Quantas Loujain al-Hathloul há hoje no mundo árabe?

Protesto em Londres pela soltura de mulheres e crianças mantidas em custódia pelo regime sírio de Bashar al-Assad, em 8 de março de 2019 [Hasan Esen/Agência Anadolu]

Deixo claro, sobretudo, que sou contra qualquer injustiça, opressão ou prisão arbitrária com fins políticos em todo o mundo. Também defendo as liberdades civis, de expressão e manifestação de todos, independente de crença ou identidade. Desta forma, acolhi com alguma satisfação a soltura da ativista saudita de direitos humanos Loujain al-Hathloul, mas não vivenciei o mesmo êxtase que prevaleceu na imprensa internacional e nas redes sociais.

Ao contrário, pensava ainda nas dezenas de milhares de homens, mulheres e – sim – crianças que perecem nas prisões árabes e israelenses, submetidas a inúmeras modalidades de tortura. Tais prisioneiros sofrem enormes dores físicas e psicológicas, mas seus apelos não alcançam o Presidente dos Estados Unidos Joe Biden, entre outros. Não há campanhas de alto perfil em seus nomes, como fizeram diversas organizações humanitárias internacionais por al-Hathloul, pois seu único “crime” é respeitar os preceitos de Allah e os muçulmanos honestos não têm quem os defenda – distantes de organizações de direitos humanos, ignorados pelos Estados Unidos e qualquer outro país ocidental.

As prisões árabes estão lotadas com dezenas de milhares de muçulmanos designados como “terroristas”, utilizados pelos governantes árabes como pretexto para a absurda “guerra ao terror”. Esta é a moeda popular usada atualmente para comprar e manter posições de poder.

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Biden expressou alegria por al-Hathloul em discurso no Pentágono: “Antes de começar, tenho ótimas notícias de que o governo saudita libertou a proeminente ativista de direitos humanos Loujain al-Hathloul de suas prisões … uma poderosa voz pelos direitos das mulheres, sua soltura foi a coisa certa a se fazer”.

Fiquei perplexa pelo anúncio de Biden, dado que a questão não interessa ao povo americano, que não sabe, provavelmente, quem é Loujain al-Hathloul. De fato, é possível que muitos americanos sequer saibam onde fica a Arábia Saudita.

Esperava-se que o presidente americano anunciasse o fim das vendas de armas à monarquia, até retirar seu exército do Iêmen, como prometeu em sua campanha. Contudo, Biden preferiu não mencionar o país assolado pela guerra, tampouco as tragédias do povo iemenita e a devastação causada por Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, cuja guerra imprudente criou uma verdadeira catástrofe humanitária no Iêmen, certa vez feliz.

Vale observar que, pouco antes do recente episódio, Biden removeu os houthis da lista de grupos terroristas, após seu predecessor Donald Trump designar o movimento rebelde como tal, nos últimos dias de seu mandato. A medida de Biden enfureceu os sauditas, que temem outras medidas semelhantes de seu governo.

Protesto em Londres pela soltura de mulheres e crianças mantidas em custódia pelo regime sírio de Bashar al-Assad, em 8 de março de 2019 [Hasan Esen/Agência Anadolu]

O anúncio do presidente sobre al-Hathloul representa, na verdade, uma mensagem ainda indulgente à liderança saudita, entregue de dentro do quartel-general do mais poderoso exército do mundo, utilizando os direitos humanos como arma. Trata-se da nova ferramenta diplomática do partido Democrata. Os Estados Unidos ainda protegem o reino e a coroa, e o governante de fato Bin Salman deve pagar o preço por esta proteção, como fez ao longo da presidência de Trump. Em suma, o discurso de Biden é o mesmo que Trump, mas versado com outra linguagem e outro tom. Ambos são sionistas, mas a diferença é que o novo presidente não abordará a questão como mera transação comercial, como fez o republicano, ao chantagear abertamente a Arábia Saudita. A atitude de Biden é mais ardilosa.

Trump jamais se importou com direitos humanos, como ficou óbvio por sua cooperação e apoio com todos os tiranos do Oriente Médio. De fato, ajudou a varrer para debaixo do tapete o hediondo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e colaborou efetivamente com a impunidade de Bin Salman. Desta forma, permanece a questão: Biden reabrirá o caso em respeito aos direitos humanos que alega promover ou o manterá engavetado sob uma enorme pilha de dólares? O caso de Khashoggi quase certamente ainda preocupa o príncipe, sobretudo pois Biden o citou diversas vezes durante sua campanha eleitoral. Bin Salman provavelmente permanece ansioso ao lado de seu telefone, esperando por Washington.

Um repórter perguntou a Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca, se o governo Biden ainda considerava Israel e Arábia Saudita importantes aliados dos Estados Unidos. Psaki respondeu apenas que a administração ainda estuda e reavalia diversas posturas. Em seguida, outro jornalista questionou quando Biden falará com Bin Salman. Psaki respondeu de imediato, ao reiterar que não há conhecimento de planos ou prazo para fazê-lo.

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Não há dúvida de que a resposta deverá preocupar o arrogante e ambicioso príncipe saudita, ansioso para sentar-se no trono definitivamente. Estaria cada vez mais próximo a este objetivo, caso Trump fosse reeleito, mas agora o sonho torna-se certo pesadelo, diante de dúvidas sobre seu futuro político. Ele sabe muito bem que um relatório da Instituição Brookings exortou Biden a pressionar Riad a libertar Muhammad Bin Nayef, ex-príncipe herdeiro, deposto por Bin Salman. O documento observou que não há acusações contra Bin Nayef, mas que foi preso meramente por impor uma ameaça a seu substituto na linha de sucessão à coroa. Em resumo, Bin Nayef é “símbolo de uma alternativa viável e competente, em contraponto com o perigoso e imprudente príncipe … Para Washington, pressionar a liderança saudita neste caso pode ser uma medida pouco usual, mas deve representar uma tarefa urgente, devido às suas consideráveis contribuições à segurança americana”.

É claro, tudo isso é perturbador aos olhos de Sua Alteza. Caso tenha assessores razoáveis ao seu redor, estes aconselhariam o príncipe a libertar Bin Nayef imediatamente, ao invés de ser forçado a fazê-lo pelos avanços de Biden, como foi no caso de al-Hathloul.

Embora eu duvide de sua coragem para tanto, também o aconselharia a libertar os centenas de imãs e outras figuras de destaque em suas prisões, incluindo o sheikh Salman al-Odeh, cujo único “crime” foi reivindicar a reconciliação com o Catar. Pois bem, agora que aconteceu, por que mantê-lo atrás das grades?

O mesmo vale para Safar al-Hawali, preso aparentemente por criticar as ostentosas despesas do príncipe, sobretudo ao gastar meio milhão de dólares na pintura Salvator Mundi, de Leonardo Da Vinci. Para al-Hawali, o povo saudita é mais merecedor deste dinheiro por seu silêncio perante a coroa, ao respeitá-la mesmo diante de seu luxo terreno em detrimento da moral. Al-Hawali prosseguiu ao destacar a construção de um templo israelense em Jerusalém e questionar se havia financiamento dos Emirados Árabes Unidos no projeto, o mesmo país que compra casas de palestinos da cidade e as oferece a colonos judeus.

Os sheikhs Awad Al-Qarni e Ali Al-Omari, entre muitos outros, também estão no mesmo barco.

Mulheres egípcias filiadas à Irmandade Muçulmana exibem rosas enquanto aguardam na cela dos réus por seu julgamento em Alexandria, Egito, 7 de dezembro de 2013 [AFP via Getty Images]

O quão fantástico seria se Bin Salman libertasse o palestino Mohammed Saleh Al-Khoudary, que tem 83 anos e sofre de uma doença terminal? Seria de fato um golpe a Biden e aos sionistas. Al-Khoudary vivia na Arábia Saudita há quase 30 anos e mantinha a posição de representante oficial do Hamas na monarquia. Seu filho, o professor universitário Hani Al-Khoudary, também poderia ser solto junto de setenta outros palestinos e jordanianos presos durante a mesma campanha repressiva que deteve o líder idoso, há três anos atrás. Todos presos sem qualquer justificativa senão o velho clichê de “apoio a uma entidade terrorista”, em evidente referência ao Hamas. Para a vergonha de Bin Salman, a exata terminologia utilizada pela ocupação israelense.

As palavras da família al-Khoudary, em nota à imprensa, foram direcionadas ao príncipe herdeiro: “Nós, seus estimados irmãos da família al-Khoudary na Palestina, exortamos os senhores a intervir junto das autoridades relevantes para libertar nosso filho, o dr. Mohammed Saleh al-Khoudary, que sofre de doenças crônicas”.

Os palestinos ainda creem na fraternidade e carregam enorme valor por seu próprio povo, apesar dos sucessivos complôs e assassinatos que tanto sofrem. A família pediu aos carcereiros de al-Khoudary para intervir em seu nome, os mesmos que ordenaram sua prisão. Talvez porque as boas famílias palestinas ainda detenham a herança da dignidade, camaradagem e honra dos árabes do passado. Abrigam quem precisa de abrigo e são generosos com seus convidados. A família al-Khoudary acredita que Bin Salman reconheça Mohammed Saleh e seu filho como convidados no reino, a fim de respeitar as normas e costumes como anfitrião. Trata-se de algo bastante sério aos árabes que cultivam sua história e respeito. Bin Salman violou as nobres tradições, mas talvez não seja tarde demais para corrigir seu comportamento e libertar al-Khoudary e outros.

Há muitos Loujain Al-Hathloul no mundo árabe hoje. Bin Salman faria um favor a si próprio em libertá-los de vontade própria e não apenas porque o presidente americano mandou fazê-lo.

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