O historiador israelense Illán Pappé, autor de livros como A limpeza étnica da Palestina e A maior prisão da Terra, concedeu entrevista ao jornal espanhol El Diário, publicada no último sábado, analisando motivos históricos e questões atuais para Israel prosseguir com ataques e apartheid na Palestina.
As operações militares atuais ele atribui, primeiro, ao objetivo pessoal do primeiro-ministro Netanyahu, de “criar uma crise que permita que ele permaneça no poder e não seja enviado ao tribunal e possivelmente à prisão.” Mas as razões de Israel são mais profundas e históricas, que são a colonização, a judaização do Estado, e eliminação de um problema demográfico: o povo palestino. Israel mantém sua sociedade sob um processo sofisticado de doutrinação – na educação, no sistema militar e na mídia – desumanizadora, baseada no medo e na responsabilização do Hamas pelos ataques de Israel a Gaza.
“Sempre me surpreendeu que meus amigos, colegas e compatriotas israelenses não tenham pelo menos o mínimo de compaixão no caso de Gaza … Você não sente nada quando vê o massacre de crianças em Gaza? E a maioria não sente isso.” – diz Pappé
A doutrinação sustenta uma limpeza étnica que, ele analisa, começou em 1948,com a expulsão de metade da população palestina, depois na guerra de 67, com mais 300.000 palestinos expulsos, e continua ocorrendo no Vale do Jordão, em Jerusalém, ao sul de Hebron. Israel quer mudar a demografia.
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“Se você quer um estado judeu democrático, mesmo que seja absurdo, você tem que lidar com a demografia e não há uma maneira democrática de lidar com a demografia. Existem apenas maneiras brutais e não democráticas de tornar seu país um Estado judeu… Eles têm 98% da Palestina, mas o problema é que há seis milhões de palestinos vivendo lá.”
Para Ilan Pappé, há duas opções para acabar com a Nakba iniciada em 1948: ou (os israelenses) param quando se livram de todos os palestinos – pela limpeza étnica combinada com o apartheid da parte da restante – ou quando o mundo lhes diz que esse tipo de mentalidade, ideologia e estratégia é inaceitável.
Algumas coisas, segundo ele, já caíram por terra: a ideia de um sionismo de esquerda, que serviria apenas para fechar o círculo e hoje não tem mais credibilidade, e a solução de dois estados, que para o historiador não sobreviveu. Já a solução de um estado único é difícil, mas, diz ele, “é preciso pensar em alternativas”.
O que Israel pretende, ser um estado judeu e ao mesmo tempo democrático é uma contradição em si. Para ser democrático, precisa renunciar a ser um Estado étnico judeu. Para ser um Estado étnico judeu, precisa renunciar à democracia. Israel, para Ilan Pappé, está numa encruzilhada e tem duas opções: ser um estado democrático ou um estado de apartheid.
A entrevista está publicada em espanhol, no Diário.es sob o título: “Illan Pappé, historiador israelí: Podemos contar los días hasta el próximo ciclo de violencia”.
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