dia, envolve calar as críticas com essa equiparação entre antissemitismo e antissionismo.”, afirma o especialista em Relações Internacionais; Ele explica que Israel é “uma cunha no Oriente Médio”, divide as nações árabes, dificultando o diálogo entre o Norte da África e o Oriente Médio. “Desde então, Israel tem servido a esse propósito e a manutenção desse estado naquela região é fundamental pelos interesses americanos e europeus”, diz.
Nas relações entre Brasil e Palestina, Bruno considera que o governo Bolsonaro trouxe uma mudança profunda nessa relação, “de uma posição mais pró palestina para uma posição claramente mais pró Israel”. Entretanto, ele ressalta que os governos de Lula e Dilma, apesar de terem um discurso de defesa do povo palestino, aprofundaram as relações econômicas com os israelenses. “Brasil se tornou um dos maiores importadores de armas de Israel, durante esse período. Apesar de discursos em favor dos palestinos, materialmente, os brasileiros sustentaram economicamente a ocupação militar e a colonização das terras palestinas.”, afirma.
Huberman defende o movimento BDS de boicote, desinvestimentos e sanções (frequentemente acusado de antissemitismo), e afirma que é preciso, nos próximos governos, de uma “solidariedade mais radical”, que não retorne ao mesmo contexto dos anos do PT, em que havia solidariedade apenas no discurso e uma forte parceria econômica com Israel. “Isso só ajuda os israelenses, e não os palestinos. A gente precisa de uma solidariedade material, econômica com os palestinos e construir uma economia de resistência, com boicote aos israelenses”, afirma.
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Bruno Huberman é judeu, jornalista e militante da causa palestina. Ele é professor da PUC-SP, onde desenvolve pesquisas na área de política internacional, colonização e controle social na Palestina e no Brasil. Ele escreve no blog Terra em Transe, do site Outras Palavras, e no blog do Opera Mundi, Quebrando Muros, feito por dois judeus antissionistas engajados na descolonização da Palestina.
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