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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Eleições na Palestina Ocupada: um debate conceitual

Membros da Comissão Central Eleitoral Palestina instalam uma placa em árabe com os dizeres “centro de registro e informações eleitorais”, na cidade de Hebron (Al-Khalil), Cisjordânia ocupada, 10 de fevereiro de 2021 [Hazem Bader/AFP via Getty Images]
Membros da Comissão Central Eleitoral Palestina instalam uma placa em árabe com os dizeres “centro de registro e informações eleitorais”, na cidade de Hebron (Al-Khalil), Cisjordânia ocupada, 10 de fevereiro de 2021 [Hazem Bader/AFP via Getty Images]

A Palestina finalmente terá eleições para seus postos de comando e “governo” sob a ocupação de invasores europeus. O último pleito legislativo havia sido em janeiro de 2006 com a vitória do Hamas tanto em Gaza como na Cisjordânia. Um ano e meio depois, foi consumado o racha entre os dois maiores partidos palestinos, Fatah e Hamas, levando a dualidade de poder nos Territórios Ocupados em 1967. Os invasores sionistas haviam recuado da presença na faixa litorânea fronteira com o Egito e Sinai desde setembro de 2005, ampliando as condições da segunda Intifada (2000-2005). Infelizmente a resistência conjunta não sobreviveu às disputas internas – saudáveis se respeitosas – e a ingerência estrangeira (como de costume) ampliando as posições sectárias e a pressão da entidade sionista sobre a Cisjordânia. O resultado foi uma desastrosa fratura, cujas feridas começam a cicatrizar finalmente.

Em 22 de maio, o calendário eleitoral começa com a renovação do legislativo palestino. Na sequência, em 31 de julho, o povo palestino escolhe o sucessor do atual presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Um mês depois, em 31 de agosto, o Conselho Nacional Palestino (CNP), também conhecido como “Parlamento no Exílio”, máxima instância da OLP, será eleito, incluindo os votos advindos da diáspora. Já é complicado pensarmos em sistemas democráticos sem justiça social e equidade de direitos, o que diria a ciência política quanto à “democracia” diante do cerco, banimento, milhares de presos políticos e ocupação militar estrangeira durante mais de um século?

A população da Palestina, vivendo sob a ocupação de europeus desde o início do Mandato Britânico em 1920, até o processo de institucionalização do racismo sionista, gerou na própria tragédia as condições para se auto-organizar, tentando por diversas vezes as condições de unidade na luta e com a democracia possível ainda que sob uma luta intensa. Fazendo uma analogia de outra luta contra o Apartheid, a África do Sul sob tirania dos supremacistas brancos era “democrática” internamente – para os descendentes de europeus – e impositiva contra a população nativa e originária.

Logo, não há como pensar a democracia política plena sem as condições sociais mínimas necessárias. O mesmo se afirma em territórios sob o jugo colonial e com população constantemente sendo trazida, gerando maior pressão demográfica da ocupação ilegal. É difícil demandar plena democracia em escala societária se esta mesma sociedade viver sob a pressão externa através de um inimigo cruel e financiado por potências imperiais desde a sua fundação.

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Como nos explica o presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil, Ualid Rabah: “Desde que a Palestina foi finalmente tomada por estrangeiros euro-judeus, processo iniciado a partir de 14 de maio de 1948, quando estes se autoproclamam estado e autodenominam-se Israel, ao povo palestino restou apenas os catastróficos efeitos deste evento ímpar na história, que vai da limpeza étnica que expulsou até 88% desta população originária dos 76% de seu território inicialmente tomado aos perto de 6 milhões de refugiados palestinos atuais, decorrentes justamente deste processo genocida, ao redor de 8% da população refugiada mundial atual, ainda que a totalidade da população palestina, incluídas as diásporas, represente apenas 0,2% da população mundial.”

Se fizermos as contas mais básicas, estamos falando de 6 milhões de refugiados, cerca de 3 milhões de palestinos vivendo na Cisjordânia (cercados por mais de 600 mil colonos invasores e a força militar do opressor garantindo o crime contra o direito internacional), 800 mil pessoas resistentes na Faixa de Gaza e quase 2 milhões de árabes-palestinos vivendo nos territórios ocupados em 1948  . Logo o povo palestino hoje conforma ao redor de 12 milhões de pessoas privadas de forma total ou parcial de seus direitos de cidadania e vida digna, conforme, por exemplo, está previsto na Declaração de Direitos Humanos da ONU.

Seria inimaginável exigir “plenas condições democráticas” em uma sociedade fracionada pelo exílio e cuja política “doméstica” é internacionalizada para além dos países árabes e islâmicos vizinhos. Somemos as dificuldades acima ao drama dos milhares de presos políticos sob as leis de criminosos internacionais e o martírio diário de combatentes. Ainda assim, o povo palestino conseguiu gerar o diálogo interno necessário entre Fatah e Hamas e está criando a unidade possível dentro da luta que não cessa. São 36 listas de candidaturas parlamentares, sendo que o partido líder da ANP, a Al Fatah, concorre com três listas separadas. A esquerda palestina concorre fracionada, sendo que suas forças históricas se apresentam também em três chapas e coalizões distintas. Não se sabe nem como será o processo eleitoral na Al Quds ocupada e a única certeza é de que é necessário um governo de unidade, à altura do  desafio de conter as novas investidas de tipo Acordo do Século ou o mais recente Acordo de Abraão.

Pelo que se percebe daqui da diáspora, o ânimo de luta da juventude palestina está mais que ativo, possivelmente presenciando uma terceira Intifada no mês que antecede as eleições. As constantes marchas e a consequente repressão do inimigo na Jerusalém ocupada demonstram que a unidade pode ser o caminho viável, ao menos na disposição tática necessária para conter as investidas e constantes provocações tanto de colonos como dos espiões do Sahabk (a polícia política antiárabe da entidade sionista).

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Coordenação estratégica e racionalidade de recursos: a única saída  

Se há algo que a história da luta dos povos ensina é a necessidade de regras de convivência entre os aliados, e coordenação estratégica para combater o inimigo invasor. Todos os territórios que conseguiram se libertar do colonialismo passaram por situações semelhantes. A luta pela libertação da Palestina não se inaugura com a Nakba de 1948, e sim deriva das manifestações populares ainda na década de 20 do século passado, atravessa a década seguinte com uma enorme greve geral anticolonial e posterior guerra de guerrilhas com colunas móveis. Na resistência dos anos ’40, as três forças árabes lutaram sem coordenação estratégica, algo que o inimigo atingiu, pelo comando unificado dos carniceiros da Palmach com as bandas fascistas da Irgun e Stern e a formação paramilitar da Haganah.

Só existem as Forças de “Defesa” de Israel, as armas combinadas dos invasores sionistas europeus, porque os racistas conseguiram se coordenar para garantir a perpetuação de seus crimes. Organizaram suas disputas internas com um conjunto de regras e se dedicaram a fazer o que sabem: agredir países vizinhos e tomar terras milenares de camponeses árabes. É hora desta descendência de famílias camponesas fazer o mesmo para sua libertação.

Todo o processo eleitoral palestino, mesmo longe das condições necessárias, forma o momento para legitimar uma nova institucionalidade. Os partidos e forças históricas não vão desaparecer e nem mesmo as mazelas e mesquinharias internas. Mas, ao que tudo indica, a fase da heroica resistência pode estar dando um salto de qualidade no plano militar e de mobilização de massas. Para tal, o equilíbrio político interno, a maior participação das mulheres palestinas (muito presentes na luta histórica e neste processo eleitoral em específico) e a diminuição dos sectarismos é a única saída. Tão vigorosas como as pedras da 1ª, 2ª e agora da iminente 3ª Intifada é a capacidade política da militância palestina em reescrever seu próprio destino.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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