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Política kafkaesca – As lições perdidas nas últimas eleições israelenses

Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, líder do partido Likud, discursa a apoiadores na sede de sua campanha em Jerusalém, 24 de março de 2021 [Emmanuel Dunand/AFP via Getty Images]
Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, líder do partido Likud, discursa a apoiadores na sede de sua campanha em Jerusalém, 24 de março de 2021 [Emmanuel Dunand/AFP via Getty Images]

Um “enorme revés” foi um tema recorrente em muitas das manchetes sobre os resultados das eleições gerais israelenses, na última semana. Embora se refira especificamente ao fracasso do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu em assegurar uma vitória decisiva na quarta eleição nacional em dois anos, trata-se apenas de parte da narrativa.

Certamente, foi um revés a Netanyahu, que recorreu insistentemente ao eleitorado israelense como último recurso para salvá-lo de uma antologia de problemas cada vez maior: divisões e dissidências em seu partido Likud; conspirações constantes de ex-aliados de direita; seu julgamento por reiteradas acusações de corrupção e fraude; e falta de perspectiva política para além de interesses próprios e familiares.

Ainda assim, o resultado foi o mesmo das três eleições anteriores, sem qualquer partido com maioria absoluta. Não obstante, uma coalizão terá de ser formada. O campo conservador de Netanyahu – seus parceiros de coalizão em potencial – consiste de partidos de direita e extrema-direita cada vez mais ardentes. Para além do Likud, que conquistou trinta assentos no Knesset (parlamento israelense), sua coligação inclui o Shas, com nove assentos; o Judaísmo Unido do Torá, com sete; e o Sionismo Religioso, com seis. Portanto, com apenas 52 assentos a seu dispor, a base de Netanyahu jamais foi tão vulnerável e tão extrema.

O partido Yamina, por outro lado, emergiu com sete parlamentares e consiste em um parceiro lógico na possível coalizão de Netanyahu. É liderado pelo contundente político de direita Naftali Bennett, ex-ministro do premiê em diversas ocasiões, que senta-se – em termos ideológicos – ainda mais à direita de Netanyahu. Político astuto, Bennett há anos tenta escapar da hegemonia de Netanyahu e alega ser a nova liderança da direita israelense. Juntar-se a mais outra coalizão encabeçada pelo Likud parece ser o melhor cenário ao ex-ministro, que, apesar da relutância, pode retornar ao campo de Netanyahu por ora, justamente por falta de qualquer alternativa.

Entretanto, Bennett também pode optar por um caminho mais radical, como tomado por Gideon Sa’ar, dissidente do Likud e líder do partido Nova Esperança, e Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu, ao tentar derrubar Netanyahu mesmo que signifique a composição de um governo frágil e efêmero.

LEIA: Líder da oposição israelense reúne-se com Mansour Abbas para tentar acordo

O campo de oposição a Netanyahu não parece ter muita consonância em termos políticos, ideológicos ou mesmo étnicos – aspecto crucial na política israelense –, salvo o desejo de livrar-se do atual primeiro-ministro. Caso uma coalizão anti-Netanyahu seja porventura costurada – unindo o Yesh Atid (dezessete assentos), Kahol Lavan (oito), Yisrael Beiteinu (sete), Partido Trabalhista (sete), Nova Esperança (seis), Lista Conjunta (seis) e Meretz (seis) —, ainda não teria os 61 assentos necessários para formar uma maioria de governo.

Para evitar novas eleições, pela quinta vez em menos de três anos, uma coalizão de oposição seria forçada então a transpor uma série de linhas vermelhas no âmbito político. Por exemplo, ex-aliados antipalestinos de Netanyahu, como Lieberman e Sa’ar, teriam de aceitar coligar-se com a Lista Conjunta, aliança de partidos árabes no Knesset. Esta teria de conduzir um salto de fé semelhante e cooperar com partidos políticos expressamente racistas e beligerantes. Para assegurar a maioria, porém, teriam ainda de obter apoio do Yamina de Bennett ou da Lista Árabe Unida (Ra’am), dissidência da Lista Conjunta, liderada por Mansour Abbas.

Gants e Netanyahu aguardam as consequências da formação do governo israelense [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Gants e Netanyahu aguardam as consequências da formação do governo israelense [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Bennett é notório por seu rigor ideológico e compreende que uma coalizão com árabes e grupos de esquerda pode prejudicar sua base política de direita e extrema-direita. Caso aceite unir-se a tais grupos contra Netanyahu, seria pelo único propósito de aprovar uma legislação para impedir que políticos sob julgamento participem das eleições – a principal estratégia de Lieberman há algum tempo. Uma vez concluída a missão, tais companheiros políticos nada usuais voltariam a estranhar-se para reivindicar o trono de Netanyahu dentre a direita israelense.

Para a Lista Árabe Unida de Abbas, contudo, a história é bastante diferente. Não apenas ele traiu a união árabe, desesperadamente necessária, perante a ameaça existencial imposta pelo sentimento antipalestino cada vez maior na política israelense, mas também sugeriu disposição em cooperar com uma coalizão liderada por Netanyahu.

Entretanto, mesmo para um oportunista como Abbas, aliar-se a uma coligação de direita – cujo slogan “Morte aos árabes” é frequente – é extremamente perigoso. Do ponto de vista dos cidadãos palestinos em Israel (isto é, 20% da população), o comportamento político de Abbas beira a traição. Associar-se a kahanistas violentos e chauvinistas – representados pelo partido Sionismo Religioso, por exemplo – para compor um governo cujo intuito é salvar a carreira política de Netanyahu, colocaria um político inexperiente e insensato como Abbas em confronto direto com sua própria comunidade árabe palestina.

Como alternativa, Abbas poderia votar em favor de uma coalizão anti-Netanyahu como parceiro direto ou mesmo indireto. Assim como Bennett, ambas as alternativas tornam Abbas um potencial fazedor de reis, cenário ideal do seu ponto de vista e menos ideal da perspectiva de uma coalizão que, caso constituída, seria instável.

Por consequência, é ainda inadequado classificar o resultado do último pleito israelense como “revés”, ao menos exclusivamente a Netanyahu. De fato, trata-se de um revés a tudo e todos. Netanyahu fracassou em obter uma maioria clara, mas seus inimigos também fracassaram em comunicar-se com o eleitorado israelense para depor o atual premiê e removê-lo permanentemente da vida política nacional. Netanyahu ainda é o líder incontestável da direita de Israel e seu partido Likud ainda detém treze assentos a mais do que seu rival mais próximo.

Embora partidos de centro tenham se unificado temporariamente nas eleições anteriores, para compor o Kahol Lavan (Azul e Branco), a coligação rapidamente desintegrou-se. O mesmo vale para a aliança entre os partidos árabes. Ao desunir-se pouco antes das eleições, tais partidos dividiram os votos árabes e qualquer esperança de consertar de dentro a política israelense marcada por fundamentalismo religioso, racismo e ímpeto militar.

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Tal conjuntura significa que, não importa se Netanyahu fique ou vá embora, o próximo governo de Israel permanecerá firmemente à direita. Sobretudo, com ou sem o longevo premiê, o estado sionista dificilmente será capaz de produzir qualquer denominador comum em termos políticos, a fim de redefinir o país para além do culto à personalidade do próprio Netanyahu.

Quanto ao fim da ocupação israelense sobre a Palestina histórica, seu subsequente regime de apartheid e expansão colonial de assentamentos ilegais, tudo continua meramente como sonho distante. Tais questões foram raramente mencionadas durante a campanha, muito menos debatidas. O caráter kafkaesco da política israelense parece permanente.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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