Em 1º de abril, um mural apareceu na cidade italiana de Nápoles. Ele retrata trabalhadores palestinos fazendo fila em um posto de controle militar israelense perto de Belém, na Cisjordânia ocupada. O mural se chama “Bem-vindo a Belém” e rapidamente se tornou popular na cidade e nas redes sociais. Foi o trabalho de um conhecido artista e fotógrafo italiano: Eduardo Castaldo.
Castaldo é fotógrafo de cinema e televisão, não é um artista típico. Ele dedica parte de seu tempo e esforços para defender as lutas pelos direitos humanos, igualdade e justiça, especialmente na Palestina e no Oriente Médio em geral.
Castaldo é natural de Nápoles, uma cidade do sul da Itália com profundas conexões históricas e culturais com a Palestina e o mundo árabe. Assim como a cultura italiana influenciou o mundo árabe, numerosos marcadores da cultura árabe podem ser detectados em Nápoles, desde o dialeto napolitano à música e dança, passando comida e muito mais.
Além disso, Nápoles é um símbolo do movimento de resistência italiano durante a Segunda Guerra Mundial. O levante de setembro de 1943 conhecido como “Le Quattro Giornate di Napoli” – Os Quatro Dias de Nápoles – foi um divisor de águas na história da cidade à medida que se libertava da ocupação da Alemanha nazista.
O mural de Castaldo com os trabalhadores palestinos não é seu único trabalho na Palestina e no Oriente Médio. Ele fez muito mais. Além disso, ele passou anos na Palestina trabalhando como fotojornalista.
Conversamos com o artista italiano para entender sua conexão com a Palestina e o mundo árabe, suas inspirações e sua luta contínua contra a injustiça em todas as suas formas.
“Este trabalho originou-se da minha experiência como fotojornalista no Oriente Médio”, disse Castaldo quando questionado sobre “Welcome to Bethlehem”.
Seu trabalho como fotojornalista na Palestina de 2007 a 2011 permitiu que ele mergulhasse na experiência palestina e “testemunhasse diretamente a dinâmica cruel da ocupação militar israelense”. Ele visitou o posto de controle de Belém várias vezes. “Tirei muitas fotos lá”, explicou. “Minha arte de rua é uma colagem de fotos que tirei na época”.
Foi uma experiência “particularmente angustiante”:
“Eu estava do lado de fora da jaula do posto de controle, tirando fotos de trabalhadores palestinos com idades entre 30 e 60, até 70, empilhados uns sobre os outros por horas para passar pelo posto de controle e começar a trabalhar em Jerusalém. Essas pessoas repetiam essa mesma rotina a cada dia, das 4h às 8h. E todos os dias eles eram forçados pelas circunstâncias a sofrer a mesma experiência desumanizante, simplesmente para ganhar escassas quantias de dinheiro [para alimentar suas famílias].”
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Castaldo se sentia “desconfortável em ser um fotojornalista ocidental, fora dos bares, tirando fotos” de trabalhadores palestinos presos lá dentro. Ele nos disse o porquê:
“Essas pessoas já estavam privadas de sua dignidade e eu não sentia que tinha o direito de tirar fotos delas como se fossem animais de um zoológico. Essa sensação era tão desagradável que decidi não mostrar ou vender aquelas fotos para jornais.”
Esse sentimento não o deixou. Na verdade, ficou “cada vez mais forte” a ponto de Castaldo abandonar totalmente o fotojornalismo. Suas experiências na Palestina, entretanto, permanecem gravadas em sua mente até hoje.
Por volta de 2018, ele decidiu reelaborar essas fotos e transformá-las em algo totalmente diferente.
“Juntei 40-50 imagens em uma única imagem, que ganhou vários prêmios, incluindo o Sony World Photography Awards em 2018. Sentindo a necessidade de transmitir as experiências dolorosas dos palestinos para o mundo, transformei aquela foto em uma obra de arte de rua. artista, essa foi a minha maneira de narrar essa experiência: tanto meu sentimento de desconforto quanto a humilhação e o abuso que os palestinos foram forçados a suportar.”
O mural de Belém não é a única obra de arte de rua que Castaldo dedicou à Palestina. Na Via San Giovanni a Pignatelli, também em Nápoles, há outro mural de tirar o fôlego de uma mulher napolitana jogando um balde d’água sobre dois soldados israelenses que tentam escalar o muro. Isso, ele ressaltou, é também uma reconstrução de uma foto tirada durante uma operação militar israelense na Palestina:
“Jogar água é bastante comum em Nápoles, especialmente por mulheres que querem assustar as crianças quando fazem barulho na rua. Ao associar essa reação típica aos soldados israelenses, tentei resumir a solidariedade de Nápoles com o povo palestino. Esse gesto se tornou um símbolo da Nápoles ‘antissionista’”.
Mas a inspiração palestina de Castaldo vai além das fronteiras geográficas da Palestina ocupada até a própria Itália. “Decidi adicionar um elemento à bandeira palestina.” Esse está no mural e é um retrato de Ali Oraney, um ativista palestino-italiano que viveu em Nápoles no início dos anos 1980 e morreu de covid-19 há alguns meses.
“Ali desempenhou um papel importante na continuação da luta do povo palestino até mesmo em Nápoles. Ele foi uma das figuras-chave do ativismo pró-Palestina na cidade e, de forma mais geral, na Itália. O retrato é uma homenagem da minha cidade para o povo palestino e Ali.”
Como muitos artistas, jornalistas e outros visitantes da Palestina, a conexão humana é, para Castaldo, uma relação muito mais poderosa do que a que vem de livros e noticiários. Passar um tempo com o povo palestino costuma ser o melhor antídoto para a desumanização que sofre nas mãos da grande mídia. Morar na Palestina e no mundo árabe, observou ele, permitiu-lhe criar um forte vínculo com as pessoas comuns que vivem lá, com suas experiências e com suas lutas diárias.
“Fiz amizade com muitas pessoas lá e tive a chance de experimentar algumas dessas coisas em primeira mão, como jornalista e como ser humano. Isso é essencialmente o que criou meu vínculo com o povo palestino.”
Ele acredita que a arte é capaz de alterar a realidade de alguma forma?
“Não tenho ilusões de que a minha arte possa mudar as coisas no terreno. No entanto, é uma forma de oferecer as minhas competências ao que considero importante. Tem, sem dúvida, um valor pessoal para mim. E acredito que o valor político das minhas obras de arte está intrinsecamente ligado aos lugares em que estão inseridas. Meu objetivo final é conectar a cidade de Nápoles, onde moro, a essa causa.”
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Sobre arte, política e liberdade em geral, ele está “perfeitamente ciente” de que sua arte não mudará por si só uma situação política tão dramática, nem terá um papel fundamental. “Mas também acho que pode contribuir porque arte é liberdade. E, para mim, é importante destacar que essa liberdade não é neutra, ela tem que estar de um lado, do lado certo.”
A obra de arte de Castaldo com motivação moral e consciência política abrange outras áreas e assuntos além da Palestina, embora, em sua essência, todas essas questões estejam conectadas. Tendo também trabalhado como fotojornalista durante a revolução egípcia, ele dedicou outro mural a Giulio Regeni, um jovem acadêmico italiano que foi assassinado no Egito em janeiro de 2016, supostamente pelas forças de segurança egípcias.
“O mural não foi dedicado apenas a Regeni, mas também à situação egípcia como um todo, porque ele fez parte dela. Além disso, meu objetivo final não era apenas denunciar a única violação contra Regeni, mas também todo o sistema repressivo no Egito.”
O artista está particularmente feliz com o fato de seu trabalho ser muito popular no Oriente Médio. Ele continua recebendo muito apoio e elogios do povo e de outros artistas da região.
“Graças às redes sociais, meus trabalhos são mais populares no Oriente Médio do que na Europa. E devo dizer que suas reações positivas, seu apoio e sua solidariedade me deixam orgulhoso.”
Castaldo certamente não é um artista típico. A ética e a moralidade desempenham um papel crucial em tudo o que ele faz. Ele se inspira nas pessoas e, sempre que possível, expõe sua obra também para as pessoas. Ele se alimenta do amor e do apoio que adquire das pessoas comuns, seja na Palestina seja em Nápoles.
Esse artista do povo tem a missão de transmitir o tipo de dor, sofrimento e indignidades que pessoas naturalmente dignas costumam enfrentar isoladas. Sua arte também conta a história de orgulho, beleza e esperança por um futuro melhor.