A ONG Human Rights Watch divulgou hoje (26) um relatório denunciando abusos cometidos pelas forças de segurança venezuelanas contra residentes locais durante uma operação de semanas contra grupos armados no estado de Apure, fronteira com a Colômbia.
“Os graves abusos contra os residentes de Apure não são incidentes isolados por agentes desonestos, mas coerentes com as práticas sistemáticas das forças de segurança venezuelanas”, disse José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch. “Os inquéritos internacionais são essenciais para as provas crescentes contra os membros das forças de segurança que cometeram abusos, e contra comandantes e funcionários de alto nível que sabiam ou deveriam saber o que iria acontecer durante estas operações”.
**Nuevo informe**
Las fuerzas de seguridad del régimen de Maduro cometieron abusos aberrantes contra la población civil durante un operativo contra disidencias de las FARC en la frontera con Colombia.
Informe: https://t.co/TvLljMWMm3 pic.twitter.com/OKEANJs72V
— José Miguel Vivanco (@JMVivancoHRW) April 26, 2021
Em 21 de março, forças de segurança venezuelanas começaram a operação no Estado de Apure, alegando ter como objetivo o combate a grupos armados na Venezuela. Segundo a HRW, a ação matou ao menos quatro camponeses, gerou detenções arbitrárias, acusações de civis em tribunais militares e tortura de residentes acusados de colaborar com grupos armados. Na ocasião, confrontos entre Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fuerza Armada Nacional Bolivariana, FANB) e um grupo dissidente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, FARC), conhecido como Frente Martin Villa 10, irromperam em várias zonas rurais da Venezuela. Desde então, pelo menos 5.800 pessoas fugiram do Estado de Apure para a Colômbia, segundo o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
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De acordo com a HRW os abusos foram cometidos pelas quatro forças de segurança da Venezuela: a FANB, a Força de Acção Especial da Polícia Nacional Bolivariana (FAES), a Guarda Nacional Bolivariana (GNB), e o Comando Nacional Antiextorsão e Sequestro (CONAS).
O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, anunciou em 5 de abril que foram detidas 33 pessoas na operação, para serem julgadas sob jurisdição militar, seis campos de “grupos terroristas” foram desmantelados e nove “terroristas” foram mortos. Entretanto, a ONG alega que muitos dos civis vítimas dos avanços venezuelanos não faziam parte de nenhum grupo.
O relatório se baseou em entrevistas com 68 pessoas, informações das autoridades colombianas e venezuelanas e outras provas como fotografias, vídeos e áudios. Também conversaram com advogados, peritos, jornalistas, líderes comunitários, autoridades locais e organizações humanitárias e de direitos humanos. As autoridades não responderam às perguntas da HRW.
Os entrevistados afirmaram que soldados e agentes das forças de segurança invadiram casas de famílias em áreas rurais, e prenderam os residentes, na maioria camponeses, sem mandado de busca ou de prisão. Eles contaram que os agentes ordenaram que cobrissem a cabeça com as camisetas para então espancá-los e ameaçá-los. Vários afirmaram que os detentos não faziam parte de grupos armados e ficaram encarcerados em instalações militares.
Ainda contaram que as forças de segurança saquearam as casas ou destruíram pertences pessoais. Uma fonte contou que quatro membros de sua família foram levados pela FAES, seus corpos foram encontrados na cidade vizinha, em El Ripial, com cortes, ferimentos de bala e aparentes deslocamentos ósseos. A perícia concluiu que as fotos dos corpos sugerem que eles foram movidos e as armas de fogo e granadas podem ter sido plantadas em suas mãos depois da morte.
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Em 26 de março, o procurador geral da Venezuela, Tarek Saab, nomeou dois promotores para investigar os eventos de Apure e estabeleceu uma comissão para investigar os assassinatos em El Ripial.
A HRW aconselha que a Corte Penal Internacional e a Missão de Apuração de Fatos da ONU sobre a Venezuela “deveriam avaliar a possível responsabilidade daqueles diretamente envolvidos em execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e tortura pelas forças de segurança venezuelanas em Apure”. E também avaliar a responsabilidade de comandantes e autoridades que podem ter ordenado os abusos ou não tomado as medidas apropriadas para prevenir os crimes ou responsabilizar os responsáveis.
Em comunicado oficial divulgado hoje (26), o general chefe da FANB, Vladimir Padrino Lópes, informou que “nas últimas setenta e duas horas têm ocorrido batalhas sangrentas com grupos armados irregulares colombianos, especificamente em setores despovoados a oeste de La Victoria, município de Páez, no estado de Apure, como parte da Operação Escudo Bolivariano 2021, que teve início em 21 de março deste ano”.
“Em tais confrontos, infligimos um número significativo de vítimas aos grupos acima mencionados, conseguindo a destruição de instalações temporárias que pretendiam utilizar para suas atividades criminosas; da mesma forma, foram capturados vários indivíduos que estão fornecendo informações valiosas para ações futuras”, disse. “É imperativo lembrar que estas organizações criminosas e terroristas atuam com o apoio da poderosa estrutura de financiamento da oligarquia colombiana, que tem o infame propósito de exportar seu modelo narco-paramilitar para nosso país, especialmente ao longo do eixo da fronteira, a fim de criar um território difuso que sirva de base para gerar desestabilização.”
A nota ainda afirma que, por ordens do presidente Nicolás Maduro, as operações militares continuarão de forma intensificada para “neutralizar qualquer fortaleza desses criminosos”, até a “total expulsão e derrota definitiva”, para “consolidar um estado de Apure absolutamente livre, devolvendo a paz e tranquilidade aos habitantes da região”.