Meus olhos viram Jerusalém em três estadias diferentes na Cidade Sagrada e em cada uma delas, a visão da Mesquita de Al Aqsa e da Igreja do Santo Sepulcro me tocavam de uma forma inenarrável. Cidade- mundo. Cidade -Sagrada para as três religiões monoteístas. Cidade amada pelos que desejam a coexistência e a paz, mas sequestrada pelos que constroem apenas mais ódio e mais muros. Para entender a imensa dor dos palestinos, a crueldade da Nakba, as mais de 200 mortes dos últimos dias nos bombardeios a Gaza, você precisa conhecer a história de Jerusalém e, se possível, entrar no coração dela, em Sheikh Jarrar, como fiz na minha última estadia, em 2017.
Voltemos um pouco no tempo. Jerusalém a cidade onde foi construído, segundo a Bíblia, há mais dois mil anos, o Templo de Salomão. É da cidade onde, logo depois da conversão do Imperador Constantino ao Cristianismo, foi erguida, em 335 da era cristã, a Igreja do Santo Sepulcro, no local exato da crucificação de Jesus. Alguns séculos se passaram até surgir, já no século 7, uma nova religião monoteísta, com muitos profetas, personagens e tradições entrelaçadas com Abraão, Moisés e Jesus. Revelado por Deus ao profeta Maomé, o islamismo, com sua mensagem de busca por conhecimento, direitos fundamentais,. união e solidariedade, acabou crescendo e ganhando milhões de adeptos já nos primeiros séculos de existência, unindo diferentes povos no Oriente Médio, na Espanha e na Ásia.
Pouco tempo depois, no ano de 638, os muçulmanos conquistam Jerusalém e vários territórios que faziam parte do antigo Império Bizantino, o império cristão do Oriente. Com a vitória militar dos muçulmanos, que pregavam a paz e a tolerância religiosa, foram promulgadas leis que autorizavam os judeus a regressarem à cidade após os séculos de Diáspora e que também protegiam de fato os cristãos da cidade. Jerusalém passou entao a ser considerada considerada sagrada para as três religiões abraãmicas e recebendo também o santuário islâmico do Domo da Rocha, que se tornou o próprio rosto de Jerusalém para o mundo, com sua fantástica arquitetura árabe e sua grande cúpula dourada.
Durante séculos, cristãos, muçulmanos e judeus viveram em paz na cidade. Até que, em 1095, o Papa Urbano II, apoiado por europeus em busca de dinheiro, terras e territórios para dominar, começam a alimentar o ódio contra os líderes muçulmanos de Jerusalém e a convocar jovens europeus pobres para as Cruzadas, uma nova ” Guerra Santa” para ” retomar condomínio cristão” da cidade sagrada. O Papa Urbano e nobres europeus convencem uma massa cristã pobre, analfabeta, injustiçada e faminta que, se morressem lutando nas Cruzadas, ganhariam um lugar no Céu. . Em 1099, Jerusalém é pelas violentas tropas levadas pelo Papa Urbano, que matam milhares de pessoas violentam mulheres, roubam terras e expulsam os muçulmanos e judeus de Jerusalém.
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Acontecem novas batalhas e a cidade volta ao domínio muçulmano durante a campanha militar liderada por Saladino, um comandante respeitado até por seus adversários e amado hoje por cristãos e muçulmanos por ter salvado a vida de milhares de mulheres e crianças cristãs no final do conflito. Os judeus, que estavam em número bem menor, também foram autorizados por Saladimo a voltar para Jerusalém.
Em 1517, o Império Otomano se expande e domina Jerusalém que o sultão muçulmano Mehmed II derrota o Império Bizantino em Costantinopla, atual Istambul.
A paz volta a ter voz por um tempo. Mas os tambores de guerra voltam a soar em Jerusalém com a derrota do Império Otomano durante a I Guerra Mundial . O Império Britânico toma Jerusalém do Império Otomano em 1917 e a Cidade Sagrada e todo o território da Palestina passa para as mãos da Inglaterra. O resto da História é tristemente conhecido.
É fundado o Sionismo na Europa, um movimento político que deseja fazer da Palestina onde cristãos, judeus e muçulmanos viviam em harmonia, uma nação apenas para judeus, uma supremacia judaica, onde europeus judeus podem viver e tomar as terras, destruir vidas e casas de palestinos cristãos e muçulmanos que vivem ali há séculos.
A situação se torna a cada semana mais violenta e a Inglaterra transmite para a Jordânia a administração de Jerusalém, um acordo que permanece intacto até 1967, quando, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel toma ilegalmente o controle de Jerusalém, num ato de guerra jamais reconhecido pelas leis internacionais. Os conflitos aumentam e o processo limpeza étnica dos palestinos de toda a região se torna cada vez mais violento e incontrolável.
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Fora das muralhas da parte conhecida como “cidade velha” , fica o bairro chamado Sheikh Jarrah. Um bairro que me emocionou por sua resistência , por seu simbolismo como um dos bairros mais palestinos de Jerusalém!
Sheikh Jarrah passou a ser, tristemente, um alvo de colonos e supremacistas judeus estrangeiros, que muitas vezes chegam dos Estados Unidos ou da Europa sem nenhuma ligação histórica com Jerusalém e passam a agredir, jogar objetos e ameaçar famílias palestinas que vivem ali há 70 anos, ou a transformar suas suas em um inferno de Dante.
O bairro é bonito, próspero e está bem perto da linha que separa a Jerusalém Ocidental da Oriental e isso se tornou uma razão ainda maior para os ataques dos supremacistas judeus europeus e anorte- americanos.
As cenas de violência que eu testemunhei no bairro em 2017 ficarão tatuadas em minha mente para sempre.
Um extremista judeu gritava palavras horriveis para uma senhora muçulmana que poderia ser sua avó, enquanto outros colonos judeus jogavam lixo perto da entrada de sua casa.
Ela estava sozinha e nós a ajudamos a levar as duas sacolas de compras para a casa, Eu a abracei e segurei em suas mãos trêmulas para tentar ampará- la.
Como eu me sentiria se minha avó fosse agredida por extremistas judeus ( ou cristãos, ou muçulmanos, ou hindus…) e um grupo de supremacistas transformasse a simples ida ao mercado em um suplício e um risco de vida?
Como você se sentiria se sua mãe estivesse sendo expulsa da casa em que você cresceu, não por questões de pagamento de aluguel, mas para entregar a sua casa a extremistas judeus que alegam ter direito a ela porque Deus lhe contou?
Muitas famílias palestinas estão sendo expulsas de suas casas com a ajuda de leis israelenses draconianas, que não seriam aceitas em nenhum lugar do mundo.
A chamada Lei de Propriedade Ausente permite que Israel confisque a casa de uma família de palestinos que ou fugiram de sua casa para não morrer durante o Massacre de palestinos de 1948, por exemplo.
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Mas quando se trata de cidadãos judeus, o sistema jurídico é outro, e a Lei de Assuntos Jurídicos e Administrativos permite que os judeus que tiveram alguma relação com uma propriedade, numa época muito anterior a 1948 retomem suas casas em Jerusalém e expulsem palestinos que morem nela regularmente.
Mas o que descobri conversando com Soad e seus filhos naquela fim de tarde, no crepúsculo de Jerusalém é que os advogados dos colonos judeus tentam expulsar os palestinos de suas casas aplicando a lei que se refere às propriedades de antes de 1948 ou falsificado documentos
São leis completamente diferentes para judeus e para palestinos muçulmanos e cristãos e que evidenciam claramente um regime de Apartheid imposto desumanamente por Israel.
No exemplo específico dessas famílias palestinas de Sheikh Jarrah, um tribunal inferior este ano apoiou a reclamação dos colonos judeus, uma decisão claramente injusta para os palestinos.
Cabe agora aos juízes da Corte Superior revogar a decisão e evitar que um novo ato de Apartheid seja cometido em Jerusalém.
O que você sentiria se violentos colonos tomassem a casa da sua família afirmando que, em 1948, aquela casa foi de um cidadão judeu, mas sem nenhuma relação com os que a estão tomando hoje?
Mesmo diante de tamanha desumanidade, a esperança dos que lutam por paz e justiça permanece viva.
Muitas muitas mulheres judias, como as que conheci na ONG BT Selem em Jerusalém, tem lutado para manter viva a luta pela esperança.
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Não alimentamos o ódio à uma religião inteira, A luta deve ser contra os que sequestraram as religiões para promover mortes, apartheid e violência.
Deixo aqui mensagem de um escritor, um ex extremista judeu que se tornou um artivista pela paz e que faleceu em 2018: O que para nós é a Guerra da Independência e para vocês é a Nakba – cerca de 750 mil palestinos foram obrigados a deixar suas casas e suas terras durante 70 anos de conflitos, vocês foram impedidos de exercer seu direito natural à independência em seu próprio Estado Nacional livre. (…) Por tudo isso devemos a vocês um pedido de perdão (…) Uri Adverny
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