Setenta e três anos se passaram desde a Nakba palestina, data que o estado sionista de Israel autoproclamou sua “independência”. A declaração seguiu-se de massacres de palestinos cometidos por gangues terroristas judaicas, conforme limpeza étnica deliberada de 750 mil pessoas que viviam na região.
Não é possível estimar com precisão o número de vítimas de tais massacres pois o mundo não se importava o bastante sequer para registrar os dados. Ao contrário, reconhecimento e ostensivo cuidado foram esbanjados ao nascente estado clandestino. Sabemos, no entanto, que mais de 550 aldeias e cidades palestinas foram varridas da face da terra por Israel para dar lugar a colonos ilegais exclusivamente judeus. A limpeza étnica continua até hoje.
Tudo isso aconteceu aos olhos de políticos e da imprensa de todo o mundo, a maioria dos quais concederam apoio ao estado racista opressor ao invés dos oprimidos, os nativos palestinos. Nenhuma ação concreta foi imposta pela comunidade internacional para conter, muito menos para impedir o agressivo colonialismo israelense. A retórica humanitária e notas de repúdio sem significado real foram o melhor que os palestinos viram e ouviram desde então.
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Em 2021, o aniversário da Nakba coincidiu com uma brutal ofensiva militar israelense ainda em curso, contra toda a Palestina ocupada: as terras capturadas em 1948 — território considerado Israel — e aquelas capturadas em 1967, isto é, Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
No próprio território israelense, os palestinos são submetidos a ataques racistas de grupos de extrema-direita como Lehava e La Familia, que recebem apoio e escolta da polícia sionista. Cidadãos palestinos de Israel foram mortos e dezenas ficaram feridos. Qual era seu crime? Tomaram as ruas em solidariedade aos residentes palestinos do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, sob ameaça de expulsão de suas casas e deslocamento forçado para dar lugar a colonos ilegais.
Na Cisjordânia ocupada, forças da ocupação israelense reprimiram com violência excessiva protestos populares em solidariedade a Gaza, que enfrenta mais outra vez bombardeios brutais do exército israelense. Fontes oficiais palestinas apontam para doze mortos na Cisjordânia e centenas de feridos, catorze dos quais em estado grave.
As famílias palestinas que enfrentam expulsão de suas casas em Jerusalém ocupada enfrentam um processo judicial arbitrário, liderado por organizações coloniais com base em documentos forjados. O sistema legal israelense está bastante satisfeito em atender às gangues racistas.
Além disso, Israel continua a impor rigorosas restrições sobre os palestinos que querem orar na Mesquita de Al-Aqsa. Todo o mundo pôde ver, até então, as imagens em vídeo de policiais e soldados que invadem o santuário sagrado e disparam gás lacrimogêneo, granadas de efeito moral e balas de borracha contra fiéis pacíficos.
O bombardeio da Faixa de Gaza, já sob cerco militar a catorze anos, perdura por mais de sete dias e noites consecutivos. Até domingo (16), morreram 197 pessoas, incluindo 58 crianças e 34 mulheres, além de 1.230 feridos. Famílias inteiras foram mortas pelos ataques israelenses contra áreas residenciais. Duas mães e seus oito filhos foram mortos quando Israel bombardeou suas casas, enquanto alega atacar alvos “terroristas”.
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Devíamos estar surpresos, mas não é possível. Trata-se da via de regra para o estado israelense — devido sobretudo ao apoio ocidental que concede à ocupação sua impunidade. Em suma, Israel continua a evadir-se da responsabilidade literal por milhares de assassinatos. É isso que o povo da Palestina ocupada tem de enfrentar há mais de sete décadas, enquanto a comunidade internacional senta-se à margem, abana os braços e proclama apoio para uma suposta democracia que nada faz para proteger os palestinos. Aqueles na diáspora foram esquecidos, muitos em campos de refugiados superlotados, sem acesso aos mais básicos direitos humanos.
Por que então, muitos se surpreendem quando os palestinos decidem buscar justiça com suas próprias mãos? A Autoridade Palestina, criada e restrita pelos Acordos de Oslo, permanece impotente; seu papel é conceder cobertura de segurança para Israel nos próprios territórios ocupados. No vácuo criado pela cumplicidade da Autoridade Palestina com o ocupante, emergiu o movimento de resistência Hamas. Denunciado como organização terrorista pelos mesmos governos que apoiam a violência desenfreada de Israel, o Hamas venceu a única eleição livre e democrática que os palestinos de fato puderam realizar. Sua vitória em 2006 foi rejeitada por Israel e seus lacaios ocidentais — deve ser dito, também pela Autoridade Palestina liderada pelo partido Fatah. O estado sionista então impôs um bloqueio severo à Faixa de Gaza e o Hamas reuniu, por consequência, todas as facções de resistência locais em um órgão conhecido como Sala Conjunta, para coordenar operações militares de tais movimentos.
Antes de lançar foguetes em direção a Israel, o Hamas fez um apelo à ocupação para interromper seus ataques contra fiéis na Mesquita de Al-Aqsa e suspender a expulsão de famílias palestinas de suas casas em Sheikh Jarrah. Israel escolheu ignorar os alertas, de modo que o movimento preferiu repetí-los à comunidade internacional, ao solicitar intervenção global pelo fim das violações em curso. A comunidade internacional, não obstante, ignorou também. Apenas quando o Hamas, através da Sala Conjunta, proclamou sua defesa de civis palestinos atacados brutalmente por Israel, o mundo atentou-se afinal para a conjuntura; porém, para condenar diligentemente os “terroristas do Hamas” e ofertar apoio incontestável aos crimes de guerra israelenses, sob pretexto de “autodefesa”.
Segundo a Casa Branca, o Presidente dos Estados Unidos Joe Biden conversou por telefone com o Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu e condenou os disparos de foguetes palestinos. “[Biden] transmitiu seu apoio inabalável à segurança de Israel e seu direito legítimo de defender-se e defender seu povo”, declarou Washington. Trata-se de um estado colonial genocida em apoio a outro estado colonial genocida, a despeito de fatos vastamente documentos e em franco desprezo da lei internacional. A realidade é que Israel não tem qualquer “direito legítimo de defender-se”.
A lei sobre resistência é bastante clara. A Resolução 37/43 das Nações Unidas, datada de 3 de dezembro de 1982, “reafirma a legitimidade da luta dos povos por independência, integridade territorial, união nacional e libertação de domínio estrangeiro e colonial e ocupação externa, por todos os meios disponíveis, incluindo luta armada”. Os movimentos de resistência palestinos não são, portanto, “terroristas”. É sua resistência às agressões israelenses que é tem absoluta legitimidade, e não a falácia de “autodefesa” do estado ocupante.
Washington deve pensar que somos estúpidos. O Secretário de Estado dos Estados Unidos Antony Blinken, por exemplo, alegou que “Israel tem o fardo extra de tentar todo o possível evitar baixas civis”. No entanto, o exército israelense continua a lançar bombas contra áreas residenciais densamente povoadas na Faixa de Gaza, que resultam na chacina indiscriminada de homens, mulheres e crianças e na destruição de vasta infraestrutura civil. A tentativa patética de Blinken de omitir os crimes de guerra israelenses sucedeu o apoio de seu chefe a estes — tudo em nome da “autodefesa”, mesmo embora não haja nenhuma lei de “autodefesa” para estados coloniais ocupantes, como Israel.
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Segundo relatos, Netanyahu disse: “Gostaria de expressar minha gratidão ao meu amigo Joe Biden e outros — o Presidente da França, o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Chanceler da Áustria e a Chanceler da Alemanha, entre outros. Eles preservaram nosso direito natural e evidente de nos defendermos, para agir em autodefesa contra terroristas que atacam civis e se escondem por trás de civis”. Netanyahu é um tremendo mentiroso — além do currículo como criminoso de guerra. Aqueles que o apoiam são cúmplices de seus crimes.
Sobretudo, por qual razão tais líderes hipócritas de diversas nações do mundos “preservam” um direito inexistente de “autodefesa” a um estado ocupado e não falam nada do direito consagrado de resistir à ocupação e de fato agir em autodefesa em nome de um povo sob ameaça existencial há mais de sete décadas? Por que a resistência legítima dos palestinos é denunciada como “terrorismo”? Não têm os palestinos o direito de também defender-se contra a força belicista da potência ocupante?
O apoio ocidental a Israel é digno de ditadores e opressores históricos. A comunidade internacional hoje mente quando diz que quer a “paz” a israelenses e palestinos. Quer dizer assim que deseja o silêncio e o desaparecimento do povo palestino, à medida que Israel faz tudo o que quer. A dimensão desta hipocrisia é aterradora. A paz real somente será conquistada quando o mundo deixar de demonizar os palestinos e sua resistência legítima e parar de lavar as mãos perante os crimes de guerra e lesa-humanidade cometidos por Israel.
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