A cinegrafista iraniana e ativista pelos direitos das mulheres, Mahnaz Alizadeh, foi presa na fronteira brasileira em agosto de 2019. Fugindo de ameaças do governo iraniano, ela foi enganada por um traficante internacional de pessoas e agora é acusada de ser sua cúmplice. Alizadeh aguarda o julgamento em liberdade enquanto teme precisar voltar ao seu país, onde acredita que pode ser torturada e executada.
A entrevista com a cinegrafista foi publicada em uma reportagem do IronWire, projeto de jornalistas iranianos na diáspora. Mahnaz Alizadeh foi a cinegrafista do filme NASRIN, documentário sobre a vida da advogada de direitos humanos, Nasrin Sotoudeh. A advogada representava ativistas da oposição nas cortes do país e mulheres perseguidas por não usarem o hijab, obrigatório no país. O filme, que não tinha a autorização do governo, foi gravado em segredo e dirigido pelo norte-americano Jeff Kaufman. Ele a incluiu nos créditos do filme: “para que a Justiça brasileira entenda que ela pode ser presa, torturada (e possivelmente morta) caso seja deportada ao país de origem”.”
Jeff Kaufman defendeu a cinegrafista também em uma carta publicada no IronWire, no último dia 10, onde fez um apelo às autoridades brasileiras para que não a deportem.
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“Identifiquei publicamente Mahnaz Alizadeh como colaboradora do NASRIN depois que ela foi detida no Brasil. É importante para a corte brasileira entender que ela enfrentaria prisão e tortura (e possivelmente morte) se fosse deportada de volta para seu país de origem. Este é o destino de muitos artistas ativistas no Irã. Eu apelo às autoridades brasileiras a reconhecerem que Mahnaz estará em grave perigo se forçada a retornar a sua antiga casa. Ela também não é uma criminosa e não deve ser tratada como tal. Mahnaz Alizadeh tem muito a contribuir para um país adotado. Ela deve ter a liberdade e a oportunidade que merece.”
Alizadeh trabalhou com Nasrin desde os anos 90, quando fotografou e filmou a campanha “um milhão de assinaturas”, para acabar com leis discriminatórias contra as mulheres iranianas. De 2016 a 2018, as duas trabalharam juntas diariamente no novo documentário, gravando as cenas no Irã e depois enviando ao Kaufman.
Em meio ao projeto, agentes de segurança passaram a ameaçar as duas mulheres. No final de 2017, as ameaças levaram à paralisação do projeto e em junho de 2018, Nasrin Sotoudeh foi presa e condenada a 38 anos de prisão e 148 chibatadas, sob acusações falsas de insulto ao aiatolá Khamenei, espionagem e propaganda.
Mahnaz contou ao IranWire que Sotoudeh recebia mensagens através de seus clientes presos, dizendo que se não parassem o filme, prenderiam a cinegrafista. Devido as graves ameaças, ela foi afastada do projeto. Mas, com a prisão da advogada, voltou a sofrer com chamadas das agências de segurança. Além das ameaças sofridas pelo seu trabalho, Alizadeh também temia que a acusassem e julgassem por viver um relacionamento com uma outra mulher; o que é crime na lei iraniana e punível com açoitamento e até pena de morte.
Ela decidiu deixar o país em 2018 e escolheu como destino o Canadá. Em outubro, conheceu Reza Sahami, iraniano-canadense que se dizia de uma agência de viagens. Pela dificuldade em obter um visto canadense no Irã, combinaram que iriam pelo Equador, onde conseguiria um visto de turista ao Canadá e pediria refúgio.
Entretanto, ao chegar no país sul-americano, Sahami se mostrou diferente e exigiu o pagamento total do valor combinado, que antes deveria ser pago apenas ao chegar no Canada. Com a ajuda de sua a família, ela pagou o valor total, mas descobriu que ele a embarcaria com um passaporte falso, e não mais com um visto em seu passaporte verdadeiro.
Ela disse ao IronWire que enquanto estava no Equador, soube que Sahami era procurado pela polícia americana e Interpol. “Seus clientes eram frequentemente presos em vários países da América do Sul por falsificação de documentos, tráfico de pessoas e outros delitos. Depois de uma onda de prisões de clientes na fronteira equatoriana, ele decidiu contrabandear a mim e vários outros para o Peru – e de lá para o Canadá. No Peru, quando tentamos ir primeiro a Lima e depois ao Canadá com passaportes falsos, a polícia prendeu Sahami junto com vários passageiros. Estranhamente, ele foi libertado pouco depois”.
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Ela passou seis meses no Peru, sem saber a língua e sem conhecer mais ninguém. Ao mesmo tempo, o início da pandemia de covid-19 bloqueou as fronteiras, tornando os acessos muito mais controlados. “No Peru, eu tentei ir ao escritório do ACNUR para pedir asilo, mas quando Sahami descobriu, ele me impediu. Em seguida, ele foi a uma cidade na fronteira com o Brasil e nos pediu que o acompanhássemos. Cruzamos a fronteira – e os guardas nos prenderam”.
No momento da prisão, Sahami jogou seu celular e documentos na bolsa de Mahnaz, implicando-a como cumplice do esquema de tráfico humano.
Ela conta que esteve presa no Acre por cinquenta dias, sem advogado, sem comunicação e sem assistência médica. “Então, em outubro do ano passado, fui libertada sob fiança até o julgamento. Após minha libertação, Reza Khandan [marido de Nasrin] e várias organizações de direitos humanos, especialmente o Centro Abdorrahman Boroumand para os Direitos Humanos, trabalharam duro para evitar que eu fosse deportada ao Irã. Muitos amigos que conheciam Sahami testemunharam ao judiciário brasileiro que eu não era sua cúmplice, mas uma cliente”.
Ela conta que todos os seus pertences foram confiscados pela polícia. “Nem sequer estou autorizada a trabalhar nesta parte do mundo. Todos os meus pertences, incluindo meu telefone, foram confiscados pela polícia. Meu ouro e minhas roupas foram confiscados. Somente minha família e alguns dos meus amigos estão me ajudando a ganhar a vida. Até meu seguro e meus antidepressivos estão nas mãos da polícia, e eu tenho um sério problema para conseguir remédios aqui. Sinto que estou sozinha aqui, em um ponto cego. Não consigo ver nenhum futuro para mim mesma”.
Na carta, o diretor Jeff Kaufman comenta que a posição em que ela se encontra – “encalhada no Brasil e tentando encontrar um porto seguro, sabendo que um retorno ao Irã poderia levar à prisão ou pior – é dolorosa e assustadora”.
“Como diretor/escritor e produtor do documentário NASRIN, sinto profunda gratidão e respeito pela contribuição única de Mahnaz e das outras pessoas que nos ajudaram a filmar no Irã.”.
“Um de nossos objetivos quando iniciamos este documentário em 2016 foi dar às pessoas ao redor do mundo acesso a um lado invisível do Irã – sua cultura vibrante, seu movimento de resiliência dos direitos das mulheres, um senso de família e vida diária, e inspiração de modelos notáveis como Nasrin Sotoudeh. Isso foi possível graças a Nasrin, e graças a pessoas como Mahnaz que se colocaram em risco para seguir Nasrin ao redor de Teerã (e além), com uma câmera na mão.”, ele diz.