A agonia da desapropriação palestina

Ativistas da sociedade civil seguram cartazes e marcham enquanto participam de uma manifestação em apoio à Palestina durante um protesto anti-Israel, em Islamabad, em 20 de maio de 2021. [AAMIR QURESHI / AFP via Getty Images]

O que basicamente levou à última ofensiva militar israelense contra a Faixa de Gaza é muito simples: a política israelense em andamento de se apropriar do máximo possível de terras na Palestina; é uma política de décadas que é imparável. Essa política é uma ferramenta para o expansionismo israelense, que produz mais palestinos deslocados quase diariamente. Nesta ocasião, como muitas vezes no passado, está embutido na ilusão de que sucessivos governos israelenses, independentemente de suas inclinações políticas para a esquerda ou direita, são administrações simples e inocentes que defendem a lei de maneira justa e imparcial. Esta é outra maneira de dizer que Israel, ao reforçar o Estado de Direito, está de fato aderindo a princípios democráticos como qualquer outra democracia. O que não é.

Não se deve esquecer que um dos principais motores da atual agressão contra Gaza foi o despejo planejado – limpeza étnica – de famílias palestinas de suas casas em Sheikh Jarrah, um subúrbio de Jerusalém ocupada. Suas casas devem ser entregues a colonos ilegais, que são os soldados rasos da política de grilagem de terras. Tudo isso é cuidadosamente camuflado por afirmações enganosas de que a justiça está sendo feita por meio de um sistema judicial independente e justo.

A comunidade internacional, especialmente os Estados Unidos e a Europa, tende a recuar em comentários sobre essas decisões judiciais sob o pressuposto de que o judiciário israelense opera de forma independente e os julgamentos devem ser respeitados. Desafios jurídicos, eles insistem, devem ocorrer dentro do mesmo sistema. Essa suposição não passa por um exame minucioso.

Com o passar do tempo, a maioria das decisões dos tribunais israelenses tornam-se rotineiras e nunca mais serão discutidas. Isso tem acontecido repetidas vezes, e a última batalha judicial sobre o Sheikh Jarrah não é exceção. Um grupo de colonos, encorajado e protegido pelo governo israelense, reivindicou a propriedade de casas palestinas, levou o caso a tribunal e venceu. Depois de perder essas batalhas judiciais, as famílias palestinas geralmente acabam nas ruas. A família Dajani é um excelente exemplo. Ela está envolvida em batalhas judiciais nos tribunais há décadas, tentando manter a casa em que vive desde 1950, muito antes de Israel ocupar a área em 1967. Eles perderam a luta e receberam ordem de partir em 1º de agosto.

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Encorajados por essa vitória, os colonos moveram-se para ajudar outros a reivindicarem mais casas no bairro. O mesmo padrão se repete desde os anos 1970, e as vítimas são sempre as mesmas: os palestinos, para quem uma vitória legal é extremamente rara. Lembra-se de que, de acordo com o direito internacional, Israel é a potência ocupante em Sheikh Jarrah e seus tribunais não têm jurisdição sobre os palestinos no território ocupado, nem soberania legal sobre a própria terra. As sentenças do tribunal, portanto, são inválidas.

Polícia israelense apoia colonos israelenses em seu roubo de casas palestinas em Jerusalém – Charge [Sabaaneh / Monitor do Oriente Médio]

O sistema legal israelense é um código no estilo do apartheid que favorece os judeus, mesmo quando são imigrantes recentes de outros países sem qualquer conexão com a Palestina. No entanto, os julgamentos injustos e realmente ilegais sempre são passados, fornecendo um verniz legal que permite que mais terras sejam tomadas de seus legítimos proprietários, o povo da Palestina ocupada. Qualquer coisa relacionada à terra enfrenta dificuldades “legais” semelhantes. É quase impossível, por exemplo, para os cidadãos palestinos obterem licenças de construção, o que os obriga a construir ou ampliar suas casas sem a permissão das autoridades ilegais ocupantes. As mesmas autoridades de ocupação israelense então ordenam que os proprietários demolirem os prédios eles próprios ou paguem a Israel para fazer o trabalho em seu nome. Essas demolições são sempre amparadas por ordem judicial, de um judiciário que não possui jurisdição legal na área.

Além disso, uma ordem de demolição também pode ser acompanhada pela retirada da autorização de residência “concedida” pelas autoridades de ocupação aos palestinos nascidos e criados em Jerusalém. É assim que os tribunais – os tribunais sem jurisdição real – são usados ​​para acelerar o judaísmo israelense da cidade por meio de mudanças demográficas forçadas; é ainda mais limpeza étnica.

É uma história semelhante com terras e espaços públicos. A terra é confiscada por Israel sob o pretexto de “segurança nacional”, “benefício público” ou “propriedade disputada”. De qualquer forma, os palestinos indígenas sempre perdem.

Israel e seus lobbies nas capitais ao redor do mundo promoveram essa narrativa falsa com tanto sucesso que os tomadores de decisão ocidentais em particular a aceitam sem questionar. Aos olhos deles, Israel é de fato uma democracia que aplica o Estado de Direito igualmente a todos os seus cidadãos. As falhas negligenciadas por Washington, Londres, Berlim e Paris são que os cidadãos palestinos de Israel são discriminados em todos os níveis, e as leis são consagradas para fazer cumprir isso; e os palestinos sob ocupação estão sujeitos a um regime militar – a estranhamente chamada “administração civil” – e não são cidadãos de forma alguma. As leis e convenções internacionais que deveriam protegê-los são descartadas como irrelevantes.

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Na realidade, portanto, todo o sistema legal israelense, até a Suprema Corte, é uma farsa, porque desconsidera o fato fundamental de que Jerusalém, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza são territórios ocupados legalmente e praticamente por palestinos. Qualquer sistema jurídico que opere como se esse não fosse o caso é fatalmente falho e fundamentalmente discriminatório e, portanto, não merece respeito.

O povo da Palestina ocupada, especialmente aqueles em Sheikh Jarrah (cuja situação não é uma exceção, é a norma), não tem outro recurso senão ao sistema que é basicamente corrupto e cúmplice de sua situação em primeiro lugar. Que outra opção eles têm a não ser tomar as ruas em protesto? Diante de tais protestos recentes (reprimidos com grande brutalidade pela polícia israelense), a Suprema Corte de Israel adiou sua decisão sobre os despejos, mas está apenas atrasando o que parece ser inevitável.

A situação em Sheikh Jarrah é um lembrete de que, a menos que o mundo tome uma posição firme, além das habituais condenações brandas, o ciclo de limpeza étnica se repetirá. Israel quer, no mínimo, uma proporção de 70:30 de judeus e árabes palestinos no bairro, de modo que os últimos continuarão a enfrentar os tribunais do apartheid até que isso seja alcançado. A desapropriação palestina continuará até que Israel seja levado a entender que a limpeza étnica da Palestina acarreta um custo para o estado do apartheid. Se isso não acontecer, as perspectivas de paz e justiça de longo prazo são remotas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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