Dia da Nakba: Pelo fim do apartheid de Israel

Protesto em apoio à Palestina, em Los Angeles, Estados Unidos, no 73° da Nakba — ‘catástrofe’, como é descrita a criação do Estado de Israel, via limpeza étnica, em 1948 —, 15 de maio de 2021 [Patrick T. Fallon/AFP via Getty Images]

Neste Dia da Nakba, em 15 de maio, após 73 anos desde a “catástrofe” palestina — isto é a criação do Estado de Israel via limpeza étnica —, apesar do apartheid israelense apostar no esquecimento, o mundo vivenciou manifestações de união e coragem de um povo sofrido, mas que luta implacavelmente por suas terras e direitos e resiste à última das aberrações coloniais.

Como em todas as lutas anticoloniais, há um alto preço a pagar. O número de mortes aumenta hora após hora na Faixa de Gaza, Cisjordânia e toda a Palestina ocupada. É preciso que a comunidade internacional não permaneça indiferente e seria inspirador ao povo palestino sitiado ver que afinal não está sozinho em sua luta por sobrevivência.

Nakba, 1948 [Carlos Latuff/Monitor do Oriente Médio]

A voz da humanidade deve erguer-se em indignação e mobilizar a melhor maneira de prestar respeito aos mortos e feridos, incluindo crianças e mesmo bebês, assim como às famílias das vítimas, suas mães, pais, esposas, maridos e avós. Vez após vez, famílias inteiras são obliteradas. A propagação da verdade em campo é necessária para romper a falsa narrativa israelense, a impunidade concedida pelas potências ocidentais aos crimes hediondos da ocupação e mesmo a tendência de desinformação da grande mídia global.

Nossa determinação é mais vital diante do massacre bárbaro do povo palestino por forças belicistas de Israel e seu premiê corrupto e desesperado, Benjamin Netanyahu, que ameaçam uma guerra sem precedentes e até mesmo uma “solução final”. Temos de expressar nossa indignação sobre os crimes de guerra israelenses, reconhecidos como tais pela lei internacional.

Até domingo, ao menos 200 palestinos foram mortos, dentre os quais, 29 mulheres e 68 crianças — em contraponto a nove israelenses. Quarteirões inteiros em Gaza, residenciais ou comerciais, incluindo escritórios de imprensa das redes Al Jazeera e Associated Press, foram reduzidos a escombros. As intenções de Israel em aniquilar sedes de imprensa junto das vidas palestinas de fato demonstram receios de que a dimensão de seus crimes alcance o mundo. Grande democracia no Oriente Médio, certo? Grande mentira.

Nossos irmãos palestinos nos pedem agora por coragem igual, para combater o apoio criminoso da comunidade internacional a Israel. É imperativo confrontar a despudorada cumplicidade passada a Donald Trump e Joe Biden como legado de sucessivos governos dos Estados Unidos desde 1948. Quão macabro é Biden ao alegar que Israel tem razão em bombardear Gaza por “autodefesa”? Quão pérfida é a conivência e hipocrisia da França, Reino Unido, Alemanha, Canadá e Austrália, além dos regimes repugnantes da Áustria, Hungria, Brasil, Lituânia e Polônia? Quão desleais e covardes são os regimes árabes?

É ainda dever sagrado da África do Sul mobilizar-se contra a Nakba dia após dia; construir e elevar sua campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra o apartheid israelense; parar os embusteiros sionistas com a dura verdade.

É preciso dar apoio às vozes judaicas internacionais por justiça, que expõem a pervesidade da chamada Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA) em associar denúncias legítimas a antissemisimo. Tais vozes denunciam ainda as turbas racistas e sua escolta policial na Palestina ocupada, além do histórico de colonização compartilhado com o Ocidente, que propagou o veneno da xenofobia e culminou nos pogroms remanescentes da era dos czares e na terrível Noite dos Cristais, na Alemanha, em 1938. Há sim analogias com o nazi-fascismo. Aharon Cizling, um dos ministros de Ben Gurion, primeiro premiê israelense, constatou expressamente logo após o primeiro massacre de Deir Yassin, em maio de 1948: “Nos comportamos como os nazistas e estou abalado”.

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Albert Einstein e Hannah Arendt alertaram para a ascensão de partidos fascistas em Israel e, naquele mesmo ano, Menachem Begin visitou Nova York para obter recursos. Begin, futuro primeiro-ministro e comandante da milícia terrorista Irgun, antecedeu os açougueiros Ariel Sharon e Benjamin Netanyahu na liderança do partido Likud.

Um Netanyahu desesperado, ao ver sua coroa escorrer por entre os dedos, sob risco iminente de prisão devido a acusações graves de corrupção, agarra-se agora a uma rota de fuga ao incitar a guerra contra Gaza sitiada. A indústria israelense de armamentos lambe os beiços com a oportunidade de testar em campo sua última tecnologia e mais uma vez vender equipamentos repulsivos a belicistas internacionais e outros mercadores da morte. Para ele, é hora de bons negócios. Toda vez que Gaza é destruída e vidas são esmagadas, as vendas e ações israelenses vão às alturas.

O que Netanyahu e seus cúmplices do exército israelense talvez não esperavam é a forma como o deslocamento forçado de famílias palestinas em Sheikh Jarrah e toda Jerusalém ocupada — para substituí-las por colonos ilegais –, além dos ataques sacrílegos contra a Mesquita de Al-Aqsa, poderia unir como nunca antes o povo palestino de Gaza, Cisjordânia, no território considerado Israel e na enorme diáspora.

O presidente Biden, à deriva, deu carta branca a Israel através do suposto direito de “defender-se”, com uma verdadeira chuva de morte de seu ostentoso aparato militar contra foguetes caseiros lançados de Gaza, ao efetivamente devastar um território sitiado com dois milhões de habitantes. A grande imprensa e os governos ocidentais embarcam em sua frágil retórica, junto de ex-potências coloniais que resguardam a mesma psiquê do imperialismo dos Estados Unidos, sem jamais compreender que repressão demanda resistência.

Caso tais foguetes fossem provenientes do Irã, como alegam alguns, seus mecanismos de precisão seriam muito mais sofisticados. Não há qualquer possibilidade de contrabandear equipamentos à Faixa de Gaza hermeticamente selada, sobretudo pela sentinela egípcia de Abdel Fattah el-Sisi na porta dos fundos. Foguetes caseiros, manufaturados com tubos e canos, são prova apenas do engenho da resistência, mas pouco ou nada fazem contra o avançado aparato global.

A razão para responder às agressões da ocupação israelense é clara a todos, exceto o agressor e seus aliados: a indignação justificada de um povo que reage a uma brutal opressão racista, expropriação colonial de terras e direitos, destruição de casas e propriedades, assassinato de crianças, maus tratos, barbárie e humilhação — por sete décadas! Foi isso que levou os sul-africanos a reagirem no passado contra seu regime de apartheid.

A impressionante resistência, porém, contesta os próprios preceitos de Ben Gurion, pai-fundador de Israel, profundamente racista e com uma mentalidade colonial como Hendrik Verwoerd, arquiteto do apartheid na África do Sul. Em 1948, às vésperas da criação do estado sionista, quando lançou uma campanha terrorista de limpeza étnica para expulsar 750 mil palestinos de suas terras e destruir quase 600 aldeias, Ben-Gurion afirmou a seguidores que aqueles em fuga logo se esqueceriam. O povo palestino, incluindo os mais jovens, que resistem com pedras, desafiam as esperanças sionistas.

É o sonho do povo palestino que a vitória nesta guerra possa vir em breve, ao passo que suportam mais e mais baixas e chacinas, na dura estrada pela liberdade. Estamos a seu lado por justiça: cristãos, judeus, muçulmanos, hindus e todos as outras crenças e religiões.

A arma do BDS

É imperativo que a comunidade internacional redobre esforços para ajudar o povo palestino em ações de solidariedade. A campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) representa a vantagem mais extraordinária em nosso arsenal. Funcionou para levar ao fim o apartheid conforme a resistência do povo negro da África do Sul. O movimento pacífico ganhou força e alcance, ao ponto de Israel identificá-lo como “ameaça estratégica”.

Israel, como nosso regime de apartheid, deve pagar por seus crimes — sobretudo, com sanções. Nós, sul-africanos, devemos continuar a exigir de nosso governo e dos estados de nosso continente a romper relações com o apartheid israelense. Devemos recorrer à toda a África para rejeitar propinas falaciosas de Israel, cujo intuito é ludibriar nossos irmãos. Devemos aplicar sanções plenas contra o estado de apartheid e assumir o posto de verdadeiro bastião da solidariedade internacional com a Palestina.

A África do Sul deve convocar uma conferência internacional de solidariedade à causa palestina, a fim de debater um programa global para mobilizar governos, sindicatos e toda a sociedade civil a efetivamente isolar Israel, fortalecer a campanha de BDS, dar fim à ocupação, suspender o cerco a Gaza, desmantelar os assentamentos ilegais, derrubar o muro do apartheid e outras barreiras, garantir o direito de retorno a todos os refugiados e preservar as liberdades dos palestinos de Jerusalém Oriental. Ainda além, é preciso assegurar direitos iguais aos cidadãos palestinos dentro do território israelense, hoje tratados como cidadãos de segunda categoria e agredidos por multidões racistas.

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Os criminosos de guerra israelenses devem enfrentar o Tribunal Penal Internacional. O estado sionista tem de pagar indenizações a todas as mortes e propriedades destruídas por suas forças militares. Alguns riem devido à impunidade ainda consagrada a Israel.

Netanyahu promete agir contra o Tribunal Penal Internacional [Carlos Latuff/Monitor do Oriente Médio]

A campanha de BDS defende o boicote e desinvestimento de Israel e bancos e corporações multinacionais comprometidos com o apartheid e o colonialismo israelense. O banco de dados de empresas e instituições financeiras que agem em cumplicidade com a expansão de assentamentos ilegais na Palestina ocupada, compilado pelas Nações Unidas, embora incompleto, representa um bom início.

O boicote a produtos americanos e europeus, como comercializados pela Chase Manhattan, Caterpillar Tractors, Estee Lauder, Barclays e Elbit Systems, trará pressão ao mundo corporativo para encerrar tamanha estratégia de apoio ao estado israelense. Os Estados Unidos enviam US$3.8 bilhões anuais ao aparato militar israelense, que retornam manchados de sangue — além de sua blindagem diplomática e precarização de resoluções da ONU que, caso implementadas, poderiam abalar o âmago da intransigência israelense. É também crime contra a humanidade permitir que Israel continue a ceifar vidas. Washington é cúmplice de Tel Aviv e tem de ser responsabilizado como tal, pois ampara o crime de apartheid. Outros aliados ocidentais também são cúmplices deste massacre.

Nós, sul-africanos, junto daqueles em todo o mundo comprometidos com a justiça e humanidade, entoamos nosso grito de guerra em solidariedade à resistência justa do povo palestino. Mayihlome! — Estejam armados! Não há neutralidade na luta por liberdade e justiça. Um povo unido jamais será vencido. A Palestina será livre do rio ao mar — para todos que ali vivem em paz, igualdade e segurança.

Ronnie Kasrils é ex-ministro da África do Sul e ex-membro do Congresso Nacional Africano

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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