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Legislação para revogar cidadania argelina quer sufocar vozes dissidentes

Mulheres argelinas entoam palavras de ordem durante protesto contra o governo na capital Argel, em 8 de março de 2021 [Ryad Kramdi/AFP via Getty Images]
Mulheres argelinas entoam palavras de ordem durante protesto contra o governo na capital Argel, em 8 de março de 2021 [Ryad Kramdi/AFP via Getty Images]

O governo da Argélia estuda um projeto de lei que permitirá revogar a cidadania de qualquer argelino na diáspora que as autoridades considerarem agir contra interesses nacionais. Trata-se de uma medida que provavelmente reduzirá ainda mais as chances de uma mudança política efetiva no país assolado pela crise.

As medidas severas contra oponentes políticos refletem a profundidade e a escalada da crise argelina. O Ministro da Justiça Belkacem Zeghmati propôs a legislação, capaz de atingir todos os cidadãos argelinos que vivem no exterior, acusados de prejudicar interesses do estado, ferir a união nacional, recrutar-se a grupos considerados terroristas e financiar ou defender suas ações. Embora a oposição denuncie o projeto como passo adiante à repressão e exclusão, apoiadores do governo o consideram como forma de impedir supostas distorções da imagem internacional do país e mesmo eventuais conspirações.

A questão remete à tensão e ao cálculo político sobre os quais repousam e são construídas as relações entre governo e oposição. Entretanto, o atual governo argelino tenta agora aumentar seu controle sobre adversários em potencial. Por exemplo, Amer Garash é um jovem que esteve na vanguarda do movimento de protesto popular da Argélia desde seu início, em 2019, no estado de Ouargla. Ninguém jamais ouviu falar dele até ser condenado a sete anos de prisão por acusações ligadas a “terrorismo”. Seus advogados reiteram que a promotoria não apresentou qualquer evidência para sustentar o caso. Muitos acreditam que a sentença foi meramente um alerta a jovens manifestantes que voltaram às ruas com palavras de ordem contra o governo, resolutos em suas demandas, sem alternativas políticas viáveis perante concessões frágeis, que mantêm intactas as instituições do estado.

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A proposta legislativa de revogar a cidadania concentra-se em ativistas argelinos no exterior, sobretudo Europa, críticos do regime nas redes sociais, que buscam mobilizar seus compatriotas em casa para protestos e grupos de oposição. Talvez o caso mais notável citado pela mídia seja do Movimento Rachad, liderado por militantes da extinta Frente de Salvação Islâmica e figuras independentes sem qualquer vínculo notório a facções políticas, embora bastante hostis ao atual governo. Outro exemplo distinto é o movimento separatista comandando por Ferhat Mehenni, que demanda autonomia na região de Kebylia, marcado pelo fato de ser apoiado apenas por Israel.

Novos protestos tomaram as ruas da capital Argel. Milhares de pessoas reivindicam um governo absolutamente civil; outras repudiam veementemente as emendas propostas à Lei de Nacionalidade. Segundo a imprensa estatal e privada, as manifestações são maculadas por slogans que exploram os protestos populares para emitir mensagens “terroristas” à segurança da Argélia. A mesma mídia fala sobre supostas descobertas de agências do estado sobre redes de apoio, planos para desestabilizar a segurança pública e mesmo uma bomba instalada na capital. Tais relatos são remanescentes de fato da década de 1990, com as mesmas táticas de medo e questões emergentes sobre o presente político, que carece de racionalidade, compreensão e calma. Algumas palavras ao vento também desbravaram seu caminho ao movimento popular, como “inteligência terrorista” e “abaixo à máfia militar”. Desta forma, há receios dentre os manifestantes mais comedidos de que ocorra um curto-circuito, no qual os protestos poderiam perder conquistas que só poderiam ser alcançadas através de uma abordagem mais pragmática, adotada pela maioria do movimento via concessões mútuas e acordos possíveis.

Manifestante argelino exibe cartaz contra o governo, em Argel, capital da Argélia, 9 de março de 2021 [Ryad Kramdi/AFP via Getty Images]

Revogar a cidadania é uma medida que remonta a outras leis que requerem aos argelinos que desistam de qualquer cidadania estrangeira para que se candidatem a posições de destaque no funcionalismo público. Tal tendência é vista como exclusão sistemática e politicagem deliberada. Portanto, há ainda a questão da integridade na aplicação do projeto lei, dado que a suspeita ou acusação de traição incide a todos que tenham opiniões divergentes da política do governo – característica óbvia da maioria dos regimes totalitários. Defensores da lei alegam que, segundo estimativas oficiais, a traição é citada como justificativa para revogar cidadanias em até quinze estados-membros da União Europeia. Contudo, aqueles que a rejeitam destacam que há uma enorme diferença entre a democracia na Europa e o simulacro miserável de democracia na Argélia e outros estados árabes.

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Quanto a acusações de “agir contra os interesses do estado” e “prejudicar a união nacional”, tratam-se de crimes impossíveis de serem definidos ou determinados, sobretudo no que se refere às flutuações políticas e opiniões. Muitos temem que a proposta legislativa criminalize atos políticos, restrinja o debate e reprima divergências de ponto de vista. Em suma, a legislação para revogar a cidadania de argelinos “desordeiros” servirá sobretudo para sufocar vozes dissidentes. Desta forma, denunciam os críticos, abrirá caminho para um estado de exceção que controla toda a vida política na Argélia.

As palavras do falecido político argelino Abdelhamid Mehri têm particular relevância perante o caso: “Haverá um dia no qual o regime na Argélia buscará uma oposição responsável e honesta para ajudar a conter a fúria popular; porém, não achará ninguém”.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Al-Araby Al-Jadeed, em 9 de março de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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