Todo mundo deseja ver o fim da ruptura política entre os grupos palestinos, que já dura uma década e meia. Contudo, o fim desta divisão não pode ser alcançado via acordos que negligenciam os alicerces da crise e a principal causa do conflito, isto é, a ocupação.
Há fatores que podem facilmente implodir o acordo do Cairo assinado pelas facções palestinas na última semana, referente à preparação de eleições assíncronas para o legislativo, executivo e Conselho Nacional. Tais fatores confirmam que o diálogo que ocorreu entre os grupos palestinos concentrou-se em pontos processuais que seriam bastante adequados a um estado independente com plena democracia, mas não a uma autoridade que carece de soberania sob ocupação militar. Tudo isso reforça receios de que o novo acordo não será diferente de seus antecessores, portanto, capaz de aprofundar a divisão ao invés de superá-la.
Um destes fatores é a menção do acordo a “medidas aceitáveis”, como permitir liberdades políticas na Cisjordânia e Faixa de Gaza durante a campanha eleitoral, assegurar a liberdade de movimento aos eleitores palestinos, trabalhar para realizar o pleito em Jerusalém ocupada e enfatizar que somente a polícia palestina é responsável por preservar as eleições.
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Tais medidas, supostamente um senso comum entre as partes, simplesmente não podem ser executadas na Cisjordânia. Ninguém pode impedir a ocupação israelense de obstruir o caminho dos candidatos do Hamas nas cidades e aldeias da Cisjordânia ou impedir a prisão de tais figuras políticas por soldados da ocupação. Ninguém pode obrigar a ocupação israelense a permitir eleições palestinas em Jerusalém ou impedir suas forças militares de prender e deportar representantes eleitos como fez após a disputa em 2006. Ninguém pode garantir que a ocupação israelense deixará de intervir, ao relegar de bom grado a missão de segurança à polícia palestina.
A questão da segurança no dia da votação representa justamente um bom exemplo da confusão entre os grupos palestinos. Aqueles que participaram do diálogo no Cairo concordaram com as condições propostas, mas cogitaram formas de impedir que as alas militares das diferentes facções palestinas intervenham de algum modo na tarefa exclusiva da polícia.
A nota emitida do Cairo alega que as repercussões da ruptura em todos os seus aspectos serão devidamente abordadas por um comitê nacional formado por consenso. O comitê então deverá submeter suas recomendações ao presidente para obter aprovação e transferir os deveres concernentes ao governo formado pelo voto popular. Entretanto, este processo representa um dos fatores de mais alto risco ao próprio acordo, pois não condiciona antecipadamente a realização do processo eleitoral a medidas para tratar dos efeitos da divisão, o que deixa a porta aberta para conflitos infindáveis e questões não resolvidas – conflitos que, desde já, impedem o futuro governo de trabalhar, com destaque para a situação do funcionalismo público.
Entre os mais proeminentes desleixos do novo acordo do Cairo está deixar a ocupação de fora do acordo e abster-se de lidar imediatamente com a crise nacional, à medida que tenta solucionar a crise da Autoridade de Oslo, em seu lugar. O pacto, como esperado, não concede respostas a questões fundamentais, como: a estratégia nacional palestina para enfrentar a ocupação, o destino da resistência armada, a decisão de guerra e paz e a natureza do relacionamento entre a Autoridade Palestina e Israel, incluindo a coordenação de segurança a serviço da ocupação.
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Para ser justo àqueles que participaram do diálogo, devemos mencionar que conversaram sobre um ponto relacionado ao conflito com a ocupação em dois dos quinze artigos do acordo – a questão dos prisioneiros palestinos. Entretanto, as partes relevantes concordaram em abordar o problema somente no próximo Conselho Legislativo, como se o conflito com a ocupação fosse uma luta entre mandatos e como se o próprio parlamento fosse capaz de garantir que a ocupação não prenda seus membros e seu presidente, como fez em 2006, dado que, neste caso, teriam de solucionar o problema de dentro das prisões.
O Acordo Nacional de Diálogo Palestino, assinado no Cairo na terça-feira, 9 de fevereiro de 2021, será nada mais que um novo registro esquecido ou citado pela história por contribuir efetivamente com o aprofundamento da ruptura entre o povo palestino e sua elite política, ao invés de convergir suas demandas. É um dos resultados diretos do declínio da liderança palestina, que arrastou a todos junto de sua queda, cujo túnel de Oslo é parte do problema.
Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Arabi21, em 9 de fevereiro de 2021
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