A comissão de juristas criada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para analisar as medidas de enfrentamento à pandemia de covid-19 apontou que o presidente da República, Jair Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade,crime de responsabilidade e homicídio e lesão corporal por omissão. O relatório aponta que o presidente descumpriu seu dever constitucional de garantir a saúde pública e se omitiu em situações que poderiam ter diminuído o número de óbitos pelo coronavírus, fundando uma “República da Morte” no país.
“Embora seja inequívoco, sob o ponto de vista constitucional, que cabe ao Presidente e ao Ministro da Saúde zelar pela saúde pública (como garantidores de tal bem jurídico), o que se pôde verificar ao longo de toda a grave crise pandêmica que assolou o país foi exatamente o oposto”, afirma a comissão. “Constatou-se, a mais não poder, a sistemática e deliberada violação por parte de ambos do seu elevado munus [dever] de implementação ad tempus [no tempo devido] de políticas sociais e econômicas capazes de reduzir os progressivos riscos do coronavírus.”
De acordo com os juristas, as omissões e ações do presidente ao longo da pandemia representam um ataque a um dos pilares da Constituição, que é o direito à saúde e à própria vida. O documento relata que o presidente “tentou sistematicamente impedir que medidas adequadas ao combate da Covid-19 fossem tomadas. Há vários exemplos de tentativa de interrupção de cursos causais salvadores empreendidos por outras autoridades”. O texto relembra três situações em que as ações do presidente impediram o combate à pandemia, como a não negociação da compra antecipada de vacinas da Pfizer, desautorizar a compra pelo Ministério da Saúde de doses da Coronavac e a resistência em adotar medidas de restrição de circulação de pessoas.
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Eles afirmam que numerosas mortes teriam sido evitadas caso o presidente tivesse cumprido seu dever de zelar pela saúde pública, e por isso, ele deve ser responsabilizado por tais mortes.
“Não há outra conclusão possível: houvesse o Presidente cumprido com o seu dever constitucional de proteção da saúde pública, seguramente milhares de vidas teriam sido preservadas. Deve, por isso mesmo, responder por tais mortes, em omissão imprópria, a título de homicídio. Deve também, evidentemente, responder, em omissão imprópria, pela lesão corporal de um número ainda indeterminado de pessoas que não teriam sido atingidas caso medidas eficazes de combate à covid-19 tivessem sido implementadas.”
Pelos mesmos motivos apresentados, os juristas concluem que os fatos também configuram crime de responsabilidade, caracterizado segundo o ministro Ministro Ayres Britto, “por um ‘dar as costas à Constituição’. E, sem dúvida alguma, essa foi a atitude do Governo Bolsonaro ao longo de toda a grave crise pandêmica”.
“Em suma: as omissões e ações do Presidente da República ao longo da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV2) são perfeitamente subsumíveis ao tipo prescrito no art. 7º, inciso 9 da Lei 1.079/50, representando um ataque frontal a um dos núcleos da Constituição Cidadã, qual seja, o direito à saúde e, em última instância, à própria vida”, concluem.
No plano internacional, o relatório afirma que o presidente deve responder ao Tribunal Penal Internacional por crime contra a humanidade, por ter criado uma “República da Morte”, citando a expressão usada pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro.
“Acaso uma gestão governamental deliberadamente atentatória à saúde pública, que acaba por abandonar a população à própria sorte, submetendo-a a um superlativo grau de sofrimento, não poderia ser caracterizada como um autêntico crime contra a humanidade? Em outras palavras: fundar uma ‘República da Morte’ não configuraria tal crime? Parece-nos que sim.”
A OAB Nacional instalou uma Comissão de Juristas para Análise e Sugestões de Medidas de Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, para subsidiar o Conselho Federal da OAB em questões jurídicas relativas à pandemia. O colegiado é presidido pelo ministro Carlos Ayres Britto e composta por Miguel Reale Jr., Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Geraldo Prado, Marta Saad e José Carlos Porciúncula
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