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América Latina em disputa no Equador

O candidato à Presidência do Equador, Yaku Pérez, do movimento Pachakútik, durante o encerramento da campanha em Cuenca, Equador, em 4 de fevereiro de 2021[Juan Francisco Beltrán/Wikimedia]
O candidato à Presidência do Equador, Yaku Pérez, do movimento Pachakútik, durante o encerramento da campanha em Cuenca, Equador, em 4 de fevereiro de 2021[Juan Francisco Beltrán/Wikimedia]

Um primeiro olhar para as eleições presidenciais no Equador, ocorridas em 7 de fevereiro, que indicaram preferência ao candidato de esquerda, Andrés Arauz, poderia dar ânimo aos campos progressistas  da América Latina, por deixar espremido, com menos de 20% dos votos, o candidato da direita pelo Movimento Criando Oportunidades (CREO), Guillermo Lasso. E ao mesmo tempo apontar  o crescimento do candidato ecossocialista do partido indígena Pachakutik, Yaku Pérez.

Resultaram do primeiro turno a vitória inconteste de Andrés Arauz, candidato apoiado pelo ex-presidente Rafael Correia, com com 32,70%  dos votos e uma segunda colocação em disputa entre Guilhermo Lasso e Yaku Perez, com uma diferença de pelo menos 0,34 por cento dos votos sob suspeição  Ambos agora dependem de uma recontagem para definição de quem irá disputar com Arauz o segundo turno.

Nesta segunda-feira (15), observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA)fizeram um “apelo enérgico” para que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do Equador seja transparente na apuração de 6 milhões de cédulas, ou simplesmente 45% dos votos. A recontagem foi anunciada no sábado (13), sob a suspeita de fraude que teria impedido Yaku Pérez de chegar ao segundo turno.

Uma eventual disputa entre  Arauz e Yaku poderá representar o embate entre projetos de governo que hoje mobilizam forças democráticas, mas de difícil convergência e muita desconfiança.  Se Arauz representa o projeto de estado social desenvolvimentista apoiado por articulações de esquerda sul americanas, Yaku representa o projeto ambiental preservacionista impulsionado por movimentos indígenas da região andina e amazônica e que vai angariando apoio de ecofeministas e jovens.

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Ambas as linhas de governo podem ter impacto imediato na projeção regional do Equador e da América Latina na cena internacional.  O projeto da CONAIE apresenta visões alternativas para enfrentamento da emergência ambiental planetária ao defender direitos da natureza e travar a luta pela água como um direito humano, algo capaz de conectar os povos que lutam contra a privatização dos recursos hídricos, dos indígenas na Amazônia ao povo da Palestina que luta contra o assalto a seus recursos – terra e água em especial – pela ocupação israelense. Apresenta-se, sobretudo, como um projeto anti-colonial. Mas que enxerga o progressismo conservador como ameaça.

Também internacional é a perspectiva do projeto encabeçado por Andrés Arauz, que busca colocar o Equador na reorganização dos fóruns de integração regional, como a União das Nações Sul-Americanas e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), voltando a fortalecer as relações Sul-Sul e as posições latinoamericanas contrárias à ingerência imperialista dos Estados Unidos na região e no mundo. Em torno de sua candidatura, estão forças de esquerda de países vizinhos que buscam reconstruir a resistência ao chamado lawfare (golpes que utilizam o sistema judicial e midiático como armas para destituir governos e desmontar políticas sociais) na América Latina e aumentar a solidariedade internacional.

Entre as duas narrativas políticas, alguns aspectos são difíceis de conciliar. O  projeto correista é acusado de financiar políticas públicas de socorro aos mais pobres com recursos advindos de uma política extrativista que as bases de Yaku rechaçam. Já as posições de Yahu chegaram a ser  coniventes com os processos que afastaram governantes eleitos em outros países da América Latina, casos do impeachment e Dilma Roussef e das condenações de Lula,  demonstrando um apoio a golpes que as bases de Arauz denunciam.

Talvez o pior dos mundos para a emergente liderança indígena, caso excluída do segundo turno, seja precisar posicionar-se entre os dois candidatos que, a seu modo de descrever, são ambos inimigos. Ou mesmo omitir-se frente a uma disputa que claramente coloca de um lado o próprio representante do assalto financeiro que já arrasou o país na virada do milênio.

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Conservador nos costumes, católico pertencente à Opus Dei, o candidato da direita é dono do maior banco do Equador, o Guayaquil, acusado de ter enriquecido enquanto ministro da Economia,  graças à especulação de títulos emitidos na crise que ficou conhecida como Feriado Bancário. Conforme dados da investigação jornalística Panamá Papers, entre 1999 e 2002, Lasso aumentou seu capital de US$ 1 milhão para US$ 31 milhões.  E no ano passado, enquanto equatorianos sucumbiam ao coronavírus sem assistência, o Banco Guayaquil cresceu 26% em relação a  2019, segundo dados do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG). É inimaginável um postulante de esquerda que não busque barrá-lo.

A desconfiança em relação a Yaku se deve ao fato de que no passado, ele já fez essa escolha. Em 2017, disse preferir um banqueiro a uma ditadura, referindo-se ao segundo turno disputado entre Lasso e Lenin Moreno, então apoiado por Rafael Correa.

O ex-presidente, que governou o país de 2007 a 2017, e no ano passado foi impedido de concorrer a vice-presidente por acusações de corrupção, também foi demonizado pela direita por aplicar políticas estatizantes,  taxar lucros e criar imposto sobre grandes fortunas, ousadias das quais foi obrigado a recuar.  Conseguiu fazer um sucessor, Lenin Moreno, que já na campanha eleitoral procurou afastar-se da agenda mais radical correista, e uma vez eleito, foi capturado de vez pelo programa neoliberal. Com ele, a direita governou sem ganhar as eleições.

O Equador sem Estado que norteou o governo de Moreno é aquele que todos testemunharam na pandemia. Corpos largados nas ruas sem um serviço público capaz de ter-lhes socorrido em vida ou enterrá-los após a morte. O país registrou mais de 267.000 casos de covid-19 e mais de 15.100 mortes até o momento, de acordo com a Universidade Johns Hopkins.

É  importante observar o fator indígena no destino do Equador, seja qual for o resultado das eleições.  A ascenção de Yaku é fruto da capacidade de mobilização reunida na Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (a CONAIE)  e que foi a principal força de resistência ao decreto 883 do governo de Lenin Moreno de 3 de outubro de 2019 para acabar com o subsídio à gasolina e ao díesel. Diretamente afetada em seu custo de vida, a  reagiu. Participaram dos protestos movimentos populares, sindicais, indígenas, grupos de jovens e feministas, todos enfrentando grande repressão. O movimento indígena resistiu por 11 dias, até o recuo do governo.

No ano passado, um referendo  mostrou a determinação popular em proteger a zona de recarga de água de Cuenca, que conta  com 4.200 corpos d’água e nascedouros de rios no Planalto Andino. Fica proibida a mineração nessa área, afetando corporações de vários países que já detêm contratos para explorar metais, entre elas empresas do Canadá, Austrália, Peru e Chile.

Após o quase empate do primeiro turno, o sinal de alerta foi dado. O movimento indígena está novamente nas ruas, rumando para Quito, capital do país, disposto a acompanhar, voto a voto, a recontagem que pode levar a novo desempate.  Observadores internacionais seguem o Equador de perto. Os rumos das lutas democráticas na América Latina estão na balança.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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