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Ramadã de 2021, momento de união dos muçulmanos contra a islamofobia

Muçulmanos oram em uma mesquita Desculpe, apenas copiei o crédito que a pixabay recomenda. Mas por favor, vamos padronizar [Fzz/Pixabay]

Já passou mais de um ano desde o início da pandemia de covid-19. Em toda a Europa, assistimos diversos estados lutarem para conter a crise após anos e anos de privatização e desinvestimento nos serviços de saúde pública, tão urgentemente necessários.

Fomos confrontados com as realidades de um sistema econômico construído para o lucro de poucos e às custas de muitos. Vivenciamos os impactos diretos de um estado enfraquecido de bem-estar social. Ainda assim, com todas as mortes sem sentido, a miséria e o desemprego que espalham-se pela Europa, diversos governos conservam suas prioridades na repressão e criminalização de suas populações islâmicas.

À medida que entramos no mês sagrado do Ramadã, durante o qual milhões de muçulmanos em todo o mundo praticam o jejum, uma teoria conspiratória racista alega que a tradição trará um aumento súbito no número de casos de covid-19. Retorna agora a mesma narrativa islamofóbica adotada por figuras públicas e grupos de extrema-direita no último ano, conforme apagam sua própria indignação com lockdowns que “roubam o Natal” da memória coletiva.

Certamente, trata-se da retórica na Holanda. Apesar da alta taxa de contágio por coronavírus, o país foi o último da região a iniciar sua campanha de vacinação. Há de se pensar que seria isso a prioridade máxima da liderança política; porém, ao contrário, poucas semanas após uma eleição nacional marcada por ódio e divisão, o discurso mantém-se focado nos muçulmanos como suposto problema.

Ahmed Aboutaleb, prefeito de Roterdã, respondeu à extensão do toque de recolher nacional, em vigor entre as 22 horas locais e 4h30 da madrugada, com receios sobre coincidir com o Ramadã. Aboutaleb comentou que os muçulmanos podem querer visitar suas famílias durante o período e sugeriu que deixarão de respeitar as restrições para romper seu jejum tradicional após o pôr do sol.

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É chocante quando políticos retratam jantares familiares (iftar) como eventos de superpropagação, enquanto membros da extrema-direita reúnem enormes aglomerações para comícios eleitorais e afins. De modo bastante similar, enquanto igrejas em bastiões de direita lotavam-se até as vigas às vésperas da Páscoa, os suspeitos de costume não foram repreendidos.

A ironia de que tais comentários provêm de uma figura celebrada como primeiro prefeito muçulmano de uma grande cidade holandesa não passa despercebida. Porém, parece que o país é tão racista que mesmo quando um muçulmano reforça narrativas reacionárias é insultado reiteradamente. Recentemente, Aboutaleb encontrou-se em meio a duros ataques da extrema-direita pela audácia de apenas sugerir que o governo holandês devesse considerar a população islâmica na tomada de decisões políticas.

Escrutínio desproporcional

Embora não houvesse toque de recolher em vigor no último ano, um lockdown nacional foi implementado, mas o sentimento de escrutínio desproporcional contra os muçulmanos já era comum. As mesquitas não reabriram por completo, mesmo quando restrições contra o covid-19 foram atenuadas posteriormente. Quem sabe, não é surpresa, dado que, durante a pandemia, a vigilância do governo holandês sobre os muçulmanos não deu trégua. De fato, as mesquitas foram submetidas a investigações cada vez mais rigorosas e arbitrárias sobre suas finanças e influências “estrangeiras”.

O clima de ódio intensificou-se durante o período eleitoral assustadoramente racista e islamofóbico, marcado pelo discurso antimigração. A dança foi livremente conduzida pelo chamado Fórum pela Democracia, cuja base vende crenças conspiratórias sobre grupos oprimidos serem fontes de contágio, enquanto não nega a pandemia inteiramente, mas combate restrições de saúde pública.

Nesta conjuntura, o Partido pela Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, que reivindica o banimento de mesquitas, escolas islâmicas e mesmo da circulação do alcorão, conquistou dezessete assentos nas eleições nacionais. O partido também propõe a instauração de um ministério para “repatriação” e “desislamificação” do país europeu.

A questão, contudo, não é restrita às fronteiras holandesas. Em 2020, muçulmanos no Reino Unido foram vítimas de ataques similares conduzidos por campanhas promovidas por indivíduos e grupos de extrema-direita. Vídeos circularam nas redes sociais de cultos em mesquitas, na tentativa de instigar o ódio e angariar acusações de que os muçulmanos e suas instituições não estavam respeitando as medidas de lockdown. Um vídeo de fiéis na Mesquita Central de Wembley, supostamente em momento de restrições, viralizou online, mas revelou-se posteriormente que o lugar estava fechado desde janeiro.

Repressão a liberdades civis

Apesar da velocidade com a qual tais acusações discriminatórias contra os muçulmanos são contestadas, o dano já está feito uma vez que tais rumores chegam ao público via redes sociais. O início da pandemia foi marcado pela hashtag #CoronaJihad como tendência no Twitter, conforme reportagem da revista Times, sob a qual 300 mil tuítes foram compartilhados e vistos potencialmente por milhões de pessoas em poucos dias.’

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As chamas do ódio foram acesas e há um perigoso apetite pela islamofobia em toda a Europa. A lista continua: a proibição da burqa na Suíça; a guerra francesa contra os muçulmanos através de supostas leis antisseparatistas; um nível alarmante de ataques islamofóbicos na Alemanha; a repressão de liberdades civis na Áustria sob pretexto de combater o extremismo; e assim por diante.

Infelizmente, entramos no Ramadã com ainda mais incertezas sobre nossas liberdades. Mas há uma coisa que o Islã nos ensina: não se desespere.

Não devemos esquecer que a infraestrutura da guerra ao terror – vigilância, órgãos anti-extremismo e outras políticas do tipo – desenvolveu-se no Reino Unido antes de ser exportada ao continente europeu. Em seguida, nós no Reino Unido tivemos de expressar solidariedade e partilhar recursos com comunidades criminalizadas e silenciadas nos países vizinhos. Em troca, saímos fortalecidos em nossa própria luta.

Pode parecer simplista, mas não há escapatória das condições repressivas e opressivas senão organização e resistência. Temos um mês para reflexão espiritual, para nos reencontrarmos. Devemos usá-lo para nos reunir, elaborar estratégias e construir uma luta ampla tão urgentemente necessária.

Este artigo foi publicado originalmente pela rede Middle East Eye, em 15 de abril de 2021.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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