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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

‘Segurança espanhola serviu de fachada para o Mossad’

Entrevista com o jornalista palestino Muath Hamed que se viu interrogado pela agencia israelense dentro de um centro espanhol de imigração
Arab TV reporter in Spain Muath Hamed during a press coverage in occupied Palestine 2014 (personal archive)

A agência nacional de inteligência de Israel (Mossad) é conhecida por cruzar todas as linhas vermelhas para atingir seus objetivos, usando todos os métodos que garantam ganhos políticos, militares e de segurança para Israel, É considerada a ponta de lança de Israel em crimes e normalizações e também desempenha um papel importante na política externa à sombra de Israel.

A história feia dessa agência desde sua criação pelo primeiro primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion não está escondida de ninguém. Investigações em muitos países árabes e estrangeiros provaram sua conexão com um grande número de assassinatos que visaram cientistas, estudantes, jornalistas, artistas e outros de diferentes nacionalidades árabes e estrangeiras.

A história também dá testemunho dessa agência em seu recrutamento de jovens palestinos e árabes ao redor do mundo para trabalhar com ela na implementação de objetivos políticos e de segurança e assassinatos de pessoas que trabalham contra Israel. Um dos assassinatos mais importantes foi o do cartunista Naji Al- Ali, por um jovem palestino na capital britânica, Londres.

Uma investigação da imprensa conduzida pelo jornalista palestino Muath Hamed em 2019 confirmou que o Mossad está trabalhando para recrutar jovens palestinos na Turquia por meio de instituições falsas localizadas em países da Europa. No entanto, essa reportagem foi o motivo da abordagem de Muath pelo Mossad na Espanha, país onde o jornalista vive como refugiado. O Mossad violou todas as leis e normas morais, ao interrogar Muath, com a coordenação da Guarda de Segurança Espanhola, dentro de um de seus quartéis-generais em Madrid.

Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Médio, o jornalista Muath Hamed, que trabalha como repórter da TV árabe na Espanha e jornalista investigativo em vários sites, revela os detalhes da reportagem que ele publicou e do interrogatório a que foi submetido por um agente israelense do Mossad na Espanha.

Sobre o que foi a tua reportagem?

Publiquei uma investigação da imprensa há um ano e meio no jornal Al-Araby Al-Jadeed sobre a natureza do trabalho do Mossad israelense e sua tentativa de recrutar jovens palestinos na Turquia por meio de instituições falsas localizadas em países europeus, como Bélgica e Holanda. Essas instituições são usadas como frentes para o recrutamento indireto de jovens palestinos, iludindo-os de que essas instituições trabalham no interesse da causa palestina e no trabalho palestino em geral. Essas instituições solicitam relatórios e vídeos sobre o trabalho específico desses jovens palestinos, e então lhes transferem dinheiro, pois exploram sua necessidade financeira. Mas eu provei em minha investigação de imprensa que essas instituições são afiliadas ao Mossad israelense, rastreando transferências de dinheiro por meio do Money Gram e da Western Union de países como Romênia e Geórgia, também rastreando e-mails privados que foram usados ​​para se comunicar com esses jovens . Claro, todos os e-mails foram enviados por VPN, mas pude descobrir que em um dos e-mails o remetente esqueceu de usar VPN, então descobrimos que o lugar é o centro de inteligência israelense em Tel Aviv.

Preparei esta investigação enquanto morava na Turquia, mas não me atrevi a publicá-la antes de viajar para a Espanha e solicitar asilo lá, por temer por minha vida pessoal.

Você pode nos explicar como foi intimado para investigação? O que aconteceu com você dentro da sala de interrogatório? Disseram-lhe com antecedência o motivo da convocação?

A primeira convocação ocorreu por telefone. Uma pessoa que se identificou como membro da Guarda de Segurança Espanhola me ligou e pediu para me encontrar na sede da Guarda de Segurança em Bilbao, cidade onde moro, e me disse que o objetivo da entrevista é completar meu pedido de asilo, embora a segurança não seja responsável pela questão do asilo. Mas consultei meu advogado e me aconselhei a ir e levar todos os papéis relacionados ao meu processo de asilo. Eu fui e foi uma reunião normal, mas há algumas perguntas do oficial de investigação me deixaram surpreso. Ele me perguntou o que você faria se conhecesse o embaixador de Israel na Espanha. Eu disse a ele que sou jornalista e que não poderia ser exposto a ele de forma alguma. Então ele me perguntou se eu faria se  encontrasse um o oficial de inteligência da embaixada israelense? Eu respondi: como vou saber que este é um agente da inteligência? De qualquer forma, nada farei contra ele, mas estou convencido, depois do que aconteceu comigo, de que ele queria ter certeza de que eu não faria nada a esse oficial se o encontrasse pessoalmente.

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Depois de um tempo eles me ligaram de novo pelo telefone dizendo que eles precisavam de mim para outra entrevista, mas eu disse a eles que estava muito ocupado e não poderia ir, na terceira vez eles me ligaram também e me falaram que havia arquivos importantes pendentes no processo de pedido, e me pediram para ir a Madrid em 11 de fevereiro de 2021.

Assim que cheguei à sede da Guarda de Segurança, vi imediatamente o oficial que me interrogou na primeira vez, Javier, que estava acompanhado por outra pessoa vestindo um uniforme diplomático. Imediatamente me dei conta de que o outro era um oficial de inteligência israelense, por causa de minha experiência anterior em lidar com esse assunto, mas não tinha nenhuma evidência.

Muath durante uma cobertura da imprensa em Madrid em 2021 [Arquivo pessoal]

Javier apresentou-me a pessoa uniformizada como um oficial de inteligência belga, mas assim que esse oficial falou comigo em árabe, tive mais certeza de que ele era do Mossad. Falei com ele em hebraico e perguntei se ele falava hebraico. Os dois homens se mostraram confusos e  o espanhol saiu da entrevista. O israelense ficou comigo e me interrogou por uma hora e meia. A investigação foi toda em árabe. O oficial admitiu que era da inteligência israelense, ele me perguntou sobre toda a minha jornada desde o momento em que viajei da Palestina até o momento em que entrei na Espanha e apresentei meus papéis de asilo, através da minha viagem para a Turquia, onde permaneci por quatro anos. O o oficial espanhol não voltou até quinze minutos antes do fim da investigação.

Durante a investigação, fui diretamente ameaçado. Não poderia voltar para a Palestina ou minha vida correria perigo. Imediatamente me lembrei do momento em que os soldados da ocupação israelense miram-me diretamente durante minha cobertura de um evento na Palestina ocupada, no qual fui moderadamente ferido.O agente também queria que eu revelasse minhas fontes de informação dentro dele, e dissesse como eu fui capaz de descobrir que ele era um oficial israelense, e como consegui os resultados de minha investigação jornalística. Acho que o objetivo do interrogatório  foi estudar onde falharam para evitar qualquer outro fracasso no futuro.

Muath foi ferido durante a cobertura da imprensa na Palestina, após ser alvo direto dos soldados da ocupação israelense [Arquivo pessoal]

Claro, recusei-me a revelar qualquer uma das minhas fontes, e no final da entrevista o oficial israelense pediu-me para nos juntarmos em futuras sessões através do oficial espanhol Javier, o que prova que houve uma tentativa de me recrutar para trabalhar para o Mossad israelense.

O que mais me chamou a atenção e me assustou durante a investigação e, francamente, me apavorou ​​é que esse oficial israelense conhece todos os detalhes da minha vida dentro da Espanha e conhece os detalhes mais precisos sobre o meu processo de asilo, ele sabe meu endereço residencial , o tipo de carro que dirijo e quando e onde trabalho. Isto indica que houve um acompanhamento atento das minhas atividades em Espanha.

Qual você acha que é a gravidade do que aconteceu com você, seja no nível de segurança, seja no nível profissional e da mídia?

Claro, o que aconteceu comigo é muito perigoso, parece que é sabido nos serviços de inteligência europeus que não existem linhas vermelhas, e nisso reside o perigo de que as inteligências europeias estejam trabalhando para a inteligência israelense para ajudá-la a recrutar jovens palestinos que vêm à Europa para migração ou asilo, a fim de se tornarem espiões ou clientes de uma forma ou de outra.

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Além disso, a gravidade do ocorrido reside na exploração dos jovens e da sua necessidade material, o que conduz a uma clara violação de todas as normas europeias e internacionais que preveem a protecção dos refugiados, para além da tentativa de contratação de um pessoa que vive sob ocupação em benefício do próprio ocupante. É claro que isso é ruim, perigoso, imoral e ilegal também.

Muath ganhou o Prêmio Coragem no Festival de Cinema da Turquia – Istambul 2018 (Youtube)

O que aconteceu comigo também aconteceu com muitos jovens palestinos na Europa e em outros países, e é fato bem conhecido entre os palestinos. Mas a juventude palestina em geral ou não tem consciência do que aconteceu nessas situações ou tem medo de revelar o que aconteceu nelas. Pode-se dizer que é a primeira vez que um jornalista expõe esse assunto. Talvez o primeiro jornalista a ser exposto a tal evento e a falar sobre ele e a tomar medidas legais, porque o que aconteceu comigo viola todas as regras do trabalho jornalístico a nível profissional, e sabemos que a Europa defende o trabalho jornalístico e defende o fontes de informação, mas em relação ao que me aconteceu, houve uma clara falta de respeito pelo jornalismo e uma clara exploração de que sou um refugiado e jornalista estrangeiro e não sou um cidadão com plenos direitos.

Você se temeroso por sua vida depois do que foi exposto? Isso pode comprometer trabalho de mídia?

Francamente, a ansiedade está muito presente, mas agora procuro estar atento e consciente de todos os passos que dou, também de todas as minhas experiências, e também me tornei atento a todos os lugares onde vou e os caminhos que tomo. Agora olho muito para as pessoas e desconfio sempre. Se vejo alguém duas vezes em no mesmo dia, desconfio. Posso dizer que tenho ansiedade em um nível pessoal.

Eu também tenho medo da Guarda de Segurança Espanhola, de que possam colocar em risco minha vida pessoal, me expondo em meu carro ou em minha casa ou me acusando sem qualquer coisa,ou de que o que aconteceu comigo seja ser usado para atrapalhar os papéis do meu pedido de asilo. Agora eu acho seriamente que cometi um erro ao escolher o país correto para o asilo e agora estou pensando seriamente em deixar a Espanha se eles não responderam ao meu pedido de asilo, e ir para outro país europeu que me respeite mais.

O que você diria aos profissionais de mídia árabes e palestinos na Europa e no Ocidente em geral?

A consciência de segurança é muito importante para qualquer jornalista, e nós, especialmente os palestinos, devemos ser cuidadosos porque nossa profissão e nossa causa exigem isso. Qualquer agência de segurança que nos convoque não deve fazê-lo por telefone, mas sim através de ofício que chegue em casa. Também não podemos dar nenhum passo sem consultar um advogado, e que este possa acompanhar todos  os processos em departamentos oficiais e governamentais. Além disso, devemos estar cientes de todos os direitos legais para não sermos confundidos ou explorados por nenhuma instituição governamental.

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