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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

O governo do mundo do Facebook

Logo do Facebook [Foto internet]
Logo do Facebook [Foto internet]

Na última semana, funcionários do Monitor do Oriente Médio (MEMO) de Londres preparavam um evento conjunto com o Afro-Middle East Centre (AMEC) em Joanesburgo, África do Sul, quando o responsável pela divulgação nas redes sociais foi surpreendido pela suspensão de seu direito de publicar no Facebook por um mês. Estranhamente, o motivo seria o próprio anúncio do evento, conforme informação obtida pelo MEMO.

Tratava-se do lançamento de um livro de interesse político e acadêmico sobre um dos principais atores na resistência palestina contra a ocupação israelense, o movimento Hamas, escrito pelo diretor internacional do MEMO, portal de notícias internacional sobre o Oriente Médio, Daud Abdullah.

Lançado recentemente no Reino Unido pela editora Memo Publishers, a obra Engaging the World: the Making of Hamas’s Foreign Policy, (Envolvendo o Mundo: a Construção da Política Externa do Hamas, com lançamento em breve de edição em português)  é  prefaciada e recomendada por figuras conhecidas quando o historiador israelense Ilan Pappé e o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim. Ambas têem em comum a solidariedade com o povo palestino e o questionamento da ocupação da Palestina e o cerco à Faixa de Gaza.

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Considerando a possibilidade de engano, MEMO utilizou os canais ddo próprio Facebook para recorrer da censura e, mais estranhamente ainda, os argumentos atestando a qualidade e seriedade da informação divulgada não foram aceitos e a suspensão foi mantida. Ou seja, não tratou-se de falha provocada por algorítmo ao confundir desagrado do público sionista com algum tipo de incitação real à violência. Foi uma deliberação humana, consciente, e definida pela corporação global, de censura a uma obra dissonante com o discurso de Israel.

Desde outubro do ano passado, o Facebook conta com um Conselho de Supervisão, formado por personalidades escolhidas pela corporação para avaliar situações e conflitos que os algorítmos, sozinhos, ainda não são capazes de dirimir. Ou seja, há pessoas por trás das decisões corporativas que poderão chegar a mudar a decisão do Facebook, só que bem depois do estrago feito.

Ocorre que, desde o início, o funcionamento do conselho gerou dúvidas e até mesmo o anúncio de outro conselho independente e rival, pelo fato de que o início programado das atividades e o prazo de até 90 dias para decisões do primeiro evitava, por exemplo, a rápida análise de eventual uso da rede para abusos nas eleições dos Estados Unidos. Aque o Conselho se manifeste, valem as decisões do Facebook. E em comunicação, 90 dias são uma eternidade.

Fatos preocupantes recentes apontam para uma ação perigosa da rede em barrar a divulgação da cobertura de determinados acontecimentos e punir jornalistas e fotógrafos que tentam fazê-lo.

O último episódio ocorreu na terça-feira (2) na Grécia, quando a rede social retirou do ar fotos de um protesto em favor do pedido de transferência de um preso em greve de fome já em estado crítico e levado à UTI. O homem em questão é Dimitris Kufodinas,  condenado à prisão perpétua pela morte de onze pessoas e que reivindicava ser colocado em uma prisão mais próxima de sua família. Não atendido, parou de comer desde janeiro, em protesto.  Mas o fato é que o Facebook não bloqueou algum tipo de manifestação do preso ou em favor de seus crimes, mas sim a cobertura jornalística de um protesto realizado por cerca de três mil pessoas em frente ao Parlamento de Atenas, mobilizadas pela situação de Kudofinas à beira da morte.

É como se, em janeiro deste ano, durante a invasão do Capitólio nos Estados Unidos contra o reconhecimento da vitória de Joe Biden, o Facebook não tivesse suspendido o perfil do ex-presidente Donald Trump, por ter insuflado os atos de violência,  mas proibisse a cobertura da invasão. Que e em lugar do incitador, tivesse punido os cinegrafistas que gravaram as cenas.

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No caso da Grécia, os censurados foram os fotógrafos e cinegrafistas que fizeram a cobertura e cujos nomes estão no site da revista Isto É: Tatiana Bolari, trabalhando para a agência grega Eurokinissi. Ela denunciou, que pelas normas da rede social, é como se o evento jamais tivesse ocorrido, e não houvesse pessoas protestando, nem mesmo ela cobrindo; Lefteris Partsalis, trabalhando para a CNN na Grécia, proibido de fazer transmissões ao vivo de vídeos por um mês;  Marios Lolos, trabalhando para a agência chinesa Xinhua, além do advogado de direitos humanos Thanassis Kampagiannis, os dois igualmente sancionados pela rede social.

O Facebook justifica suas normas de exclusão como “um esforço para evitar e acabar com os danos no mundo real”. Em nome disso, afirma em seus Padrões de Comunidade: “Não permitimos que organizações ou indivíduos que anunciem uma missão violenta ou que estejam envolvidos em violência tenham uma presença no Facebook.” E acrescenta mais adiante: “ Também removemos conteúdo que expresse apoio ou exalte grupos, líderes ou indivíduos envolvidos nessas atividades.”

Ocorre que a rede social, como organização privada, arrogou-se o direito de decidir que tipo de informação ou acontecimento se encaixa nessa padrão e, a seu critério, qual deve ser banido e quem deve ser punido com a censura. Acabou por mirar o próprio jornalismo para definir o que deve ser coberto, investigado ou transmitido.

Outro problema da rede social ao aplicar seus critérios é demonstrar que, na sua pretensa neutralidade, a corporação tem um lado.

No ano passado, a organização britânica Human Rigths Polices, denunciou uma ação ampla do Facebook para eliminar milhões de contas no Oriente Médio e Norte da África, suspendendo perfis de blogueiros e jornalistas palestinos. A ong pediu o fim dos bloqueios e sugeriu ao Conselho de Supervisão que os critérios da rede social podem estar relacionados com a parcialidade dos seus pontos de vista, propondo que se observe: “particularmente se a localidade geográfica de seus escritórios possui qualquer impacto em práticas relacionadas a direitos humanos”

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Segundo a Al Jazeera, esse olhar enviesado pode ser fruto de um acordo desde o final de 2016, entre o Facebook e o Ministério da Justiça de Israel, para monitoramento das contas palestinas.

O fato é que o Facebook é muito mais do que uma rede privada com regras internas que só dizem respeito à corporação e o que ocorre em nome dos seus padrões de comunidade tem muito mais a ver com uma justiça paralela do que obediência aos tratados e convenções internacionais.

A empresa tem cerca 2.701 bilhões de usuários ativos mensalmente no mundo e cerca de 130 milhões de usuários só no Brasil, concentrando também as contas e dados do Instagram e Whatsapp. Com algoritmos que identificam padrões de comportamento em toda rede,  o Facebook adquiriu poder de seleção e direcionamento de conteúdos conforme interesses ou negócios específicos.

Desde seus primeiros likes em 2015, passou a construir seus códigos de modo a personalizar e melhorar a experiência de cada usuário, detectando preferências, conexões habituais e modo de uso das redes.  Por outro lado, essa captura de padrões gerou um manancial imenso de informações  sobre tendências, sensibilidades e vulnerabilidades dos milhões de  segmentos de usuários.

Quer por vazamento, transferência, censura, ou venda do impulsionamento ou direcionamento de conteúdos, a rede social adquiriu poder político para incidir nos humores e posicionamentos da sociedade. E isto há muito tempo deixou de ser assunto de interesse apenas do mercado ou do mundo corporativo. Trata-se do desenvolvimento de ferramentas que, por um lado, podem ser empregadas para ajudar a humanidade a conhecer a si mesma – o que já é motivo para que seu futuro não fique nas mãos de Mark Zuckerberg ou representantes alheios à realidade dos conflitos distantes do senso comum ocidental. Ainda está para se ver a eficácia do Conselho de Supervisão quando chegar a questionar a própria hegemonia da rede na produção dos imaginários.

Por outro lado, é um meio infindável de acessos à sociedade que pode ser empregado para o bem ou para o mal, dependendo de como seus dados sejam padronizados, processados e em favor de qual poder, Estado ou modelo de mundo.  Na América Latina, e particularmente no Brasil, sabemos como a apropriação política de dados, seja por estratégias de deep state ou por comércios na deep web, ajudou a mobilizar pessoas em favor dos golpes brancos contra as ainda frágeis democracias.

O que a sociedade mobilizada pode fazer é contrário da censura corporativa, é a compreensão de que as redes sociais devem funcionar em seu favor, sem monopólios sobre o universo das relações na internet como hoje ocorrem, e que as muitas redes possíveis sejam orientadas por padrões que não representem tribunais paralelos e que respeitem  a diversidade das expressões humanas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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