O advogado Edgard Raoul Gomes Neto conversou com o Monitor do Oriente Médio nesta quinta-feira (1) sobre a sua experiência na Palestina e em viagens acompanhando o trajeto de refugiados para a Europa.
Ele conta que acredita que o que fez iniciar suas viagens, em 2014, foi porque sofria, e ainda sofre, do “white savior complex, ou complexo do branco salvador. Eu sou nascido e crescido na cidade de São Paulo, sou advogado e em 2014 estava absolutamente estabelecido no mundo corporativo. Mas, por dentro, eu tinha uma secura espiritual; eu sentia que a minha vida não tinha muito significado, então – eu que já estava publicando artigos em relação a gramática dos Direitos Humanos – resolvi deixar tudo para trás da minha vida, justamente para defender os direitos humanos em zonas de conflitos”. Ele conta que a sua tomada de decisão foi baseada em uma crença de que poderia ter influência no estabelecimento da paz.
Em 2015 ele foi à Turquia, que estava em evidência na época por causa da crise na Síria e resolveu fazer o trajeto do refúgio, da Turquia para a Europa, como se fosse um refugiado. “ Eu não era um refugiado, mas resolvi passar pelo que os refugiados estavam passando, então, por opção minha, eu resolvi perder a minha dignidade e viver uma opressão.”
Edgard conta que a travessia da Turquia para a União Europeia, marcada pela dificuldade de entrada, “é uma falha nossa como seres humanos”
Ele conta que os sírios que conseguiam ir para a Europa naquela época, eram os que tinham condições financeiras para tanto. Enquanto os milhares de sírios sem essa condição ficavam na Jordânia e Libano. Havia os que poderiam pagar uma viagem de avião, mas nenhuma embaixada aceitava dar o visto. “Então, eles foram forçados – através dessa omissão dos demais países, que poderiam acolher essas pessoas – a viajar de forma terrestre até a Turquia, e de lá atravessar o mar Egeu até uma ilha grega próxima através de traficantes.”
Ele atribui a culpa a todos. “Nós, como países, fizemos com que os sírios tomassem essa drástica decisão de ter que atravessar o mar Egeu com toda a família, com seus filhos pequenos, porque nós não abrimos a porta, nós não demos um único visto para eles. E essa trajetória é marcada por muito drama, porque os traficantes liberam os botes, ou aquelas embarcações de madeira, absolutamente sem condições de pegar um mar mais agitado durante a noite ou durante a chuva, um temporal, porque eram os momentos em que a Guarda Costeira da Grécia e da Turquia não faziam uma fiscalização integral,então era nesses momentos, essa aventura que os sírios tinham que passar para chegar até o território europeu.”, relata.
Além da travessia, os sírios enfrentam violência dentro do território europeu, em um trajeto complexo para chegar aos países de destino. “Na trajetória dos bálcãs, isto é, dentro do território europeu, a violação dos Direitos Humanos é notável.”.
Outra experiência do advogado aconteceu na Palestina, onde ele conta que desenvolveu um projeto de agricultura, a Om Sleiman Farm, uma fazenda na área C, em frente a um assentamento ilegal. “Eu cheguei em Ramallah para ficar três dias e fui acolhido como nunca fui acolhido na minha vida, pelos palestinos ali”, diz ele, que acabou ficando quatro meses no local. Com um amigo que conheceu na viagem, Mohammad Abulayyab, palestino e cidadão americano, de Gaza, o o projeto da fazenda foi construido. “De fato, um palestino, Mohammad Abulayyab, trouxe uma nova visão para a minha vida, trouxe novos valores, novos propósitos.”, conta ele. “Se eu fosse me pautar pelas informações encontradas na mídia brasileira e na literatura brasileira sobre Palestina, eu teria ideias fixas e preconceitos atrozes em relação aos palestinos, mas a minha experiência por si só demonstra que toda a narrativa que a gente tem no Brasil sobre os palestinos é uma narrativa enviesada, não é uma narrativa que exponha de fato a realidade”, por isso ele vê a importância em compartilhar sua experiência e os valores obtidos com o povo palestino. Antes da viagem, ele não tinha tantas informações, mas agora diz ter entendido o drama da ocupação nos quatro meses que passou na Cisjordânia.