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BRICS e a integração digital

Líderes empresariais de China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul [Foto Divulgação/Portal da Indústria]
Líderes empresariais de China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul [Foto Divulgação/Portal da Indústria]

Em setembro de 2020, o governo federal editou um decreto dando existência para a Agência Nacional de Proteção de Dados , diretamente vinculada à Presidência da República. No organograma do governo federal, a ANPD deveria estar alocada no âmbito do Ministério da Justiça ou na pasta das Comunicações. Como a “administração” de Jair Bolsonaro centra muitos esforços no uso de dados e na comunicação cibernética, termina acumulando uma série de órgãos voltados à defesa interna ou temas afins. Este por si só já seria outro equívoco, considerando que a capacidade de ataque cibernético externo é muito superior aos possíveis ataques internos e vazamentos (reconhecendo que estes últimos ocorrem em abundância).

A ANPD tem como base a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709 de setembro de 2018), cuja redação final é o texto legal, com mensagens de veto da Presidência, datado de julho 2019 (13853/2019). Na redação final de 2019, no Art. 55-J. das competências da ANPD, destacamos os itens II e IX, conforme segue:

II – zelar pela observância dos segredos comercial e industrial, observada a proteção de dados pessoais e do sigilo das informações quando protegido por lei ou quando a quebra do sigilo violar os fundamentos do art. 2º desta Lei;

IX – promover ações de cooperação com autoridades de proteção de dados pessoais de outros países, de natureza internacional ou transnacional.

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Supostamente, não há contrassenso algum nesses dois itens e, menos ainda, na promulgação de uma Lei de Proteção de Dados Pessoais e uma agência de porte para contemplar essa base legal. O problema da dimensão transnacional da economia digital está contemplado na estrutura da ANPD com a função de Coordenação-Geral de Relações Institucionais e Internacionais . A crítica vai ao encontro da falta de visão estratégica e de uma relativização da agenda dos BRICS.

E a agenda integrada com os BRICS?

Em novembro de 2019, antes da pandemia, foi realizado o Fórum Empresarial dos BRICS em Brasília. O evento ocorreu depois da promulgação da LNPD e da ANPD, e demonstra a evidente ausência de estratégia de integração do Brasil pós-golpe de 2016. Por um lado, a China é a maior parceira comercial do país, mas por outro, esta relação se vê rebaixada ao papel agro-mineral-exportador brasileiro, considerando que o eterno “gigante do Sul” não esteve à altura da composição da nova arquitetura financeira mundial, em ascensão já no primeiro governo da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Na Sexta Cúpula dos BRICS, realizada em Fortaleza (julho de 2014), foi apontada a decisão de “Alcançar simultaneamente crescimento, inclusão, proteção e preservação para cada uma de suas economias”. A reunião começou com a assinatura dos acordos para a criação do banco do desenvolvimento dos BRICS, com um capital inicial de 50 bilhões de dólares, que financiará projetos de infraestrutura e de um fundo de contingências de 100 bilhões de dólares para apoiar países em crise com suas balanças de pagamento. O tema escolhido para esta Sexta Cúpula de chefes de Estado do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, realizada na cidade de Fortaleza, foi “Crescimento Inclusivo: Soluções Sustentáveis”. De acordo com a declaração, a temática de análise dos presidentes “coincide com as políticas macroeconômicas e sociais inclusivas implementadas” pelos governos do bloco “com o imperativo de enfrentar desafios à humanidade postos pela necessidade de se alcançar simultaneamente crescimento, inclusão, proteção e preservação”. .

Evidente que esses rumos já apontavam uma alternativa também para a América Latina, já que a reunião de Fortaleza se deu após os dois primeiros golpes da Era Obama. O primeiro ocorreu em Honduras (junho de 2009) e o seguinte no Paraguai (junho 2012). Na sequência tivemos, no Brasil, o golpe com apelido de impeachment, em abril de 2016. Já na Era Trump houve a fraude eleitoral novamente em Honduras (novembro de 2017), o golpe de Estado na Bolívia (novembro de 2019) e, agora, na nova Era Biden, estamos vendo perigosas manobras das OEA na “recontagem” de votos no primeiro turno das eleições do Equador (fevereiro 2021).

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Não há “coincidência” neste nível da disputa geopolítica. A participação de nosso país no Sistema Internacional através de uma Política Externa Independente traz consigo as potencialidades do Continente, mas também um aumento de operações de vigilância e de tipo “corações e mentes” por parte do Império. As ações de tipo “regime change” e “revoluções coloridas” passam, necessariamente, pela manipulação das redes sociais e do bombardeio massivo de mensagens de ódio. Logo, o alinhamento no âmbito digital com plataformas abertas de uso comum no padrão dos BRICS é tão relevante quanto derrotar o dólar como moeda padrão das transações internacionais, bem como a criação de um sistema de trocas e compensação interbancária que não seja ameaçado por bloqueios e vetos de Washington, como é o caso do ainda quase onipresente Sistema Swift.

Como dissemos no primeiro artigo sobre os BRICS e o Sul Global , um dos papeis do Brasil seria o de atuar como enlace entre o eixo eurasiático formado por China, Rússia e Índia e as relações Sul-Sul, tanto no âmbito latino-americano como no sul-atlântico, e os intercâmbios constantes como nosso continente coirmão, a África. Dessa forma, uma agenda de comutação de padrões da economia digital e suas respectivas plataformas forma uma meta estratégica de modo a não depender da segurança (ou da insegurança) cibernética dos Estados Unidos, algo deveras demonstrado por diversos estudos, incluindo a basilar denúncia de Edward Snowden.

A necessidade de soberania e integração 

Uma das maiores preocupações para quem estuda o Sistema Internacional atual é a capacidade de internalização de interesses externos e, no limite, a transnacionalização de causas e conflitos. Em parte é quase impossível conter esse movimento, mas é preciso tomar algumas precauções. Não estamos diante de uma Nova Guerra Fria (não ainda ao menos) e como tal o Brasil tem espaço de sobra para alinhar-se conforme as melhores oportunidades internacionais apareçam. Por exemplo, uma agenda integrada dos BRICS poderia conter cláusula de transferência e desenvolvimento científico-tecnológico, incluindo financiamento para ampliação de capacidade instalada. Tanto o marco legal como a missão de Coordenação Institucional e Internacional da ANPD poderia – deveria – prever essas metas permanentes. Óbvio que esperar qualquer posição consequente e ousada nesse sentido do “governo” Bolsonaro é uma perigosa ilusão. Ao contrário, parece que cada passo dado pela “administração do Jair” termina indo mais à direita, no rumo do colonialismo interno.

Nosso país tem ainda uma massa crítica de cientistas e desenvolvedores tecnológicos, embora vivamos sob a demencial tentativa de deslegitimar a ciência e consequente fuga de cérebros. Um Brasil soberano, integrado nos BRICS, trazendo de forma altiva a América Latina e integrando-nos com a África e o Oriente Médio é fundamental. Para tanto é urgente avançarmos em plataformas de integração que não estejam subordinadas aos parâmetros securitários dos departamentos de Justiça e de Estado do Império e que, simultaneamente, nos permitam apontar saídas para além do padrão do BIS e do Sistema Swift. Tudo isso é tecnologicamente possível e diplomaticamente alcançável. Se modificarmos as correlações internas, no médio prazo, podemos voltar a influenciar em escala global.

Esperamos que a nova lei de proteção de dados e o acionar da ANPD não sejam mais um obstáculo para alcançarmos a soberania e a autodeterminação através dos BRICS e do Sul Global.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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