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E a maternidade se abriu para atender a ‘fila terrível’ da covid

Entrevista com o médico Abdul Hader El Hayek, diretor da Maternidade Mogi-Mater, na cidade de Mogi das Cruzes, que adaptou sua uti para enfrentar a pandemia
Abdul Hader El Hayek [Foto internet]
Abdul Hader El Hayek [Foto internet]

Abdul Hader El Hayek se inspirou na profissão de seu irmão para tornar-se médico. “Sempre tive fascínio pela medicina”, ele diz. Hoje é vice-presidente da Maternidade Mogi-Mater, na cidade de Mogi das Cruzes, referência em hospital feminino.

Em sua carreira, fundou hospitais importantes em São Paulo e Mogi das Cruzes, e uma ong para auxílio a populações necessitadas, como os  primeiros refugiados árabes que chegaram ao Brasil.

Com diversos diplomas e títulos, Dr, Abdul afirma que o título do qual mais se orgulha é o do Hajj, tendo feito por quatro vezes a peregrinação à Meca, duas delas com o pai.

Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Médio, Abdul Hader El Hayek fala do trabalho filantrópico entre o hospital e a ong Refúgio Brasil e a decisão de abrir UTI da maternidade para socorrer pacientes de uma “fila terrível” – os pacientes graves da covid-19

O sr. vem de uma grande família brasileiro-libanesa …

Sou brasileiro, meus  pais são libaneses, sou caçula de sete irmãos, quatro irmãos nasceram no Líbano e três no Brasil. Meu pai, Ahmad Abdul Ghani El Hayek, faleceu com 110 anos, graças a Deus. Ele foi um dos primeiros presidentes da mesquita, da Sociedade Beneficente Muçulmana, em São Paulo. Foi muito ativo na sociedade. Meu pai é naturalizado brasileiro, adotou o país como sendo dele, embora sempre voltava para o Líbano para visitar os parentes, os irmãos. Viveu no Brasil cerca de 80 anos. Ele era uma pessoa muito atuante na sociedade e a partir de uma época ele passou a ser a pessoa mais idosa da comunidade. Na religião muçulmana os idosos são muito respeitados e meu pai era uma pessoa muito lúcida e ativa. Com 110 anos, fazia tudo, não dependia de ninguém. Ele acabou morrendo por causa de uma cirurgia de urgência de vesícula.

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Dr. Abdul Hader El Hayek em Meca. [Foto arquivo pessoal]

Dr. Abdul Hader El Hayek em Meca. [Foto arquivo pessoal]

Como o senhor entrou para medicina? 

Tenho um irmão mais velho que é médico,  Mounif El Hayek. Quando eu era moleque, ficava fascinado com ele e pela atividade que exercia. Desde que eu me conheço por gente, desde que comecei a estudar e a ter noção do que seria o estudo para o futuro, sempre pensei em seguir a carreira do meu irmão.  Hoje ele mora em Santos, tem 80 anos e ainda exerce a profissão de médico, ele foi o primeiro médico da comunidade, o primeiro muçulmano da comunidade de São Paulo que ser formou em medicina.

Este ano completo 38 anos de carreira. Tenho duas especialidades, cirurgia geral e ginecologia Obstetrícia.

Como foi construído o hospital que o sr. dirige?

Somos um grupo de árabes e muçulmanos e temos uma maternidade em Mogi. Antes da maternidade, tínhamos um hospital que ficava em São Paulo, o Aviccena, um hospital que fundamos há uns 30 anos e vendemos há pouco tempo, há dois anos.

O nome Aviccena é a forma ocidental do nome de Ibin Sina, um precursor da medicina, fundou a primeira faculdade de medicina, era um médico muçulmano. Nosso grupo quis homenageá-lo.

Antes de Ibn Sina, a medicina era uma coisa que vinha de pai para filho ou vinha das pessoas que trabalhavam apenas com medicação produzida por ervas, era uma coisa de curandeirismo.

Acabamos vendendo o Aviccena porque muitos sócios estavam se aposentando e aí eu e parte desse grupo de médicos muçulmanos, fomos para Mogi e abrimos a Maternidade Mogi Mater.

Maternidade Mogi Mater [Foto Divulgação]

Maternidade Mogi Mater [Foto Divulgação]

Como o hospital está lidando com a pandemia?

É uma loucura, nós não temos vagas em lugar nenhum, embora nosso hospital seja maternidade, tem UTI também, ala feminina, e  cheio de pacientes de covid.

Como nossa UTI é somente para gestantes, não tinha vagas para outros casos, então a gente achou não ser justo ter vagas na UTI e deixar gente precisando de UTI em uma fila terrível de pacientes. Então nós isolamos essa UTI da mulher e transformamos em UTI de covid. Contratamos pessoas específicas para aquela ala e começamos a tratar somente pacientes graves. Lotou rapidamente. Agora aqui, em Mogi das Cruzes, as coisas começaram a melhorar. Nossa UTI já não está tão lotada, o vírus está começando a declinar, graças a Deus. Mas passamos um sufoco muito grande.

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Essa doença mexe com todo corpo, inclusive com o psicológico.

É uma coisa que mexe com todo mundo, inclusive com a parte científica, parte médica, pois é uma doença nova, uma doença que ninguém conhece e a gente está aprendendo a lidar com ela durante o curso. Isso é a coisa que mais incomoda a ciência. A ciência sempre foi feita para a prevenção, para tentar descobrir tratamentos e prevenção e de repente surge uma doença nova, da qual ninguém conhece nada, não sabe como tratar, não sabe como prevenir. Tudo foi feito no decorrer da doença.

Como é o seu trabalho de apoio aos refugiados?

Fundamos uma ong aqui que se chama Refúgio Brasil, da qual tive o prazer de ser um dos fundadores, junto com Fayza Daoud. Ela é palestina, é uma pessoa que faz um trabalho muito valioso junto aos refugiados.

Antes, era um trabalho de ajuda voluntário um pouco bagunçado. A gente saia para ajudar um ou outro e então resolvemos nos organizar, e fundamos a ong.

A Refúgio Brasil presta apoio na parte social, jurídica, ajuda alimentar e para arrumar trabalho. Nosso hospital cuida e acolhe pessoas sem atendimento em qualquer outro lugar.

Começamos atendendo os refugiados que chegaram em Mogi, mas nossa ong e a ajuda do hospital se expandiu e hoje ajudamos também pessoas que não são de Mogi das Cruzes.

O senhor foi condecorado como cidadão de Mogi das Cruzes e também recebeu muitas homenagens.

Pelo trabalho que a gente faz na saúde, a gente também colabora, começamos a fazer esse trabalho com os refugiados, da colônia, mas aí começou a se estender a quem precisa de ajuda.

Com meus sócios e diretores, conseguimos fazer um número de leitos dentro do hospital para que seja feito um trabalho social, então esse número de leito social, uma parte é para atender a comunidade, via ong Refúgio Brasil, via Mesquita do Brasil, via o sheikh. Existe uma triagem feita pelos  diretores, de pacientes que precisam de ajuda. Todas as mesquitas também tem essa abertura de pedir ajuda para membros da comunidade que precisam de ajuda e separamos também um número de leitos para pessoas que não são da comunidade, que vem via pedido da Prefeitura, Câmara, ongs.

Conseguimos com que muitas pessoas fossem ajudadas, dentro do que a gente pode, claro. Não é um hospital gigante, mas com um trabalho muito legal, ajudando muitas ongs e inclusive a Prefeitura e isso fez com que o pessoal acabasse nos homenageando.

Fui condecorado como cidadão mogiano, algo que para mim é uma honra, pois adotei essa cidade, para onde vim de SP há 20 anos. Tive homenagem também de entidades filantrópicas aqui de Mogi, mas a homenagem na verdade é para o hospital.

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