O que: O colono israelense extremista, Baruch Goldstein, atacou fiéis palestinos na Mesquita Ibrahimi em Hebron, matando 29 pessoas e ferindo outras 150
Onde: Hebron, na Cisjordânia ocupada
Quando: 25 de fevereiro de 1994
O que aconteceu?
Considerada o local de sepultamento dos profetas Abraão, Isaac e Jacob, a Mesquita Ibrahimi de Hebron é reverenciada dentro do Islamismo e do Judaísmo. Em 1994, o mês sagrado islâmico do Ramadã e o feriado judaico Purim coincidiram, fazendo com que colonos judeus ilegais e muçulmanos palestinos buscassem acesso ao local sagrado ao mesmo tempo. Na noite de 24 de fevereiro, testemunhas oculares descreveram um desentendimento entre colonos judeus e palestinos, pois ambos os grupos religiosos tentaram acessar a mesquita. Embora não tenha havido violência, a situação foi descrita como “tensa”.
No dia seguinte – por volta das 04h30 – devotos muçulmanos foram à mesquita para as orações diárias de Fajr (amanhecer). Um palestino que assistiu à mesquita naquela manhã, Hosni Issa Al-Rajabeh, relatou os acontecimentos do dia em uma entrevista para a Al Jazeera, descrevendo a ida à Mesquita Ibrahimi com sua esposa e filhos: “Quando chegamos, um colono nos cumprimentou e nos recebeu na mesquita, o que foi muito estranho”. Então, conforme Al-Rajabeh lembrava: “O imã começou a ler o verso Sajdah [do Alcorão]. Ele leu por quatro minutos, e quando as primeiras pessoas se ajoelharam, ouvi tiros e a eletricidade foi cortada”.
Sabe-se, atualmente, que o tiroteio que matou 29 pessoas e feriu outras 150 foi cometido pelo colonizador israelense extremista Baruch Goldstein. Goldstein nasceu no Brooklyn, Nova York, e migrou para Israel em 1983. Ele viveu no assentamento ilegal Kiryat Arba, nos arredores de Hebron, na Cisjordânia ocupada.
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Goldstein era simpatizante do rabino extremista Meir Kahane, um judeu americano ortodoxo conhecido por sua ideologia ultra-nacionalista e por fundar o partido Kach em 1971. Kach defendia a retirada forçada dos palestinos de Israel e dos territórios palestinos ocupados (TPO). Também se opunha veementemente a quaisquer concessões territoriais feitas por Israel sob acordos internacionais de paz, convocando uma manifestação no assentamento Yamit na Península do Sinai ocupada por Israel para impedir que a região fosse devolvida ao Egito sob os Acordos de Camp David de 1979. Após serem eleitos para o Knesset em 1984, Kahane e seu partido Kach foram declarados racistas pelo governo israelense e proibidos de futura participação política por incitação.
Inspirando-se na ideologia de Kahane, Goldstein desenvolveu sua própria trajetória de atividade extremista. Em 1981, ele escreveu uma carta ao editor do New York Times, na qual ele declarou: “A dura realidade é que se Israel quiser evitar os conflitos encontrados hoje na Irlanda do Norte, deve agir de maneira decisiva para remover a minoria árabe de suas fronteiras”.
Em outubro de 1993 – após uma série de perturbações pelas quais ele já era bem conhecido entre as autoridades israelenses – Goldstein derramou ácido sobre tapetes de oração na Mesquita Ibrahimi, queimando grandes furos neles. Ele também agrediu seis religiosos palestinos, de acordo com o Instituto para o Entendimento do Oriente Médio (IMEU). Mais tarde naquele mês, acrescenta o IMEU, as autoridades muçulmanas escreveram ao então primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, alertando para os “perigos” que Goldstein representava. O escritório de Rabin supostamente não respondeu e as autoridades israelenses não tomaram nenhuma providência.
Não se sabe o que provocou Goldstein a executar seu massacre a fiéis palestinos naquele dia e naquela hora. É possível que ele tenha estado na Mesquita Ibrahimi na noite anterior ao ataque, quando as tensões entre os colonos israelenses e a comunidade palestina estavam intensas. No entanto, ele entrou na mesquita com uma espingarda Galil – uma arma de assalto semelhante à AK-47 – enquanto usava um uniforme do exército israelense. Depois de ter realizado o massacre, Goldstein tentou fugir, mas foi pego e espancado até a morte pela multidão. Como resultado, o caso nunca foi a julgamento. Seu túmulo em Kiryat Arba tornou-se um santuário para os colonos extremistas.
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O que aconteceu em seguida?
Os políticos israelenses foram rápidos em condenar o ataque, com o primeiro-ministro Rabin dizendo: “Vocês [colonos ilegais] não fazem parte da comunidade de Israel […] Nós dizemos a este homem horrível [Goldstein] e àqueles como ele: vocês são uma vergonha para o sionismo e um embaraço para o judaísmo”. Benjamin Netanyahu – que na época era o chefe do partido Likud na oposição do país – criticou as ações de Goldstein como “um crime desprezível” e expressou sua “condenação inequívoca”.
Em junho de 1994, Israel abriu uma comissão de inquérito que ficou conhecida como a “Comissão Shamgar”, com o nome do então presidente da Suprema Corte, Meir Shamgar. A comissão concluiu que as provas contra Goldstein eram absolutas e que suas ações foram premeditadas, rotulando-as como “um ato bárbaro e assassino no qual pessoas inocentes curvadas em oração a seu criador foram mortas”. Goldstein “aproveitou ao máximo” o “prestígio e confiança” que ele havia construído enquanto servia como oficial de reserva do exército israelense, a comissão alegou, acrescentando que “sua aparição na [Mesquita Ibrahimi], de uniforme, ostentando a insígnia de sua patente, criou a impressão concebida para remover todos os obstáculos de seu caminho”.
A comissão também observou que Goldstein agiu sozinho, ao contrário dos relatos de várias testemunhas oculares. Al-Rajabeh, por exemplo, disse à Al Jazeera que “viu mais dois homens no fundo da mesquita”. Um estava se movendo entre os dois, que estavam atirando”. A comissão, no entanto, concluiu que “não foi apresentada prova crível de que [Goldstein] foi ajudado, enquanto executava o assassinato ou antes disso, por outro indivíduo agindo como cúmplice”.
Shamgar recomendou que, a fim de evitar outro ataque deste tipo no futuro, “fossem adotados acordos destinados a criar uma separação completa entre os muçulmanos e os devotos judeus”. De fato foi isso que aconteceu; a Mesquita Ibrahimi tem sido dividida em duas seções – uma para judeus e outra para muçulmanos – desde então.
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Outras medidas também foram postas em prática em toda Hebron para garantir a separação completa das duas comunidades. A Rua Al-Shuhada, que já foi o centro comercial da cidade, foi fechada para os palestinos. Vendedores palestinos foram forçados a fechar suas lojas, com muitos agora comparando a outrora próspera rua a uma cidade fantasma.
Em 1997, o “Protocolo sobre a redistribuição em Hebron” – que fazia parte do Acordo Provisório assinado sob os Acordos de Oslo – viu a cidade dividida em duas zonas chamadas H1 e H2. H1 foi entregue à Autoridade Palestina (AP), enquanto H2 ficou sob controle israelense. A Presença Internacional Temporária em Hebron (TIPH) também foi fundada para monitorar a situação em Hebron e continuaria a operar sob os amparos das Nações Unidas, renovando seu mandato a cada seis meses.
Vinte e sete anos depois, o massacre de Goldstein ainda é visto como a faísca da situação em Hebron, que continua a se deteriorar ano após ano. A natureza brutal de seu ataque chocou o público israelense e a comunidade internacional e, combinado ao assassinato de Yitzhak Rabin em novembro de 1995 por outro colonizador de extrema direita, ajudou a semear a desilusão com o processo de paz de Oslo.
Para os palestinos, o massacre foi indicativo do perigo que representava o projeto de colonização ilegal de Israel. O cotidiano dos palestinos em Hebron, particularmente na Cidade Velha, tornou-se desde então insuportável, com a rua Al-Shuhada permanecendo fechada e a violência dos colonos contra os palestinos sendo uma prática regular. Em outubro, Israel anunciou que investiria US$ 6 milhões para expandir um assentamento ilegal perto da Rua Al-Shuhada, que supostamente incluiria 31 unidades de assentamento, um jardim de infância e outras instalações públicas para uso exclusivo do povo judeu.
O movimento Kahane que inspirou o ataque de Goldstein ainda hoje inspira a violência dos colonos contra os palestinos. Em dezembro, cartazes retratando o presidente da AP, Mahmoud Abbas, como um alvo para assassinato, apareceram em toda a Cisjordânia ocupada. Acreditava-se que a campanha tinha sido efetuada por Derech Chaim, um grupo de colonos israelenses extremistas com um histórico de perseguição. A organização é liderada pelo rabino de direita, Yitzchak Ginsburgh, que é conhecido por ter justificado as ações de Goldstein na Mesquita Ibrahimi há 27 anos.
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