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O vírus da negação da política que asfixia o Brasil

Protesto pelas mortes na pandemia [ONG Rio de Paz]
Protesto pelas mortes na pandemia [ONG Rio de Paz]

A aparição de um Lula liberto e eloquente, na última semana, mexeu com os espíritos renitentes brasileiros, quase fazendo o interesse pela democracia despertar de um sono profundo. No momento, o sono se confunde com o pesadelo da pandemia.

Um efeito visível dos holofotes postos no ex-presidente foi a reação marqueteira do governo de Jair Bolsonaro, vezeiro em criar fatos mais midiáticos do que aqueles que o ameaçam.  Lula livre, em um cenário de mortandade crescente, colapso da saúde, falta de vacinas e governadores tomando a cena que deveria ser ocupada pelo governo federal, suscitaram uma nova movimentação no Planalto.

A troca de ministro chegou a animar a imprensa com a ilusão de uma virada  na política da Saúde. Mas passada a hipnose midiática induzida, ficou bem entendido que a troca deve ser vista como mais do mesmo. Quem continua mandando é o negacionismo de Bolsonaro e a pandemia avança tirando e ameaçando vidas. Quase 2.800 mortes em 24 horas revelam nesta quarta-feira (17) que um quadro pavoroso como o vivido em Manaus em fevereiro com a falta de oxigênio está se reproduzindo pelo país agora com a falta de tudo – leitos, medicações, vacinas e respostas.

Resgatar alguma sensatez na vida nacional tem sido um esforço real de parcelas atônitas da sociedade, movimentos sociais, partidos de esquerda, progressistas ou mesmo os minimamente democráticos.  Porém é difícil vencer a  eloquência do ódio e dialogar com a loucura do desprezo pela vida, produto da cegueira enraivecida que levou a família Bolsonaro ao poder.

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Agravando a tragédia do vírus que se alastra entre brasileiros, o delírio autoritário que infectou o Brasil nos últimos anos ainda não foi debelado. Desde que o uso malicioso das leis, da mídia e das instituições empurrou legiões para o teatro de horror que foi o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, ficou difícil explicar aos extremistas que a liberdade para atacar o STF, por exemplo, não é tolerável na democracia. Não é legal. Nem constitucional.

O deputado federal bolsonarista, Daniel Silveira, aquele que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco, executada há três anos em crime até hoje não esclarecido, e que atacou juízes do STF e agora usa tornozeleiras em prisão domiciliar; e o empresário  José Sabatini que resolveu ameaçar ex-presidente em vídeo divulgado na rede, e que também virou caso de polícia, ambos ainda se apoiam e acreditam no ambiente reacionário criado para manipular as eleições de 2018 e a vida nacional.

Empresário do interior paulista divulga vídeo com ameaças a Lula [Reprodução/Youtube]

Empresário do interior paulista divulga vídeo com ameaças a Lula [Reprodução/Youtube]

A intimidação também é usada como arma para tirar o foco da pandemia, e criminalizar aponta o dedo para o governo,  como está acontecendo, desde segunda-feira (15), com a tentativa de enquadramento, do youtuber Felipe Neto na Lei de Segurança Nacional por ter chamado o presidente Bolsonaro de genocida.

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As reações aparecem nas redes sociais, mas ainda dependem de força popular para alterar a política e recolocar a democracia na ordem do dia. As trends no twitter começam a ser tomadas por hashtags como ParabénsBolsonaro, que o associa às mortes na pandemia, na semana passada #BolsonaroGENOCIDA, em solidariedade a Felipe Netto, na manhã de terça-feira (16).

A Rede Globo, que tanto interferiu na política e favoreceu o quadro atual se formasse, também tenta pressionar o governo a adotar políticas para enfrentar a pandemia descontrolada. Mas se esse é o mesmo governo instalado como arma sem freios para romper com a proteção do Estado a direitos, patrimônio e recursos assaltados pela política neoliberal, como cobrar que se ocupe da proteção da vida agora?

Quem promoveu a candidatura de Bolsonaro apesar de sua apologia à tortura, ou já fez sinal de arminha com as mãos, pode não achar difícil admitir que sua posição política mata. Bolsonaro nunca escondeu o que pretendia ser na condução do país. Mas quando as perdas de vida chegam perto demais – e nunca estiveram tão perto de cada um – a consciência provavelmente deve atormentar. Não é confortável para ninguém encarar o fato de que uma pessoa morre a cada dois minutos no Brasil, não por causa do coronavírus, mas do descaso de um governo eleito.

Uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo Instituto Data Folha de São Paulo indica que o apoio à política de Bolsonaro para a pandemia baixou de 36% em julho de 2019 para 22% e os que a reprovam subiu de 36% para 56% no mesmo período. Não seria preciso nem chegar a isso para afastar um governo incapaz de reconhecer calamidades.

Na política minúscula que asfixia o país, a mediocridade escatológica nos obriga a conviver com as mortes desnecessárias e a sensação de fim do mundo enquanto o governo acena a quem o sustenta com a promessa de novas privatizações. E assim continua passando a boiada.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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