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Bolsonaro faz discurso descolado da realidade e pede ‘remuneração justa’ por serviços ambientais

Presidente Jair Bolsonaro (à direita) e ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião virtual da Cúpula de Líderes sobre o Clima, em 22 de abril de 2021[Reprodução/Twitter Ricardo Salles]
Presidente Jair Bolsonaro (à direita) e ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião virtual da Cúpula de Líderes sobre o Clima, em 22 de abril de 2021[Reprodução/Twitter Ricardo Salles]

Nesta quinta-feira (22) o presidente Jair Bolsonaro discursou na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Ele se comprometeu a reduzir as emissões de carbono em 43% e eliminar o desmatamento ilegal até 2030 e pediu uma “justa remuneração pelos serviços ambientais prestados” pelos biomas brasileiros ao planeta. Para o cientista e ambientalista Carlos Rittl, o discurso foi “descolado da realidade e muito distante” do que tem sido a agenda climática nesses mais de dois anos de gestão.

O presidente fez um discurso ufanista, elogiando o país pela biodiversidade “potência agroambiental” e afirmando que o “Brasil está na linha de frente do enfrentamento ao aquecimento global”. Ele culpou as grandes potências pelas mudanças climáticas, dizendo que o maior problema era a queima de combustíveis fósseis e frisou que o país “participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo”.

“Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra. Como resultado, somente nos últimos 15 anos evitamos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera”, afirmou.

Carlos Rittl, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam na Alemanha,  afirmou que “na verdade, o governo Bolsonaro desmantelou a governança climática que existia no Brasil que coordenava ações ministeriais e políticas setoriais debaixo do guarda-chuva maior, que era a política nacional de mudanças climáticas. Essa governança inexiste ou é inoperante hoje em dia”.

“Em dois anos de gestão, o desmatamento aumentou em quase 50%, então não existe Brasil de Bolsonaro na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global.  Muito pelo contrário, a gente está na completa contramão disso”, afirmou Rittl.

Bolsonaro afirmou ter como meta redução de emissões de gases do efeito estufa “para 2025, de 37%, e de 43% até 2030”. E disse que determinou que a neutralidade climática seja alcançada até 2050, “antecipando em 10 anos a sinalização anterior”.

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“Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, prometeu.

Ele alegou que para isso é necessário “medidas de controle e comando” e “apesar das limitações orçamentárias”, determinou o “fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”.

Sobre o alegado fortalecimento dos órgãos ambientais, Carlos Rittl desmentiu afirmando que o “IBAMA e ICMBio estão operando em seu pior nível orçamentário em mais de uma década”.  E relembrou que nesta semana cerca de 600 servidores do IBAMA assinaram uma carta denunciando que as ações de fiscalização estão paralisadas após uma norma de Bolsonaro que muda as regras de fiscalização e multas ambientais.  “Fiscais do IBAMA, que têm o mandato e o conhecimento técnico para definir o que é uma ação irregular sujeita a multa, agora precisam submeter o seu trabalho técnico à avaliação de uma pessoa que foi indicada politicamente para ocupar um cargo de chefia dentro do Ibama”, disse Rittl.

Carlos Rittl também relembrou que a visita recente do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Santarém, onde prometeu a madeireiros que liberaria as cerca de 40 mil toras  de madeira ilegal apreendidas pela Polícia Federal. “Fica claro que não existe a intenção do governo Bolsonaro, nem da gestão de Salles, de fortalecer os órgãos ambientais, muito pelo contrário, o discurso do presidente em sua campanha era ‘vou passar a foice no IBAMA’  e ele fez isso”, disse.

Bolsonaro terminou seu discurso pedindo dinheiro estrangeiro. “Diante da  magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas”, disse. Ele alegou que a comunidade internacional teria, neste ano, a “oportunidade singular de demonstrar seu comprometimento com a construção de nosso futuro comum”. E defendeu que os mercados de carbono, que permitem a negociação de crédito no mercado internacional, “são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos”.

“Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação”, disse.

Carlos Rittl disse que o discurso foi uma tentativa de “convencer nações ricas, entre elas os Estados Unidos, a dar dinheiro para a proteção de florestas; as próprias florestas que o governo Bolsonaro não quer proteger”.

“O presidente Bolsonaro declarou guerra ao meio ambiente e se tornou um grande inimigo, não apenas para a Amazônia, como também para a agenda global do clima”, afirmou.

Reações ao discurso

Miriam Leitão publicou em seu blog, no Globo, que durante o discurso, Bolsonaro elogiou o país por ter reduzido o desmatamento em ações feitas durante os governos do PT; os 7,8 bilhões de toneladas a menos emitidos citado por ele são referentes à diminuição do desmatamento entre 2004 e 2012. Para ela, Bolsonaro elogiou o Brasil em feitos dos governos anteriores e mentiu sobre o seu próprio governo. Ao contrário do que foi dito no discurso, ele enfraqueceu os órgãos de controle e, inclusive, o Ibama está estrangulado financeiramente e impedido de agir.

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Marina Silva, que foi ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, publicou que Bolsonaro estava “defensivo e acuado diante da torrente de evidências que pesam contra sua gestão necroambiental” e utilizou os dados das políticas dos governos anteriores, sendo que ele está destruindo essas políticas desde o seu primeiro dia de governo.

Ela afirmou que “foi vergonhoso o Presidente passar quase metade de sua fala pedindo ao mundo dinheiro por conquistas ambientais anteriores, que seu governo tenta há dois anos destruir. Enquanto os demais países apresentam metas ousadas, o governo mira o retrovisor na Cúpula do Clima”.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima publicou que o “governo pede dinheiro, mas tem R$3 bilhões parados no fundo Amazônia, sem uso. Fazem isso para terceirizar a culpa. O problema não é a falta de dinheiro, é a falta de governo”.

O Brasil mantém paralisado um fundo de R$2,8 bilhões doados pela Noruega e Alemanha no Fundo Amazônia. Os fundos foram congelados por esses países por falta de gerência do governo federal depois que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou mudar as regras do Fundo Amazônia para indenizar proprietários de terras.

“No encontro, Bolsonaro apresentou um compromisso de redução de desmatamento que ele próprio havia eliminado das metas brasileiras e prometeu antecipar para 2050 um compromisso que o país jamais chegou a assumir formalmente – a neutralidade em carbono em 2060”, afirmou o Observatório do Clima em nota da coordenação.

“O Brasil sai da cúpula dos líderes como entrou: desacreditado. Bolsonaro passou metade de sua fala pedindo ao mundo dinheiro por conquistas ambientais anteriores, que seu governo tenta destruir desde o dia da posse”, disse Marcio Astrini.

Marcelo Freixo, deputado federal pelo Rio de Janeiro, refutou ponto a ponto o discurso de Bolsonaro em uma sequência de publicações no Twitter, o chamando de “cínico e mentiroso”.  Freixo respondeu a promessa de eliminar o desmatamento ilegal lembrando que “Bolsonaro derrubou o delegado chefe da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, depois que ele pediu investigação contra Ricardo Salles por proteger e promover a ação de madeireiros ilegais na Amazônia”.

“Completa a ironia o fato de que a cúpula se realiza justamente no aniversário de um ano da infame declaração do ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro sobre aproveitar a comoção gerada pela pandemia para “passar a boiada”. Esta é a mais perfeita tradução da realidade brasileira neste momento de virada climática global: ver prestígio e recursos indo para outros países tropicais, enquanto ficamos com a Covid e o desmatamento. Ao perdedor, a boiada”, escreveu o Observatório do Clima.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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