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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Dos Diários de Um Médico Árabe na Amazônia

Parte 3
Floresta Amazônica [Flick]
Floresta Amazônica [Flick]

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Parte 2

O Treinamento Militar

O grupo de aspirantes-a-oficial composto por médicos, dentistas e farmacêuticos deveria passar por um período de treinamento militar básico, de quarenta dias, antes do início das atividades de atendimento à população amazônica na área da saúde. O nosso grupo seria dividido em três partes de saúde. O nosso grupo seria dividido em três partes após o treinamento: 1) o grupo deixado a servir no Hospital de Guarnição, na cidade (eram cerca de dez membros); 2) O grupo do batalhão (cerca de quinze membros), que seria distribuído aos quartéis dos pelotões de fronteira localizados na selva (com um trio composto por um médico, um dentista e um farmacêutico, para cada um de cinco pelotões de fronteira, do total de sete pelotões de fronteira), além de um grupo de dois médicos, um dentista e um farmacêutico que ficariam na sede do batalhão, na cidade; 3) o menor grupo, com apenas um médico, um farmacêutico e um dentista, deveria servir na sede da brigada.

O nosso treinamento teve início oficial na nossa primeira segunda-feira em São Gabriel da Cachoeira-AM. O treinamento do grupo inteiro realizar-se-ia na sede do Quinto Batalhão de Infantaria de Selva, após o qual a distribuição seria feita para os mais diversos pontos de serviço, com período mínimo obrigatório de um ano, podendo ser prorrogado se fosse do interesse do oficial do serviço de saúde. Os membros designados para o hospital e para a brigada estavam relativamente mais tranquilos e calmos, pois já sabiam de antemão que iriam ficar na área urbana da cidade. Passado o período de treinamento de quarenta dias, seriam livres para morar na cidade, fora do quartel. A ansiedade maior estava no grupo do batalhão, pois a distribuição para os diversos pontos de fronteira seria feita somente após o término do treinamento. Ou seja, o período de treinamento seria decisivo para o destino de cada um dos membros do grupo do batalhão. Eu fazia parte do grupo do batalhão. E, mesmo com todos os desafios e dificuldades inerentes a este fato, hoje me considero um dos sortudos do grupo.

O comandante do Quinto Batalhão de Infantaria de Selva, um coronel de infantaria, iniciou o período de treinamento com uma palestra prolongada na manhã da nossa primeira segunda-feira são-gabrielense. Era um homem de meia-idade, com aparência de cerca de 50 anos de vida, de estatura média e biotipo mediolíneo, com traços morenos que lembram os dos povos mediterrâneos e ibéricos. Com o seu sotaque carioca típico, e seus tradicionais óculos de grau, tinha uma postura um tanto grave, capaz de inspirar respeito mesmo sem proferir uma única palavra. Esta é a figura do coronel Rezende que, na palestra inaugural do nosso período de treinamento, não poupou palavras para enfatizar a importância e a necessidade de cada um de nós imbuir-se do espírito militar. Segundo ele, antes de médicos, farmacêuticos e dentistas, agora deveríamos ser , sobretudo, militares. Na visão dele, estarmos militares naquele momento tinha ascendência sobre sermos profissionais de saúde.

A fala do coronel inspirou mais temor do que entusiasmo no grupo. Estava nítido que o nosso período de treinamento e serviço não seria nada fácil. O discurso do coronel não foi nada alvissareiro. O recado dele era, em outras palavras, o seguinte: “vocês sabem todo o esforço que vocês e suas famílias tiveram para estudar, formar-se e serem os profissionais que são hoje? Pois bem. Tudo isso está em décimo plano agora diante da farda que vocês estão a vestir.” É óbvio que estas não foram as exatas palavras do coronel, mas o teor básico de sua verborrágica palestra, cheia de gestos e interjeições, foi este.

Numa instituição cujos pilares são hierarquia e disciplina, ficaria muito difícil esperar outra postura do coronel. É verdade que traços de personalidade, de caráter e habilidades, variam entre indivíduos, mas, no caso das Forças Armadas, a instituição molda os indivíduos de tal forma que fica muito difícil fugir dos estereótipos. Aliás, poucas instituições hoje em dia são tão afeitas a lugares-comuns e estereótipos quanto o exército. E isto é algo de se esperar numa instituição em que o posto ou graduação militar prevalecem sobre a individualidade do seu ocupante. Há um papel a ser desempenhado por qualquer capitão, major ou sargento, independentemente de quem seja a pessoa que carrega este título. Poucas vezes na minha vida testemunhei tanta rigidez e “engessamento” de pessoas e idéias quanto na minha experiência no exército. Portanto, independentemente de quem seja o coronel Rezende nos momentos de folga, durante o expediente e em serviço, não poderíamos esperar uma fala ou uma postura diferentes.

Saímos da palestra do coronel com muito mais dúvidas do que certezas, com muito mais temor do que tranquilidade. Os semblantes dos cerca de trinta jovens aspirantes-a-oficial exibiam com nitidez estes sentimentos. Havia uma minoria de mulheres no grupo (aproximadamente um sexto do grupo). O mesmo treinamento que seria aplicado aos homens, as moças deveriam receber. Não teria diferenças nem privilégios. A única particularidade era que as moças, por motivos óbvios, não instalaram-se nos alojamentos masculinos do quartel. Até hoje (cerca de treze anos após os fatos aqui relatados) se houve alguém da ala feminina que ficou alojado no quartel. As ocupações e preocupações naquela jornada eram tantas, que não me ative a este fato. Me lembro que uma das dentistas do grupo era a esposa de um simpático capitão, de sotaque carioca.

Portanto, em todas as etapas do treinamento militar, as mulheres iriam participar das mesmas atividades dos homens. Isto se aplica mesmo à fase final do treinamento, com duração de um pouco mais de uma semana, que é a etapa denominada “sobrevivência na selva”. Para o nosso grupo, não tratava-se do mesmo treinamento de sobrevivência dos militares de carreira, com duração de semanas, e extremamente extenuante e arriscado, mas era apenas um “aperitivo”. Mesmo assim, este aperitivo seria um grande desafio para indivíduos até então acostumados ao conforto da civilização.’

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Ordem Unida

A primeira fase do treinamento consistia na “ordem unida”. O grupo deveria ser iniciado na vida militar e deveria ser doutrinado na cultura da caserna. A ordem unida consiste no conjunto de regras e convenções que regem a vida da tropa em serviço. Todos os elementos constituintes da caserna devem obedecer aos ditames da ordem unida. Portanto, todos os ingressantes na vida militar devem receber treinamento na ordem unida. Desde a marcha militar, até a continência, e todos os modos e hábitos de um militar, são aspectos contemplados na ordem unida.

Durante o nosso treinamento, o nosso primeiro compromisso do dia era entrar em forma exatamente e quase invariavelmente às 6:00 da manhã, em ponto, em frente ao refeitório, para realizar a refeição do café-da-manhã. Todo o grupo deveria dirigir-se ao refeitório, com farda e coturno, de banho tomado e barba feita, para apresentar-se ao tenente responsável pelo nosso treinamento. Feita a refeição do desjejum, o próximo passo era dirigir-se de novo ao alojamento para escovar os dentes e trocar a farda e o coturno pelo uniforme do treinamento militar e o tênis ( o uniforme do treinamento militar era uma camiseta regata, de algodão, branca e um short curto, de material sintético, verde). O treinamento físico consistia em várias atividades, sendo a corrida uma das mais importantes delas.

Por volta das 10h, o treinamento físico encerrava-se e, então, dirigíamo-nos ao alojamento, mais uma vez, para tomar banho e vestir farda e coturno novamente. Geralmente, na parte da manhã tínhamos alguma palestra ou treinamento de ordem unida. Por volta do meio-dia, entrávamos em forma mais uma vez ao dia para o almoço. Entrar em forma, no linguajar militar, significa o grupo reunir-se de forma disciplinada em fileiras para apresentar-se ao comandante. Quem apresenta o grupo para o comandante é o mais antigo do grupo. A antiguidade, nas forças armadas, é medida pela graduação ou posto (quanto mais elevada a graduação ou o posto, mais antigo é o militar), ou pela idade (usada quando dois militares pertencem à mesma graduação ou posto). O atributo posto é exclusivo para oficiais. Os graduados (subtentes, sargentos, cabos e soldados) tem a graduação como atributo). À tarde, tínhamos mais palestras ou atividades de ordem unida, principalmente marchas e comandos. O dia de treinamento costumava encerrar-se por volta das 17 h. Raramente este horário era ultrapassado. O curso de sobrevivência na selva teve uma rotina bem mais intensiva.

Geralmente, eu era o primeiro membro do meu alojamento a despertar, por volta das 5:00 h. Ia logo fazer a barba e tomar banho. Como é típico de quartel, as áreas de banho não tinham barreiras para preservar a privacidade de quem toma banho, e não tinha como todos do alojamento tomarem banho ao mesmo tempo. O número de chuveiros era menos que a metade do número de membros do alojamento. Aos poucos, os colegas iam levantando-se das beliches e dirigindo-se aos banheiros. Em quase todos os dias, o grupo inteiro apresentava-se pontualmente às 6:00 h para o café-da-manhã. Em caso de atraso de algum membro, o retardatário era repreendido pelo responsável pelo nosso treinamento.

Fazíamos as nossas refeições no refeitório de oficiais, que fica ao lado do refeitório de graduados (sargentos, cabos e soldados). Caso ao adentrarmos no refeitório tivesse algum oficial mais antigo realizando a sua refeição, a nossa obrigação era prestar continência a ele e pedir licença para adentrar no recinto. A mesma formalidade deveria ser seguida na hora da saída do recinto. Caso alguma oficial mais antigo estivesse lá, a regra é dirigir-se a ele e solicitar permissão para retirar-se do recinto, acompanhada de uma continência. Por aí, denota-se que a vida na caserna é repleta de formalidades e cerimônias. E, para nós, que estávamos sendo iniciados nestes rituais militares, muitas vezes não ficávamos muito à vontade com tanto trato cerimonioso.

Os Tenentes

Os responsáveis pelo nosso treinamento eram dois jovens tenentes , com idade por volta dos meados da terceira década, que é, mais ou menos, a mesma faixa etária da maior parte dos integrantes do grupo. O mais antigo dos dois tenentes era o tenente Kohl. Alto, magro, de tez morena, tinha um aspecto reservado e um tanto grave apesar da jovem idade, era oficial de carreira formado na Academia Militar das Agulhas Negras, escola de formação de oficiais em Rezende-RJ. O outro era o tenente Sena. De estatura mediana, e com um pouco de sobrepeso, tinha os traços e o sotaque típicos da região Nordeste do país. Era menos formal e cerimonioso que o seu colega mais antigo e, às vezes, permitia-se fazer alguns gracejos conosco. Não se isso tem a ver com o fato de ele ser oficial temporário (assim como todos do nosso grupo eram).

Portanto, os responsáveis pelo nosso treinamento eram tão jovens quanto nós, embora houvesse uma minoria de membros do grupo que já estavam na quarta década de vida. O coronel Rezende, comandante do batalhão, orientava e comandava o treinamento de longe. Mas quem estava no dia-a-dia conosco eram o tenente Kohl e o tenente Sena. Enquanto nós, recém-egressos das escolas de Medicina, Odontologia e Farmácia, estávamos no início da nossa carreira profissional, estes jovens oficiais já encontravam-se numa posição profissional mais confortável. Era um pouco estranho para nós sermos treinados por oficiais tão jovens quanto nós. E era difícil aceitar a hierarquia e disciplina por este fato. Mas, no final, todos nós acabamos aceitando as regras da caserna.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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