Quando parecia que a causa palestina estava quase liquidada e relegada a um plano bem secundário no cenário internacional, o mundo foi surpreendido nos últimos dias por um verdadeiro levante na velha cidade de Jerusalém. O movimento foi em resposta às constantes violações de Israel contra a Mesquita Al-Aqsa e ao plano de expulsar palestinos de suas casas no bairro Sheikh Jarrah, localizado fora dos muros da cidade velha de Jerusalém. Este levante veio num momento em que a causa palestina tinha sofrido recentes reveses. A começar pela normalização de relações com Israel feita por estado árabes como os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, e terminando pelo tão aclamado “acordo do século”, tão ferrenhamente defendido pelo ex-presidente americano Donald Trump.
Porque Jerusalém?
Não foi por acaso que o presente levante eclodiu em Jerusalém. A cidade histórica é muito mais que uma cidade sagrada para as três religiões monoteístas (Islã, Cristianismo e Judaísmo). A cidade de Jerusalém é a capital legítima e histórica da Palestina, e é o centro da resistência em diversos momentos da vida da causa palestina desde a trágica Nakba. Jerusalém teve papel primordial na Revolução Palestina de 1936 e na Intifada de 2000, conhecida como Intifada de Al-Aqsa, deflagrada como consequência da profanação da mesquita sagrada pelo Ariel Sharon.
Bait Al-Maqdiss, Al-Quds, como é conhecida a cidade histórica em árabe, foi conquistada pelo segundo Califa, Omar Ibn Al-Khattab, o qual recusou-se a rezar numa de suas catedrais, em respeito à população cristã existente na região. Quando questionado sobre este nobre ato, Omar disse que a sua recusa foi para impedir que os muçulmanos transformassem a catedral em mesquita após a sua morte, sob o pretexto de que “aqui Omar rezou”. Outro exemplo de tolerância, nobreza e magnanimidade na história islâmica é dado pelo líder guerreiro de origem curda Salahuddin Al-Ayubi, o famoso Saladino, a forma aportuguesada do seu nome.
Saladino expulsou os cruzados de Jerusalém. No entanto, e diferentemente destes invasores europeus, o nobre líder muçulmano deu prova de cavalheirismo e nobreza ímpares ao evitar o derramamento de sangue na reconquista da cidade, e ao permitir a peregrinação de cristãos e judeus para a cidade sagrada. Aliás, o bairro de Sheikh Jarrah, que agora está sendo alvo do apartheid e violações sionistas, tem o seu nome em referência ao médico particular de Saladino, conhecido como Hussam Al-Din Al-Jarrahi. Este bairro fica fora dos muros da antiga cidade, e é composto inteiramente por árabes palestinos, alvos das políticas de apartheid sionista.
LEIA: Palestina não será a mesma depois de outra Aqsa Intifada
Desde 1967, após a humilhante derrota árabe na Guerra dos Seis Dias, Jerusalém está sob ocupação israelense. Desde então, as políticas de judaização da cidade sagrada tem sido uma política sistematizada do Estado de Israel. Estas agressões e violações de hoje fazem parte da política do estado sionista. Desde os primórdios do movimento sionista, até a instalação do estado hebreu, e durante todos mais de sete décadas da história do estado de Israel, terrorismo, apartheid, racismo, violações e ocupação tem sido a constante de todas as instituições e sociedade israelenses.
O que significa o atual levante?
O atual levante veio num momento da geopolítica árabe caracterizado pela indiferença e até hostilidade em relação à causa palestina, como nos recentes acordos de paz de vários estados árabes com Israel. Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos deram de ombros à causa palestina ao firmar estes acordos de normalização. Não seria exagero dizer que estes três países árabes e muçulmanos apunhalaram a causa palestina pelas costas, além de ferirem a honra dos mundos islâmico e árabe.
É como se este levante viesse para dizer aos governos árabes que estão fazendo acordos de paz com Israel que a causa palestina está mais viva do que nunca, e que, mesmo que haja governos árabes dispostos a desconsiderar a luta histórica do povo palestino, este povo continua firme e forte no apego ao seu direito histórico e na sua luta contra as injustiças e violações sionistas. Em Jerusalém foi o estopim deste levante. Mas logo, várias cidades palestinas tornaram-se palco de protestos. E a Faixa de Gaza foi além: bombardeou cidades israelenses com foguetes, como resposta contra as agressões sionistas em Jerusalém e Sheikh Jarrah. As forças armadas de Israel mais uma vez bombardearam Gaza, atingindo alvos civis e causando a morte de crianças, homens e mulheres inocentes. O povo dos gigantes
O eterno e ultra-carismático líder palestino Yasser Arafat costumava referir-se ao povo palestino como “o povo dos gigantes”. Em momentos como os deste levante, quando testemunhamos a heróica e brava luta do povo palestino contra um dos maiores arsenais militares do mundo e contra um dos regimes de apartheid mais opressores de toda a história da humanidade, nestes momentos temos a certeza que Arafat estava coberto de razão, e de que a sua famosa descrição dos palestinos não tinha nenhum exagero: são o povo dos gigantes sim!
LEIA: A causa palestina é sufocada mas não morre
Quanto mais o estado sionista perpetra as suas atitudes opressoras, matando, expulsando e prendendo palestinos, mais este bravo e nobre povo, cheio de fibra e garra, mostra que não abdicará dos seus direitos históricos e que nunca esquecerá quem ocupou criminosamente a Palestina, matando e expulsando os seus legítimos habitantes.
O eixo da resistência
Em momentos de confronto entre palestinos e judeus, com acirramento das hostilidades entre inimigos históricos, é natural que lembremos do autoproclamado “eixo da resistência”, liderado pelo estado teocrático xiita do Irã. Este eixo tem feito há décadas propaganda a favor da causa palestina. Mas, e na prática? O que Irã tem feito pela causa palestina junto com seus aliados, como o regime sírio da ditadura Al-Assad?
Na prática, o que Irã e seus aliados fizeram no Oriente Médio nas últimas décadas foi prestar serviços gratuitos ao estado sionista de Israel. O estado persa dos aiatolás ocupou e destruiu de forma ou de outras quatro capitais árabes: Bagdá, Beirute, Damasco e Sanaa. Através das suas milícias, o estado iraniano matou milhares de árabes inocentes e arruinou a vida de tantos outros milhares.
O exército iraniano tem uma divisão inteira chamada de “Divisão de Jesrusalém”, que já foi liderada pelo Qassem Suleimani, assassinado por Trump em 2020 em Bagdá. Esta divisão do exército iraniano até hoje não fez nada por Jerusalém ou pelos palestinos. O nome da cidade sagrada foi e está sendo usado a serviço das aspirações imperialistas persas na região. Não haveria melhor oportunidade para a “Divisão de Jerusalém” mostrar o quanto ama Jerusalém do que neste atual levante. No entanto, o eixo da resistência fez, mais uma vez, o que sempre está acostumado a fazer: não mexer uma palha sequer por Jerusalém e Palestina.
LEIA: Jesus, o palestino!
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.